A pós-modernidade possui diversas características, que se transformam em desafios para o adventismo. Quero me concentrar em apenas três aspectos, tendo como ponto de partida as características apontadas por Roland Chia.1

O eclipse da verdade objetiva

Os pós-modernos buscam “desconstruir” o conceito de verdade absoluta. Embora existam diferentes abordagens para essa desconstrução, todas elas se baseiam na ideia de que não há relação entre verdade e realidade. Ou seja, a epistemologia pós-moderna rejeita a teoria da verdade por correspondência, que estabelece uma relação direta entre a verdade (aquilo que se afirma) e a realidade (aquilo que se observa).

No pós-modernismo, as verdades estão relacionadas a perspectivas e pontos de vista, sendo consideradas construções sociais. Como não há metanarrativa, a verdade se dissolve, sendo tão diversa quanto as próprias comunidades. O escritor e crítico social Os Guinness forneceu uma descrição sucinta dessa condição em seu livro Fit Bodies, Fat Minds: “Não há verdade, apenas verdades. Não há uma razão suprema, apenas razões. Não existe uma civilização privilegiada (nem cultura, crença, norma ou estilo), apenas uma multiplicidade de culturas, crenças, normas e estilos. Não existe justiça universal, apenas interesses e competição entre grupos de interesse”.2

Em outras palavras: “Você tem suas verdades, suas razões, suas crenças, e eu tenho as minhas. E devemos ser tolerantes um com o outro.” Com essa visão, o pós-modernismo não apenas abraça o pluralismo, mas também o celebra.

A atitude pós-moderna em relação à verdade objetiva tem, pelo menos, duas implicações importantes para o adventismo. A primeira diz respeito ao papel da doutrina e da teologia na fé cristã. Nos últimos vinte ou trinta anos, vários teólogos e membros da igreja têm criticado a falta de ênfase doutrinária. De fato, há um fenômeno alarmante de analfabetismo bíblico. Muitos adventistas são ignorantes quanto às Escrituras e às profecias, enquanto possuem “mestrado” em séries, “doutorado” em mídias sociais e “pós-doutorado” em música secular. São capazes de conversar por horas sobre entretenimento midiático, mas não conseguem explicar os elementos básicos da cosmovisão bíblica.

A segunda implicação está relacionada à maneira como a Bíblia é entendida e interpretada. Muitos já não veem a Bíblia como “fundamental” ou “autoritativa”, mas transformaram-na em um manual de autoajuda, do qual cada pessoa extrai apenas o que lhe interessa ou convém.

Para o pós-moderno, não existe uma interpretação correta da Bíblia, apenas um leitor interessado. Essa visão é influenciada por uma ideologia sedutora e perigosa: o desconstrucionismo, um movimento filosófico que ataca valores e crenças bíblicas em sua essência. Como afirma o teólogo e hermeneuta Kevin Vanhoozer, “a desconstrução é a desconfiança da metafísica”.3 Entre seus principais defensores estão Jacques Derrida, Richard Rorty e Friedrich Nietzsche. O que une esses pensadores é a ideia de que o significado, a verdade e o próprio mundo são construções humanas.4 Assim, eles pregam que “não existe uma única interpretação correta, nem um ‘significado real’ em um texto, apenas ‘maneiras de ler’ que são extensões dos valores e interesses de uma comunidade.”5

Portanto, quando nos deparamos com um adolescente, jovem ou adulto que, sorrindo, diz: “Pastor, o que o senhor diz é a sua maneira de pensar, mas eu penso diferente”, estamos diante de um desconstrucionista (mesmo que ele ou ela não saiba disso), alguém que vê a interpretação e compreensão da Bíblia como um mero jogo linguístico e de poder. Nos tempos pós-modernos, cada pessoa tem sua própria verdade. O tema é mais complexo do que imaginamos!

Destradicionalização das ideias e dos comportamentos

À medida que a modernidade avança para o que alguns filósofos chamam de modernidade tardia ou hipermodernidade, o processo de individualização gerado criou uma desconfiança crescente em relação às convenções e tradições sociais recebidas. Sob uma perspectiva sociológica, observa-se frequentemente que, à medida que as grandes narrativas se desintegram, as certezas, os valores e as normas herdados da tradição também são relativizados. Há uma espécie de “emancipação” dos laços e ideias que antes eram considerados inquestionáveis, o que resultou em uma situação em que a cada ser humano é dada a tarefa, estruturalmente subjetiva, de construir sua própria identidade. As pessoas abandonam as ideias tradicionalmente aceitas e buscam outras.

Costumes, valores e normas ainda continuam funcionando em certo sentido, mas agora se tornam apenas uma opção dentro de uma ampla gama de possibilidades das quais os indivíduos podem escolher livremente. Ou seja, os princípios bíblicos são apenas uma das opções, entre outras, nas quais também se incluem princípios sociológicos, antropológicos, psicológicos, entre outros.

Mas o mais importante é que, no contexto pós-moderno, todos esses costumes, valores e normas já não podem mais reivindicar ser a base exclusiva para determinar o estilo de vida das pessoas, pois cada indivíduo pode escolher entre uma ampla gama de opções aquilo que mais lhe interessa e agrada. Que desafio imenso!

Moralidade pluralista e relativa

O terceiro e último aspecto que tem um forte impacto sobre o adventismo diz respeito à atitude do pós-modernismo em relação à moralidade e à ética. Vivemos em um mundo de múltiplas moralidades. Nossa sociedade pluralista conduz ao relativismo moral, que é uma forma de subjetivismo e afirma que não existe um modelo moral universal e absoluto. Consequentemente, as verdades morais tornam-se meras preferências associadas a indivíduos e sociedades específicas.

O problema é que, quando as verdades morais são reduzidas a uma questão de gosto ou preferência, a pergunta deixa de ser “O que é bom?” e passa a ser “O que parece bom ou correto para o indivíduo ou para a comunidade?” ou “Quais ações são consideradas significativas para esse indivíduo ou comunidade em particular?”

Diante de tudo isso, o que fazer? Quero propor três reflexões.

1. A importância e a necessidade das doutrinas e crenças. Para enfrentar o eclipse da verdade objetiva, a destradicionalização das ideias e comportamentos e a moralidade pluralista e relativa, é fundamental ter uma vida alicerçada nas crenças bíblicas. A igreja apostólica nos dá o exemplo: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos…” (At 2:42). A palavra traduzida como “doutrina” é didaché, que se refere ao ensino.

Indiscutivelmente, a igreja bíblica é marcada pelo ensino. Nesse sentido, como pondera o teólogo John Wade, as igrejas de hoje precisam de um ensino sólido, pois a maioria das pessoas entra na igreja sem “uma compreensão clara de Deus e de Seus propósitos, conforme revelados no Antigo e no Novo Testamento. [Devemos] desejar que as igrejas de hoje deem tanta ênfase ao ensino quanto deram os apóstolos”.6 Uma igreja fiel não pode comercializar a Palavra.7

Nesse sentido, é necessária uma reflexão séria sobre a importância das doutrinas e crenças. Conforme expressa o livro Nisto Cremos: “Doutrinas definem o caráter do Deus a quem servimos. Elas interpretam eventos, tanto passados quanto presentes, enquanto estabelecem um sentido de lugar e propósito no cosmos. Elas descrevem os objetivos da ação divina. Doutrinas representam linhas de orientação para os cristãos, provendo estabilidade àquilo que de outra forma seria uma experiência desequilibrada, injetando segurança em uma sociedade que rejeita os absolutos. Doutrinas alimentam o intelecto humano e estabelecem alvos que inspiram e motivam os cristãos a buscar o interesse de outros.”8

Nossas crenças dizem quem somos e como devemos viver. Por isso, devemos incentivar toda a igreja e, especialmente, as novas gerações a conhecer muito bem nossas seis doutrinas e nossas 28 crenças fundamentais. Pois, se não as conhecemos, qual é o significado e a razão de ser adventista do sétimo dia? Nossos filhos não permanecerão em um lugar do qual nada conhecem e no qual não veem significado. Nossas doutrinas e crenças são nossas raízes; e sem raízes, uma árvore não existe. Além disso, se observarmos de perto cada uma das seis doutrinas que estruturam nossas 28 crenças, veremos que elas respondem a perguntas fundamentais sobre a existência humana.9 Devemos enfatizar isso nos materiais que preparamos para a igreja em todas as faixas etárias.

2. A importância do estudo da Palavra de Deus para o conhecimento da nossa fé.10 Enquanto o primeiro tópico coloca a responsabilidade sobre a liderança da instituição, o segundo enfatiza o papel de cada um de nós. É muito provável que você conheça alguém que se declarava adventista, mas que, de uma hora para outra, passou a viver de maneira contrária aos princípios bíblicos.

Não podemos generalizar, mas é possível que, em alguns desses casos, as pessoas tivessem uma compreensão equivocada do que é a fé cristã adventista e a aceitaram por medo, conveniência, modismo, pressão familiar ou tradição. E mais: muitas têm medo de questionar aquilo em que creem, pensando que isso significa duvidar de Deus e da Bíblia. No entanto, servir a Deus e crer Nele não é algo irracional. Amar a Deus não é um ato apenas espiritual, mas envolve “todo o seu coração”, “toda a sua alma”, “todas as suas forças” e “todo o seu entendimento” (Lc 10:27). É necessário conhecer e saber explicar a “razão da esperança que vocês têm”, conforme 1 Pedro 3:15.

Incentivemos a membresia a examinar as Escrituras. Encorajemos os adolescentes a conversar com seus pais, a dialogar com pessoas de confiança e a ler livros que esclareçam suas dúvidas sobre aquilo em que creem. Foi exatamente isso que fizeram os cristãos da cidade de Bereia quando Paulo chegou ali pregando sobre Jesus (At 17:11).

Incentivemos as novas gerações a não entregarem a mente a qualquer pessoa que expresse opiniões sobre qualquer assunto, mas a verificar se aquilo que estão ouvindo, lendo e assistindo é verdadeiro.

3. A importância de lutar pela unidade da igreja. O pensamento pós-moderno tem fomentado o congregacionalismo, um desafio sério no âmbito administrativo e eclesiástico. Se não há verdade objetiva, cada um pode organizar a igreja conforme sua própria vontade; se a boa tradição é descartada, a estrutura e o funcionamento da igreja não precisam seguir modelos anteriores; e, se o pluralismo e o relativismo prevalecem, a administração da igreja tende a ser conduzida segundo conveniências individuais.

Portanto, o congregacionalismo está diretamente relacionado a uma interpretação conveniente da verdade bíblica no que diz respeito à administração eclesiástica. Nesse sentido, ele se conecta ao pós-modernismo.

Diante disso, sugiro três atitudes:

• Demonstrar e reforçar o valor e a autoridade da igreja local e de cada membro (1Pe 2:9). Muitas vezes, as igrejas locais se sentem esquecidas, ignoradas e subvalorizadas porque, em alguns lugares, a liderança criou enormes distâncias. Além disso, por vezes, cultivamos um sentimento inadequado de superioridade, dando a impressão de que os irmãos existem para nos servir, quando, na realidade, somos nós que devemos servi-los. Se os membros da igreja local se sentirem valorizados e ouvidos, haverá muito mais confiança na liderança e muito menos propensão ao separatismo.

• Precisamos ter cuidado com as atitudes de pastores e membros que tendem a se comportar de maneira diferentemente do que está estabelecido na Palavra de Deus (1Tm 3:2). É cada vez mais comum que alguns adotem posturas que divergem das práticas convencionais e corretas. No entanto, ao tentarem pensar e viver “fora da caixa”, acabam criando suas próprias caixas e enfoques, ignorando os princípios bíblicos, os escritos de Ellen White e as diretrizes da igreja. Comportamentos considerados “fora do comum” são, frequentemente, precursores do separatismo e do congregacionalismo. Diante disso, a liderança da igreja local, das Associações e das Uniões não pode ser cúmplice nem tardar em agir. É necessário seguir os protocolos estabelecidos. Se um cantor, influenciador, pastor ou teólogo adota condutas que fogem dos princípios bíblicos, é fundamental abordá-lo, orientá-lo e guiá-lo com sabedoria e firmeza.

• Os problemas não podem ser resolvidos simplesmente mudando-os de lugar (Lc 17:3). Ao lidar com alguém que demonstra atitudes que podem levar ao separatismo, é essencial apontar os problemas com clareza e indicar as mudanças necessárias. No ministério, transferir um pastor ou obreiro sem antes dialogar abertamente com ele é como varrer um grande problema para debaixo do tapete e deixá-lo na sala. Não podemos ser irresponsáveis.

Conclusão

É possível ser relevante e significativo para os pós-modernos sem correr o risco de relativizar o evangelho completo, de descaracterizar o cristianismo bíblico e de “desadventizar” o adventismo?

O apóstolo Paulo enfrentou o desafio de transmitir os valores das Escrituras à sua sociedade secular. Seus dois discursos públicos — primeiro diante da multidão asiática em Listra (At 14) e depois perante os filósofos atenienses no Areópago (At 17) — são os únicos exemplos registrados no livro de Atos de pregação para uma audiência inteiramente pagã. Em ambos os casos, Paulo não distorceu o evangelho nem diluiu a mensagem. Pelo contrário, ele aplicou uma contextualização estratégica, buscando identificação com seu público sem comprometer a verdade bíblica. Seu objetivo não era modificar a revelação divina, mas comunicá-la de maneira compreensível, utilizando uma linguagem e uma abordagem que ressoassem com seus ouvintes.

Nossa missão e desafio continuam sendo apresentar o evangelho bíblico completo com sabedoria, respeito e amor, confiando no Espírito Santo e permitindo que Ele realize Sua obra de aplicação e transformação na vida dos pós-modernos.

Adolfo Suárez, reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia

Referências

Roland Chia, “Postmodernism and the Church”, disponível em <link.cpb.com.br/c6d855>, acesso em 20/3/2025.

Os Guiness, Fit Bodies, Fat Minds: Why Evangelicals Don’t Think and What to do About it (Londres: Hodder & Stoughton, 1994), p. 105.

Kevin J. Vanhoozer, Há um Significado Neste Texto? Interpretação Bíblica: Os Enfoques Contemporâneos (São Paulo: Vida, 2005), p. 94.

Vanhoozer, Há um Significado Neste Texto?, p. 92.

Vanhoozer, Há um Significado Neste Texto?, p. 91.

John W. Wade, Acts: Unlocking the Scriptures for you (Cincinnati, OH: Standard 1987), p. 30, 31.

Hernandes D. Lopes, Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja (São Paulo: Hagnos, 2012), p. 66, 67.

Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 9, 10.

Elias Brasil de Souza, “Revisemos Nuestras Creencias Fundamentales: Un Panorama de la Gran Historia Bíblica”, Diálogo 31 (2019), p. 9-13.

10 Richarde Guerra, Desconforme-se (São Paulo: Thomas Nelson Brasil, Edição do Kindle), p. 47-49.