A prática da confidencialidade no ministério

Já ouvi histórias de pessoas que ficaram devastadas quando pastores divulgaram informações confidenciais sobre elas sem permissão durante um sermão ou uma conversa com colegas e administradores. Mas será que é apropriado divulgar informações confidenciais? Existem limites para a confidencialidade?

Os pastores servem em diferentes posições e ambientes, mas apesar do seu contexto de trabalho, eles têm a obrigação ética, profissional e sagrada de não divulgar informações confidenciais sobre as ovelhas que estão sob seus cuidados e buscam sua orientação.

Devido à quantidade sem precedentes de dor física, psicológica e espiritual deixada pela recente pandemia, os serviços dos pastores estão em maior demanda.1 Consequentemente, para proteger a confidencialidade, os ministros precisam ter uma boa definição do que é a confidencialidade, precisam discernir quais informações são classificadas como confidenciais e devem estar cientes dos benefícios e limites do sigilo pastoral, além de seguir o melhor protocolo de comportamento.

Definições

Confidencialidade diz respeito às informações que uma pessoa divulga em uma relação de confiança, na qual espera que essas informações não sejam compartilhadas com terceiros sem a autorização prévia e que não sejam tratadas de forma contrária, como acontece no momento em que são divulgadas.2 A confidencialidade também pode ser definida como um dever ético dos pastores, os quais não devem divulgar informações de suas ovelhas sem permissão.3 É a condição na qual o pesquisador conhece a identidade de um objeto de pesquisa, mas toma medidas para que essa identidade não seja descoberta por outros.4 Uma situação que exige confidencialidade acontece quando os ministros estão lidando com informações pessoais, restritas, íntimas, secretas ou privadas dos membros, e que se baseiam em um ­conjunto de regras preexistentes ou atuais, ou em uma promessa que limite a discussão e a apresentação pública dessas informações.

É interessante notar que a confidencia­lidade também se estende a “alguns rela­cionamentos íntimos, a discussões, à comu­nicação, a eventos e comportamentos pessoais que não somente precisam ser conservados longe de acesso público, como também quando é expresso o desejo de que as informações sejam mantidas em segredo entre o confidente e o que confidencia”.5 Em outras palavras, a confidencialidade é um acordo entre o pastor e a ovelha no qual é feito um compromisso que limita a discussão e a apresentação pública das informações que são compartilhadas dentro da relação dos dois. Portanto, a confidencialidade é algo sério e essencial, já que o pastor fez um voto sagrado de cuidar das suas ovelhas.

A escritora Elizabeth Audette declarou: “Devido à complexidade e à difusão das questões de confidencialidade na igreja, a clareza sobre a prática do clero […] é impor­tante.”6 Infelizmente, “há vários relatos de pastores que quebraram a confiança de pessoas que abriram o coração a ele diante da expectativa da manutenção do sigilo”.7 Divulgações antiéticas desse tipo até já resultaram em processos judiciais.8 O líder ­pastoral, Michael Kane, atribui essa quebra de confidencialidade a uma falta de compreensão adequada da natureza da comunicação. Ele escreveu: “Poucos entrevistados [pastores] entenderam que as informações recebidas em aconselhamento ou direcionamento espiritual devem ser mantidas em segredo.”9 Consequentemente, os ministros têm o dever sagrado de proteger o sigilo, pois é a coisa certa a se fazer, além de trazer muitos benefícios.

Benefícios e limites

A confidencialidade está associada a bene­fícios pessoais, organizacionais e sociais.10 Quando o sigilo é uma prioridade, as ovelhas e os pastores tendem a sentir que têm um lugar para onde ir ou alguém a quem recorrer quando enfrentam uma crise pessoal.11 Essa ­sensação de segurança é crucial para a relação entre o pastor e a ovelha, além de ­encorajá-los a buscar conselhos, instrução e referências para suporte adicional. Além disso, manter o sigilo é uma questão de respeito ao ser humano e à sua dignidade, dando às ovelhas “a segurança de que informações que causam vergonha não serão expostas em público”.12

Em relação aos benefícios organizacionais, o professor Carey e seus colegas descobriram que a confidencialidade incentiva a honestidade sem medo de represálias e abre o caminho para que as pessoas possam ser ajudadas antes que a situação delas se torne insustentável. Esses resultados são verdadeiros principalmente quando lidamos com questões morais ou doutrinárias relacionadas ao corpo ministerial.13

Além disso, a proteção das informações privadas de outras pessoas traz benefícios para a sociedade, pois “incentiva as pessoas a participar de atividades socialmente desejáveis, inclusive atividades de pesquisa e saúde pública”.14 A proteção da confidencialidade também promove a confiança entre a sociedade e a religião organizada.

Embora o sigilo de informações seja um dever ético universal,15 há limites para a proteção de alguns dados. Os possíveis limites à confidencialidade envolvem a ideia de privilégio, geralmente reivindicada por advogados e ministros,16 mas eles não são aplicados ou reconhecidos da mesma forma em cada jurisdição17 ou país. A comunicação de foro privilegiado é “uma doutrina de algumas religiões, [e] os clérigos devem manter a confidencialidade das comunicações pastorais”.18 A comunicação de foro privilegiado também é definida como “uma proteção estatutária que permite que um pastor receba determinadas comunicações no contexto de sua capacidade ministerial e fique imune a testemunhar sobre as mesmas em tribunal”.19 No entanto, é essencial observar que esse privilégio pode não ser absoluto, pois os estatutos de denúncia obrigatória às vezes “especificam as circunstâncias sob as quais uma comunicação é ‘de foro privilegiado’ ou pode permanecer confidencial”.20 Alguns países e jurisdições têm leis de denúncia obrigatória que exigem que o pastor relate “atividades criminosas que possam resultar em danos graves ou perigo para pessoas individuais e para o público”.21 Essas atividades podem incluir, mas não se limitam a abuso infantil e exploração de pessoas portadoras de necessidades especiais. Consequentemente, é vital que os pastores conheçam e respeitem os limites de confidencialidade exigidos pelas leis nacionais ou de jurisdição.

Melhores práticas

A confidencialidade é essencial na construção da confiança entre o pastor e a ovelha, sendo de valor inestimável para um ministério eficiente. Devido à importância vital da confidencialidade para o ministério, aqui estão sete práticas recomendadas para ajudar os pastores a maximizar os benefícios que o sigilo traz e limitar potenciais suscetibilidades.

Faça um compromisso pessoal de manter a confidencialidade. A violação da confidencialidade pode expor o pastor à responsabilidade legal por ­difamar uma pessoa e intencionalmente infringir dano emocional,22 relacional e material. Portanto, mantenha sempre o sigilo.

Siga o protocolo da sua organização religiosa. Adote as práticas confidenciais do seu grupo religioso e de sua associação. Esses protocolos geralmente são implementados para garantir que os pastores operem com base nos mais altos padrões éticos e, assim, protejam-se de processos legais e também protejam suas ovelhas de danos causados por divulgações inadequadas. Os protocolos podem incluir confidencialidade absoluta e profissional. A confidencialidade absoluta é uma comunicação privilegiada, enquanto a confidencialidade profissional é quando os pastores não têm permissão para discutir sobre a própria ovelha “ou sobre o caso dela com ninguém, exceto com outro profissional que, na prática de sua profissão, tenha a proteção de uma comunicação de foro privilegiado”.23

Imite o Bom Pastor. Jesus é o maior confidente, por isso, os ministros devem seguir Seu exemplo. O salmista declara: “É melhor confiar no Senhor, do que depender de seres humanos” (Sl 118:8, NTLH). Portanto, seguir o exemplo de Cristo é muito importante na construção da confiança dos membros da igreja. Durante Seu ministério, Jesus mostrou como os pastores devem se comportar em relação à confidencialidade.

Nos seus sermões evite usar casos que ouviu durante o aconselhamento. Ministros que abraçam seus deveres sagrados e a responsabilidade ética irão evitar usar nos seus sermões e apresentações casos que ouviu nas sessões de aconselhamento pastoral. Na verdade, “qualquer indício de indiscrição verbal”24 pode fazer com que o pastor perca a credibilidade do seu ministério. Por conseguinte, os ministros precisam encontrar outras alternativas de ilustrações em seus sermões e palestras.

Peça autorização. Antes de divulgar informações pessoais sobre um irmão ou irmã em questão, peça a autorização deles. É preciso também ter um consentimento explícito antes de usar as informações em uma apresentação, ou ao enviar a pessoa para outros conselheiros pastorais ou profissionais da área de saúde mental. Caso a permissão seja concedida, é preciso tomar algumas medidas que previnam a identificação do membro diante da igreja.

Conheça os limites. Faça uma pesquisa para saber quais são os limites da confidencialidade no seu país ou na sua jurisdição. Quando os pastores sabem esses limites, podem compartilhá-los com aqueles que buscam aconselhamento antes que qualquer informação confidencial seja compartilhada. O conhecimento desses limites irá ajudar a reduzir os riscos de danos à ovelha, ao público ou ao próprio pastor pela perda de credibilidade e por processos legais devido a revelações inadequadas.

Viva de acordo com os cinco princípios éticos. Os pastores precisam adotar cinco princípios éticos: não ­maleficência, não causar danos; beneficência, fazer o bem; autonomia, o direito à autodeterminação; justiça, um tratamento justo; e fidelidade, a qualidade ou o estado de ser fiel.25 Esses cinco princípios são a base da confidencialidade. Se forem implementados, provavelmente protegerão o pastor de causar danos a outras pessoas e a si mesmo.

Conclusão

Podemos ver que a confidencialidade tem valor inestimável para o ministério e precisa ser “respeitada e protegida a qualquer custo”.26 Porém, toda essa informação dada aqui tem o propósito de educar o leitor, sem a intenção de ser um conselho jurídico. Propagar informação confidencial é um comportamento intolerável, a menos que seja concedida permissão ou haja um mandato legal para isso. Por conseguinte, as sete práticas citadas acima provavelmente irão aumentar a credibilidade dos pastores, contribuindo para que obtenham benefícios ­pessoais, organizacionais e sociais. 

Marlon C. Robinson
diretor de cuidados pastorais da AdventHealth Manchester, Estados Unidos

Referência

1 Marlon C. Robinson, “The Pastor’s Mental Health and the Covid-19 Pandemic”, Ministry 93 (2021), p. 6-9.

“Privacy and Confidentiality”, Office of Research. Disponível em <link.cpb.com.br/bed298>, acesso em 4/5/2023.

3 Philip Merideth, “The Five C’s of Confidentiality and How to Deal With Them”, Psychiatry 4 (2007), p. 28, 29.

“Understanding Confidentiality and Anonymity”, The Evergreen State College. Disponível em <link.cpb.com.br/d88edf>, acesso em 28/11/2021.

Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”, p. 677.

Elizabeth Audette, “Confidentiality in the Church: What the Pastor Knows and Tells”, Christian Century 115 (1998), p. 80-85.

Darlene Parsons, “Pastors Ignoring Confidentiality: Having Gospel Gossip Authority?”, The Wartburg Watch. Disponível em <link.cpb.com.br/d3e447>, acesso em 14/8/2023.

Paul Dechant, “Confidentiality and the Pastoral Minister: Duty, Right, or Privilege?” Journal of Pastoral Care 45 (1991), p. 61-69; Audette, “Confidentiality in the Church”, p. 80-85.

Michael N. Kane, “Catholic Priests’ Knowledge of Pastoral Codes of Conduct in the United States”, Ethics & Behavior 23 (2013), p. 199-213.

10 Lawrence O. Gostin e Sharyl Nass, “Reforming the HIPAA Privacy Rule: Safeguarding Privacy and Promoting Research”, JAMA 301 (2009), p. 1373-1375; Carey, Willis, Krikheli, e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”.

11 Kami Orton, “The Clergy-Penitent Privilege: The Role of Clergy in Perpetuating and Preventing Domestic Violence”, Nevada Law Journal Forum 4 (2020). Disponível em <link.cpb.com.br/0b2345>, acesso em 14/8/2023.

12 Gostin e Nass, “HIPAA Privacy Rule”; Ralph B. Lassiter, “Clergy Confidentiality”. Disponível em <link.cpb.com.br/712cff>, acesso em 14/8/2023.

13 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”.

14 Gostin e Nass, “HIPAA Privacy Rule”, p. 1373.

15 Merideth, “The Five C’s of Confidentiality”, p. 28, 29.

16 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”; Orton, “Clergy-Penitent Privilege”.

17 Merideth, “Five C’s of Confidentiality”, p. 28, 29.

18 Clergy as Mandatory Reporters of Child Abuse and Neglect, Child Welfare Information Gateway. Disponível em <link.cpb.com.br/a53793>, acesso em 14/8/2023.

19 Lassiter, “Clergy Confidentiality”, p. 2.

20 Child Welfare Information Gateway, “Clergy as Mandatory Reporters”, p. 2.

21 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”, p. 684.

22 Lassiter, “Clergy Confidentiality”, p. 5.

23 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”.

24 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”, p. 681.

25 Merriam-Webster, “Fidelity”. Disponível em <merriam-webster.com/dictionary/fidelity>, acesso 18/5/2023.

26 Carey, Willis, Krikheli e O’Brien, “Religion, Health and Confidentiality”, p. 684.