Como entender a macroestrutura literária do último livro da Bíblia

O Apocalipse é um livro profético, complexo, profundo, enigmático, revelador, maravilhoso e único, para usar sete adjetivos. Ele descreve o conflito cósmico entre o bem e o mal, com cenas que ocorrem no Céu e na Terra e têm reverberações eternas. É difícil o leitor não ficar ­impressionado com o horizonte visionário do livro e seus recursos literários, incluindo sons, vozes, imagens, fenômenos naturais e sinais. Trata-se de um universo habitado por anjos, pessoas e seres fantásticos, num cenário pontuado por símbolos. Felizmente, entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a vida e a morte, claramente a vida, a luz e o bem prevalecem. O Cordeiro vence, o dragão perde. O trono divino subverte o trono satânico. A ordem, a justiça e a felicidade voltam ao planeta.

Gênero literário

Principal representante da literatura apocalíptica, o Apocalipse apresenta algumas das principais características desse gênero literário: contrastes marcantes, abrangência cósmica, ênfase escatológica, origem em tempos de angústia e perplexidade, visões e sonhos, uso extenso de simbolismo, emprego de símbolos híbridos (sem paralelos na natureza), oposição macrocósmica ética entre o bem e o mal, segmentação da história em períodos, conflito entre as forças da luz e das trevas, tempo de tribulação, ênfase transcendente no mundo invisível, mediação de seres celestes, expectativa da intervenção divina, julgamento das forças do mal, insatisfação com o presente e foco no futuro, expectativa do fim e da chegada do mundo ideal.1

A palavra “apocalíptica” ( na verdade, o termo em alemão apokalyptik ) ingressou no vocabulário acadêmico em 1832 por meio de Gottfried Christian Friedrich Lücke (1791-1854).2 O gênero apocalíptico está relacionado à escatologia, mas os dois conceitos não são sinônimos. Todos os textos apocalípticos pertencem à categoria da escatologia, mas nem toda literatura escatológica é apocalíptica. De igual modo, se os textos apocalípticos da Bíblia são proféticos, nem todos os textos proféticos são apocalípticos. Enquanto a profecia clássica é basicamente condicional, já que depende da resposta humana, a profecia apocalíptica tem um caráter de incondicionalidade, pois reflete a visão divina das coisas que devem acontecer.

Estreitando mais o foco, o Apocalipse é uma mensagem apocalíptica (Ap 1:1), uma profecia (Ap 1:3) ou uma carta (Ap 1:4)? “Talvez o melhor que se possa concluir é que o Apocalipse é um texto apocalíptico, escrito por um profeta cristão, enviado como uma quase carta às igrejas da Ásia Menor”, afirmou Mitchell G. Reddish.3 Na ­verdade, o Apocalipse é um gênero híbrido: o conteúdo é profético (uma revelação divina), a moldura é epistolar (uma carta singular enviada pelo próprio Cristo glorificado) e o teor é apocalíptico (pelo alcance cósmico e o senso de urgência).

Até pela época da escrita, o Apocalipse é o clímax da profecia. No livro, os profetas bíblicos se encontram e dialogam sobre a situação do povo de Deus, o conflito entre o bem e o mal, o julgamento que está por vir e os esplendores na nova Terra, embora alguns profetas falem mais. João emprega centenas de alusões ao Antigo Testamento, em especial Isaías, Ezequiel e Daniel.4 O repertório joanino é basicamente bíblico e judaico; os eventuais elementos do mundo mediterrâneo são secundários ou redefinidos pela lente da cosmovisão bíblica.

A intertextualidade faz parte da tessitura do livro. Porém, não chega ao ponto de sobrepujar a própria revelação que João recebeu. Os profetas antigos são evocados não para recontar o passado, mas para simbolizar e retratar o futuro. Caso contrário, o livro não seria a “revelação de Jesus Cristo” dada a João, que registrou “tudo o que viu” (Ap 1:1 e 2). Isso indica que a estrutura do Apocalipse depende mais do fluxo das visões dadas a João do que da sua elaboração intertextual. A revelação está acima da intertextualidade, o conteúdo sobrepuja a forma, a teologia prevalece sobre o padrão.

Ao longo do livro, o autor cita vários personagens, eventos, topografia e números reais, mas prefere usá-los como símbolos. Ele comunica a teologia por meio de metáforas. Mesmo elementos literais, como a nova Terra, são descritos com toques poéticos e simbólicos. Sob a superfície, há profundas camadas de significados. E João caracteriza seus personagens muito bem, usando as técnicas de “mostrar” (apresentação indireta) e “contar” (apresentação direta).5

Uma vez que o profeta presume que seu público-alvo entenderia as imagens, os códigos e o contexto do livro, ele não explica tudo, até para proteger os cristãos. No mundo apocalíptico, pessoas e coisas às vezes são mais ideias e conceitos do que pessoas e coisas propriamente ditas.

Como parte do simbolismo, o profeta usa diversos números figurados. Para o povo do antigo Oriente, os números, mais do que quantidades, podiam simbolizar qualidades. Assim, em vez de aleatórias, as fórmulas matemáticas tinham lógica e eram capazes de expressar conceitos. No Apocalipse, 3 é símbolo de união, 4 simboliza universalidade, 6 representa uma iniciativa humana e inconclusividade, 7 é o número da perfeição ou de descanso após o fim de um projeto, 10 é símbolo de completude e 12 corresponde ao povo ou reino de Deus. Não é por acidente que João menciona 30 vezes o número 7, de longe o algarismo mais usado.6

Apocalipse também apresenta contrastes entre agentes, entidades, personagens e coisas que representam o lado do bem e campo do mal no conflito cósmico na forma de paródia, definida por Joe E. Lunceford como “o uso de um termo na arena do mal que parece imitar um termo semelhante na arena do bem”.7 São mais de 15 categorias ou “contra imagens”, que incluem a trindade santa e a profana (Ap 1:4-5a; Ap 5:4-7; Ap 12:3; Ap 13:1-4; Ap 13:11-12; Ap 13:15), bem como o selo de Deus e a marca da besta (Ap 7:2-3; Ap 9:4; Ap 13:16-17; Ap 16:2).

Além disso, o Apocalipse usa “interlúdios”, estratégia que Jon Paulien chama de “princípio da duodirecionalidade”,8 uma ferramenta para conectar duas temáticas do texto e facilitar (ou, às vezes, complicar) a transição. Estratégias literárias semelhantes ao entrelaçamento de anexos, esses “apêndices” servem para explicar, justificar ou unir narrativas, além de expandir temas, visões ou ciclos. Essa função tática funciona como uma janela para o fluxo de pensamento do autor.

A gramática singular do Apoca­lipse e suas irregularidades,9 eventual­mente porque o autor pensava em hebraico e escrevia em grego,10 talvez como marca autoral de suas alusões à Bíblia Hebraica,11 possivelmente como reflexo de suas visões, quem sabe por não poder contar com a ajuda de um editor, entre outros motivos, deixam os estudiosos perplexos. Mas quase todos admiram a arte do livro.

Por mais desafiador que seja, o Apocalipse é um livro aberto e pode ser entendido, pois é uma revelação. Porém, não é fácil decifrar a estrutura literária dessa obra-prima. A questão não é estabelecer as unidades, mas determinar a conexão entre elas. A ­estrutura tem que ver com a maneira pela qual o livro é organizado, ou seja, a relação das partes com o todo. Por isso, há inúmeras leituras do texto.

Neste artigo, que inaugurará uma série de seis temas sobre o Apocalipse, exploraremos a questão da macroestrutura do livro. A compreensão da arquitetura literária é importante porque interfere na interpretação teológica. Das quatro abordagens interpretativas principais (preterista, historicista, idealista e futurista), entre outras possíveis, a escolha de qualquer uma delas tem reflexos na visão da organização literária. Contudo, a estrutura deveria derivar do próprio livro.

Estrutura intencional

Para começar, será que João escreveu o Apocalipse sem uma preocupação literária ou há sinais de estruturação intencional? E, se houver uma estrutura, ela seria visionária (seguindo a ordem das visões), cronológica (conforme o ritmo da história), temática (controlada por um tema central e agrupada por tópicos afins), dramática (o uso de cenas, ações e diálogos para criar emoções), recapitulativa (tópicos revisitados para explicação e/ou ampliação), aritmética (padrões de sete, por exemplo), litúrgica (baseada nos ciclos do santuário) ou quiástica (um paralelismo invertido em forma de X, com destaque no centro)?

Há evidências internas de que o autor pensou numa estrutura, a começar pelo prólogo e o epílogo, que têm paralelos evidentes (veja o quadro 1), além dos interlúdios e da progressão cronológica dos eventos descritos, até culminar com a volta de Jesus e a nova Terra. Os paralelos entre as promessas aos vencedores (nas sete igrejas) e o cumprimento no fim do livro também indica organização literária (quadro 2) e reforçam o uso de quiasmo na macroestrutura.

Quadro 1: Paralelos linguísticos entre o início e o fim do Apocalipse:

Quadro 2: Conexões linguísticas entre as promessas escatológicas às igrejas de sete cidades e o cumprimento no contexto do templo de Deus na Cidade Santa:

Entretanto, qual é o objetivo do autor ao elaborar uma estrutura tão complexa? Para David Aune, “os apocalipses medeiam uma nova atualização da experiência revelatória original por meio de artifícios literários, estruturas e imagens que funcionam para ‘ocultar’ a mensagem que o texto supostamente ‘revela’”, “de modo que a audiência possa ter a experiência de decodificar ou decifrar a mensagem”.12 A revelação do conteúdo se dá no ocultamento originado pelos símbolos, criando uma beleza que é mais plenamente discernida pelos que ousam adentrar o labirinto da profecia e contemplam de perto a iconografia da obra. Os que leem o Apocalipse recebem uma revelação e se tornam bem-aventurados.

O tema central do Apocalipse poderia ajudar a descobrir a estrutura do livro. Porém, não é tão simples estabelecê-lo. Seria o trono de Deus, ou a vitória do Cordeiro, ou a derrota do dragão, ou a perseguição da igreja, ou o julgamento, ou a volta de Jesus, ou a teodiceia, ou o conflito cósmico? Pelo menos o propósito está bem claro no início do livro: revelação de Jesus Cristo para mostrar o que em breve vai acontecer (Ap 1:1).

Todos os temas mencionados têm um papel essencial no livro. Mas, se fosse para destacar um aspecto que parece controlar a narrativa, um bom candidato seria a guerra cósmica.13 O drama das visões de combate entre Ap 11:19 e Ap 15:5 é “o clímax no qual os personagens-chave (Deus, Satanás, os anjos e a humanidade) se encontram em forte ritmo de ação” e deve ser visto como o “foco central do livro”.14

O Apocalipse apresenta padrões repetitivos (ou de recapitulação), fenômeno já observado por Vitorino de Pettau (c. 250-304) no terceiro século.15 É como se o profeta usasse uma câmera para revelar ângulos diferentes. Porém, essa recapitulação não deve ser entendida à luz das sequências ­recapitulativas de Daniel. Ao passo que em Daniel as mesmas entidades são representadas por símbolos diferentes (metais, animais, chifres, reinos), em Apocalipse não ocorrem essas recapitulações de sequências inteiras de entidades.

Em busca da macroestrutura

O leitor que desejar se aprofundar na macroestrutura do Apocalipse tem uma infinidade de fontes para exercitar os neurônios. Entre os estudiosos que tratam do tema, temos os inovadores, que deram contribuições originais para a área; os aperfeiçoadores, que realizaram adaptações de propostas anteriores; e os sistematizadores, que fizeram análises e classificações dos estudos de outros.

No campo das sistematizações, vale a pena mencionar três estudos por sua abrangência e suas qualidades. Em sua tese de 1982, Wayne R. Kempson classificou os estudos sobre a macroestrutura do Apocalipse em abordagens externas e internas em relação ao texto, além de apresentar subdivisões menores (11 no total).16 Apesar de não incluir os últimos estudos, é uma boa fonte.

Em sua pesquisa enciclopédica, o autor tcheco Roman Mach aplicou os conceitos da teoria do texto “aberto” de Umberto Eco17 à macroestrutura do Apocalipse. Segundo Mach, o último livro do cânon bíblico tem uma “abertura” que possibilita muitas leituras, respeitando os limites impostos pelo próprio texto. Para o autor, os sinais estruturais na obra de João são agrupados em subseções específicas, criando um arranjo literário aberto.18

No meio adventista, um dos estudos mais completos e ­atuais é a dissertação de mestrado de Alberto Tasso, defendida na Universidad Peruana Unión e lançada em 2021 em formato de livro.19 Tasso não investiu na criação de sua própria macroestrutura, mas fez uma ótima análise das fontes. No adventismo, diz ele, “há praticamente ­consenso de que as visões de João seguem uma sequên­cia de recapitulação, retomando temas paralelos com ­ampliação, e não uma pura progressão cronológica”; e a linha de pensamento é um pouco mais homogênea, pois “os eruditos adventistas mais relevantes construíram suas ideias de análise literária um sobre o outro”.20

Diante da enorme multiplicidade de propostas, não há consenso sobre a macroestrutura do Apocalipse. Adela Y. Collins reconheceu em sua tese de 1976: “Há quase tantos esboços
do livro quanto existem intérpretes. A raiz do problema é a presença de numerosas passagens paralelas e repetições no livro.”21

A própria Adela, seguindo Austin Farrer,22 propôs uma estrutura septenária (com padrão de sete) que ainda tem adeptos.23 E Christopher Smith usou a expressão “no ­espírito” (en pneumati), que ocorre quatro vezes no Apocalipse (Ap 1:10; Ap 4:2; Ap 17:3; Ap 21:10), e a interação com anjos no fim das seções principais como marcadores estruturais.24 Já Elisabeth Schüssler Fiorenza visualizou uma estrutura quiástica:25

Essa estrutura é simples, mas não corresponde totalmente ao texto. O julgamento, por exemplo, não começa em Ap 19:11, mas antes. Além disso, não há marcadores ­textuais para justificar algumas escolhas da autora, e a estrutura do quiasmo não se ajusta bem.

Aqui vale mencionar que Nils Wilhelm Lund foi pioneiro no uso do quiasmo como fator estruturador do Apocalipse.26 A palavra “quiasmo” vem da letra grega chi, escrita como um X, uma espécie de paralelismo invertido (por exemplo, “que abre, e ninguém fechará, e que fecha, e ninguém abrirá” [Ap 3:7]). Ao que consta, esse arranjo literário fazia parte da estrutura do pensamento hebraico e de outros povos antigos,27 talvez como recurso mnemônico numa cultura oral. Portanto, apesar dos abusos dos que veem quiasmo em tudo, esse dispositivo parece legítimo. Porém, o texto deve estar sempre acima do padrão.28

Entre os eruditos adventistas que estudaram a macroestrutura do Apocalipse, um dos mais citados e respeitados é Kenneth Strand, que foi professor na Universidade Andrews. Strand propôs uma divisão do livro em duas partes, que compreendem um bloco histórico (Ap 1:12–14:20) e ­outro escatológico (Ap 15:1–22:5), com subseções correspondentes. Ele defendeu uma estrutura quiástica com base em oito visões, cada uma começando com uma “cena vitoriosa introdutória”, e destacando seis interlúdios. As cenas ocorrem no contexto do santuário e servem de introdução às visões (cena 1, Ap 1:10b-20; cena 2, Ap 4:1–5:14; cena 3, Ap 8:2-6; cena 4, Ap 11:19; cena 5, Ap 15:1–16:1; cena 6, Ap 16:18–17:3a, com 16:17 como pano de fundo; cena 7, Ap 19:1-10; cena 8, Ap 21:5-11a). Aperfeiçoando sua análise ao longo do tempo, ele usou também os motivos do êxodo e da queda de Babilônia nas visões 3–6.29

Os estudos de Strand têm muitos méritos e podem servir de base para aprofundamentos. A ideia de incorporar as cenas do santuário às divisões da macroestrutura, em sintonia com os lugares e serviços do santuário, confere solidez ao sistema e, na avaliação de Richard Davidson, talvez tenha sido “o insight mais significativo” nos estudos recentes.30

Valorizando o motivo do santuário, Jacques Doukhan destacou que o “Apocalipse deve ser lido como liturgia” e sugeriu uma estrutura em sete ciclos proféticos que seguem o padrão das festas judaicas, na qual cada ciclo inicia com uma visão que retorna ao templo e dá destaque aos dias santos mais importantes do ­calendário. O livro, explica ele, pode ser representado pela menorá ou candelabro de sete braços, cada braço representando um festival judaico. Esse esquema englobaria três momentos/lugares: fase terrestre (Ap 1:1–11:18), fase final (Ap 11:19–14:20), fase celestial (Ap 15:1–22:21).31

A macroestrutura de Strand é elogiável; porém, não é perfeita. Por exemplo, embora o Apocalipse realmente possa ser segmentado em duas metades, dividir o livro em uma parte histórica e outra escatológica parece não ser a melhor solução. Afinal, o evento Cristo já inaugurou a era escatológica ou os “últimos dias” (At 2:17; Hb 1:2; 1Pe 1:20; 2Pe 3:3). Além disso, a primeira parte do livro contém elementos escatológicos, como os 144 mil (Ap 7). Os ciclos localizados na primeira metade (selos e trombetas) se estendem até o fim (ou próximo dele), e não somente o ciclo que está na segunda metade (taças). As sequências “escatológicas” também são “históricas”. Em parte, o problema poderia ser resolvido ao se mudar a nomenclatura.

Por outro lado, as oito visões podem ser ajustadas mais eficazmente para sete, como fez Jon Paulien ao eliminar a cena/visão 6 do esquema de Strand (Ap 16:18–18:24, onde aparece uma voz vinda do templo, mas não uma cena do santuário).32 Esse ajuste permite um foco mais definido no centro do quiasmo. Ainda assim, o bloco sobre a meretriz, a besta escarlate e a queda de Babilônia não fica bem ajustado nesse esquema. Na verdade, não há consenso sobre o número de visões. Recentemente, um autor defendeu a existência de 12!33

Outros autores, como C. Mervyn Maxwell, Jon Paulien, Richard Davidson e Ranko Stefanovic, trabalharam a partir da proposta de Strand.34 Mas não temos espaço aqui para analisá-los. Vou mencionar apenas mais um caso. ­Inspirando-se no modelo de Strand, Norman R. Gulley apresentou uma abordagem ligeiramente diferente: (1) uma seção histórica (cap. 1–11), que corresponde ao ministério de Cristo no lugar santo (primeiro compartimento do ­santuário celestial) e (2) uma seção escatológica (cap.13–22), que corresponde ao ministério de Cristo no lugar santíssimo (segundo compartimento do ministério celestial), com (3) um vértice que conecta as duas seções (cap.12). Ele explica: “Se enxergarmos o livro no formato de um triângulo, com o lado esquerdo histórico e o direito escatológico, ambos se encontram no vértice do capítulo 12, com uma cruz posicionada no topo do vértice. A cruz é o sustentáculo para o qual se voltam tanto a divisão histórica quanto a escatológica.”35 Trata-se de uma sugestão interessante, sobretudo ao se levar em conta que Ap 12:11 evoca o evento cósmico do Calvário, e Ap 12:7, o meio aproximado do livro, concentra-se na vitória cósmica dos exércitos celestiais sobre as hostes rebeldes. Apesar do pro­blema da nomenclatura, essa macroestrutura é bem sólida.

Usando outro esquema gráfico, o Apocalipse pode também ser visto como uma série de sete painéis interligados, pois o livro tem múltiplos níveis de significado.36 Os anexos/interlúdios seriam “janelas” dentro dos painéis, ampliando a perspectiva. Essa estrutura literária também poderia ser representada no formato de menorá ou de um templo com sete colunas, com o centro do quiasmo no alto. Ou, se pensarmos no Apocalipse como uma viagem escatológica pelo tempo, poderíamos usar a ilustração de sete panoramas ou horizontes na paisagem revelada ao profeta. Se quiséssemos enriquecer ainda mais o esquema, poderíamos dizer que os eventos do lado esquerdo representam cenas associadas ao Lugar Santo, enquanto os eventos do lado direito simbolizam cenas ligadas ao Santíssimo. A macroestrutura a seguir não é definitiva, mas tem simetria e solidez textual.

Prólogo: Abertura do livro num formato epistolar singular (Ap 1:1-8). No painel eclesiástico, João destaca as sete igrejas, que representam o povo militante de Deus em todos os lugares e ao longo da história (Ap 1:9–3:22). No painel histórico, a ênfase está na abertura dos selos, o que tem que ver com o destino (Ap 4:1–8:1). No painel dissuasivo, as trombetas admoestam as pessoas, na tentativa de mudar a atitude delas em relação a Deus (Ap 8:2–11:18). No painel cósmico (central), o autor revela os fatos principais da guerra cósmica (Ap 11:19–15:4). No painel punitivo, as sete pragas representam a punição dos ímpios e o julgamento da Babilônia espiritual (Ap 15:5–18:24). No painel judiciário, a ênfase está na revisão da história durante o milênio, quando os livros celestiais serão abertos (Ap 19:1–20:15). No painel doxológico, João destaca os remidos no templo da nova Terra, que representam o povo triunfante de Deus de todas as eras (Ap 21:1–22:7). Epílogo: Conclusão do livro num formato epistolar singular (Ap 22:8-21).

Enfim, não há consenso sobre a macroestrutura do Apocalipse, e não é num curto artigo que vamos resolver o problema. Mas podemos ter certeza de que o Espírito Santo inspirou o autor a escrever uma obra-prima para intrigar, desafiar, orientar e abençoar os que estudam essa profecia, pois o tempo está próximo. 

Marcos De Benedicto
editor emérito da CPB

Referência

Kenneth A. Strand, “Foundational Principles of Interpretation”, em Symposium on Revelation – Book I, ed. Frank B. Hobrook, DARCOM 6 (Silver Spring, MA: Biblical Research Institute, 1992), p. 12-14; Frederick J. Murphy, Apocalypticism in the Bible and Its World: A Comprehensive Introduction (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2012), p. 8-12; Aune, The Westminster Dictionary of New Testament and Early Christian Literature and Rhetoric, p. 47, 48.

2 Gottfried Christian Friedrich Lücke, Versuch einer vollständigen Einleitung in die Offenbarung Johannis und die gesamte apokalyptische Literatur (Bonn: Weber, 1832).

3 Mitchell G. Reddish, “The Genre of the Book of Revelation”, em The Oxford Handbook of the Book of Revelation, ed. Craig R. Koester (Nova York: Oxford University Press, 2020), p. 33.

Cf. G. K. Beale, The Use of Daniel in Jewish Apocalyptic Literature and in the Revelation of St. John (Lanham, MD: University Press of America, 1984); Jean-Pierre Ruiz, Ezekiel in the Apocalypse: The Transformation of Prophetic Language in Revelation 16, 17–19:10 (Frankfurt am Main: Peter Lang, 1989); e Jan Fekkes, Isaiah and Prophetic Traditions in the Book of Revelation: Visionary Antecedents and their Development (Sheffield: JSOT Press, 1994).

James S. Resseguie, “Narrative Features of the Book of Revelation”, em The Oxford Handbook of the Book of Revelation, ed. Craig R. Koester (Nova York: Oxford University Press, 2020), p. 38.

Ap 1:4, 11, 12, 16, 20; 2:1; 3:1; 4:5; 5:1, 5, 6; 6:1; 8:2, 6; 10:3, 4; 12:3; 13:1; 15:1, 6, 7, 8; 16:1; 17:1, 3, 7, 9, 10, 11; 21:9.

Joe E. Lunceford, Parody and Counterimaging in the Apocalypse (Eugene, OR: Wipf & Stock, 2009), p. xi.

Jon Paulien, The Deep Things of God: An Insider’s Guide to the Book of Revelation (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 115-119.

9 Para um estudo sobre as peculiaridades linguísticas do Apocalipse, especialmente os aspectos verbais, cf. David L. Mathewson, Verbal Aspect in the Book of Revelation: The Function of Greek Verb Tenses in John’s Apocalypse (Leiden: Brill, 2010).

10 R. H. Charles, Studies in the Apocalypse (Edinburgh: T. & T. Clark, 1912), p. 82.

11 Gregory K. Beale, John’s Use of the Old Testament in Revelation (Sheffield: Academic Press, 1998), p. 318-355.

12 David E. Aune, “The Apocalypse of John and the Problem of Genre”, Semeia 36 (1986), p. 89, 90.

13 Os termos descrevendo “guerra” ou “batalha” (polemon, polemos) aparecem nove vezes no Apocalipse (9:7; 9:9; 11:7; 12:7; 12:17; 13:7; 16:14; 19:19; 20:8).

14 Tõniste, The Ending of the Canon, p. 64, 65.

15 Victorine Poetovionensis, Explanatio in Apocalypsin uma cum Recensione Hieronymi, ed. Roger Gryson (Turnhout, Bélgica: Brepols, 2017).

16 Wayne R. Kempson, “Theology in the Revelation of John as a Possible Key to Its Structure and Interpretation” (tese de doutorado, Southern Baptist Theological Seminary, 1982).

17 Cf. Umberto Eco, The Open Work, trad. Anna Cangogni (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1989); e Peter Bondanella, Umberto Eco and the Open Text: Semiotics, Fiction, Popular Culture (Cambridge, MA: Cambridge University Press, 1997). Um texto “fechado” tem elementos fixos e estáveis dentro de um sistema conceitual, enquanto um texto “aberto” permite interpretações e reconfigurações.

18 Roman Mach, The Elusive Macrostructure of the Apocalypse of John: The Complex Literary Arrangement of an Open Text (Nova York: Peter Lang, 2015).

19 Alberto Tasso Barros, La Macroestructura Del Apocalipsis de Juan: Exposición Histórica y Análisis Comparativo (Lima: Ediciones Theologika, 2021).

20 Barros, La Macroestructura Del Apocalipsis de Juan, p. 200, 207.

21 Adela Yarbro Collins, The Combat Myth in the Book of Revelation (Missoula, MT: Scholars Press, 1976), p. 8.

22 Austin Farrer, A Rebirth of Images: The Making of St John’s Apocalypse (Albany, NY: State University of New York Press, 1986), p. 45-48. O livro foi publicado originalmente em 1949.

23 Collins, The Combat Myth in the Book of Revelation, p. 13-29.

24 Elisabeth Schüssler Fiorenza, The Book of Revelation: Justice and Judgment (Philadelphia: Fortress Press, 1985), p. 175, 176.

25 Nils Wilhelm Lund, Chiasmus in the New Testament: A Study in Formgeschichte (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1942), p. 324, 325.

26 Cf. John W. Welch, Chiasmus in Antiquity: Structures, Analyses, Exegesis (Hildesheim: Gerstenberg, 1981).

27 Cf. David A. deSilva, “X Marks the Spot? A Critique of the Use of Chiasmus in Macro-Structural Analyses of Revelation”, Journal for the Study of the New Testament 30 (2008), p. 343-371.

28 Kenneth A. Strand, “The Eight Basic Visions”, em Symposium on Revelation: Introductory and Exegetical Studies — Book 1, ed. Frank B. Holbrook, DARCOM 6 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 35-49; Kenneth A. Strand, “‘Victorious-Introduction’ Scenes”, em Symposium on Revelation: Introductory and Exegetical Studies — Book 1, ed. Frank B. Holbrook, DARCOM 6 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 51-72. Esses estudos foram também publicados no formato de artigos acadêmicos.

29 Richard M. Davidson, “Sanctuary Typology”, em Symposium on Revelation: Introductory and Exegetical Studies — Book 1, ed. Frank B. Holbrook, DARCOM 6 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p 112.

30 Jacques B. Doukhan, Secrets of Revelation: The Apocalypse Through Hebrew Eyes (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2002), p. 12-14. Cf. M. D. Goulder, “The Apocalypse as an Annual Cycle of Prophecies?”, New Testament Studies 27 (1981), p. 342-367.

31 Jon Paulien, “Seals and Trumpets: Some Currents Discussions”, em Symposium on Revelation: Introductory and Exegetical Studies — Book 1, ed. Frank B. Holbrook, DARCOM 6 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 187, 188.

32 Cf. C. Mervyn Maxwell, God CaresThe Message of Revelation for You and Your Family (Mountain View, CA: Pacific Press, 1985), p. xxx; Davidson, “Sanctuary Typology”, p. 99-130; Paulien, “Seals and Trumpets”, p. 183-198; Paulien, The Deep Things of God, p 112-133; Jon Paulien, “The Role of the Hebrew Cultus, Sanctuary, and Temple in the Plot and Structure of Revelation”, Andrews University Seminary Studies 33 (1995), p. 245-264; Ranko Stefanovic, “Finding Meaning in the Literary Pattern of Revelation”, Journal of the Adventist Theological Society 13 (2002), p. 27-43.

33 Norman R. Gulley, Systematic Theology: The Church and the Last Things (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2016), p. 24, 25.

34 Cf. Alan S. Bandy, “The Layers of the Apocalypse:
An Integrative Approach to Revelation’s Macrostructure”, Journal for the Study of the New Testament 31 (2009), p. 469-499; e Felise Tavo, “The Structure of the Apocalypse: Re-Examining a Perennial Problem”, Novum Testamentum 57 (2005), p. 47-68.