Podemos englobar as diferentes abordagens da profecia bíblica apocalíptica em duas linhas básicas de interpretação: a histórica e a não-histórica.

A segunda abordagem priva a profecia de seu significado essencialmente histórico e atribui-lhe um caráter meramente ético ou moralista, cujo material, dependendo da forma de interpretação, é supostamente oferecido numa feição simbólica, alegórica, dramática, litúrgica ou mitológica.

O livro do Apocalipse, por exemplo, não seria mais que uma representação mística de lições espirituais e morais. Uma clara expressão dessa linha é o idealismo, segundo o qual os quadros apocalípticos não exibem visões literais de eventos a ocorrerem em qualquer época da História, mas apenas representações pictóricas ou figuradas dos princípios intemporais envolvidos no conflito entre o bem e o mal, com o propósito de orientar e fortalecer o povo de Deus diante das provas e dificuldades, com a certeza do triunfo final do bem.

O idealismo tem a seu favor o fato de aplicar a mensagem apocalíptica a todas as épocas e gerações. Mas se é verdade que, por um lado, as profecias possuem um sentido espiritual que transcende os eventos da História, é inegável que, por outro, possuem um sentido fundamentalmente histórico. O Apocalipse toca esse ponto já em sua abertura, quando se refere às “coisas que em breve devem acontecer” (1:1). O conteúdo profético lembra eventos históricos que ocorrem dentro da perspectiva da consumação final e da implantação definitiva do reino de Deus.

Linha histórica

Alinha histórica de interpretação é geralmente dividida em três grupos principais: preterismo, futurismo e historicismo.

Como o próprio termo indica, o preterismo afirma que o cumprimento profético ocorreu no passado, no tempo ou nas proximidades do tempo em que a profecia foi dada. Luiz de Alcazar, jesuíta espanhol dos séculos XVI e XVII, optou pelo preterismo numa tentativa de neutralizar a aplicação das profecias do anticristo e de Babilônia, feita pelos reformadores ao papa e à Igreja Católica. Surpreendentemente, Hugo de Grotius, protestante holandês da mesma época, seguiu os passos de Alcazar.

Um bom número de comentaristas com tendências ao liberalismo teológico esposa o preterismo, razão porque esse critério é conhecido também como sistema crítico. Segundo estes, o material profético refletiría unicamente as condições históricas do tempo e da região do escritor e seus destinatários. Não há propriamente uma antevisão do futuro por parte do profeta. Ele fala de fatos de seus próprios dias, arriscando, na melhor das hipóteses, alguns prognósticos quanto ao que ocorrería num futuro próximo, isso com base em sua crença em Deus e na observação da tendência geral do curso de eventos. O resul-tado é que o caráter sobrenatural da revelação profética é significativamente enfraquecido.

Para o preterista liberal, o livro de Daniel foi escrito no II século a.C. O autor, longe de ter recebido a intuição divina de fatos que iriam ocorrer, fez uma narrativa histórica revestida da roupagem profética. Essa prática é tecnicamente conhecida como vaticinium ex eventu, ou seja, a profecia escrita depois do acontecimento, ou oriunda deste. O ponto de destaque seria as atividades de Antíoco Epifânio, na Palestina, por volta de 165 a.C., quando tomou de assalto o templo dos judeus. Procurando encorajar seus compatriotas a resistirem ao domínio de Antíoco, o escritor conjecturou na última parte de seu li-vro (11:40-45) o que viria a ser o fim desse ímpio rei, não atinando, naturalmente, com o que de fato aconteceu. É curioso que Porfírio, um neo-platonista do III século a.D., e violento opositor do cristianismo, questionou a validade das profecias de Daniel com o argumento do vaticinium ex eventu, tal como fazem os teólogos liberais modernos. Porfírio foi, em realidade, o primeiro preterista de que se tem conhecimento.

Já o Apocalipse é interpretado com base no contexto histórico da parte final do I século a.D., determinado pela situação reinante no Império Romano em relação à Igreja Cristã desde os dias de Nero. Babilônia e as diferentes bestas são representações do Império e de certos elementos que o apóiam, enquanto que a mulher vestida do sol retrata a Igreja perseguida, mas vitoriosa em Cristo. Os juízos divinos representam as calamidades que o Império já sofrerá ou viria a sofrer, decorrentes de uma justa retribuição. Da mesma forma que o cristianismo havia triunfado sobre o judaísmo, triunfaria sobre o paganismo. A exemplo de Jerusalém, em 70 a.D., Roma também teria o seu dia de luto.

É válido lembrar que nem todos os atuais preteristas devem ser taxados de anti-sobre-naturalistas, a exemplo de Porfírio e dos críticos liberais. Existem intérpretes conservadores que adotam o preterismo e, contudo, admitem a dimensão divina das profecias apocalípticas.

Se podemos atribuir algum mérito ao preterismo, deveriamos situá-lo em sua tentativa de buscar oferecer uma resposta à questão exegética básica do último livro da Bíblia: que mensagem tinha o Apocalipse para os cristãos aos quais foi primeiramente dirigido? Mas deixa a desejar quando omite o elemento preditivo da profecia em seu contexto mais abrangente.

Futurismo

Assumindo uma posição oposta ao preterismo, o futurismo afirma que as profecias apocalípticas, em grande parte, aguardam pelo futuro para o seu cumprimento. Isso não significa, todavia, que o preterismo e o historicismo sejam totalmente descartados. O “rei do Norte” de Daniel 11, por exemplo, em seus avanços no tempo do fim, é aceito como tendo um cumprimento inicial e parcial com Antíoco Epifânio. Mas esse rei é um tipo ao anticristo, cuja manifestação na Terra ocorrerá pouco tempo antes da volta de Jesus, quando então a profecia encontrará o seu cumprimento mais completo e final. O mesmo é afirmado quanto ao chifre pequeno de Daniel 8. Por outro lado, o futurismo admite o cumprimento, na passagem dos séculos, de determinadas porções proféticas, como as divisões metálicas da estátua de Daniel 2, os animais de Daniel 7 e as cartas às sete igrejas do Apocalipse.

É importante lembrar que o futurismo aceita o VI século a.C. como época de produção do livro de Daniel. Mas é geralmente crido que a seqüência de cumprimento dos esquemas proféticos desse livro é quebrada no evento do Calvário, para então ser reassumida pouco tempo antes do início do Milênio. As 70 semanas da Daniel 9, por exemplo, têm a 70ª desmembrada das 69 anteriores, que terminam na cruz, e deslocada para o futuro, pois aponta para os sete anos que antecederão a manifestação gloriosa de Je-sus, período durante o qual o anticristo exercerá o seu domínio.

Quanto ao Apocalipse, é crido que os capítulos 4 a 19 se aplicam a esse tempo final da História. A ordem dada a João, “sobe para aqui” (4:1), é interpretada como significando o arrebatamento secreto da Igreja, a partir do qual os eventos finais tomarão lugar. O capítulo 20 tem a ver com o Milênio, que começa com a destruição do anticristo mediante a manifestação gloriosa de Jesus, enquanto os capítulos 21 e 22 descrevem o estado eterno dos salvos.

Os futuristas podem ser classificados em extremos e moderados, segundo a posição que assumem na interpretação das profecias. Os primeiros impõem um sistema literalístico de interpretação. São conhecidos como pré-tribulacionistas, isto é, admitem que a Igreja será arrebatada antes da grande tribulação, e dispensacionalistas, pois entendem que o trato de Deus com o homem, desde a criação, se divide em sete dispensações. A atual é a sexta, a dispensação da graça, a qual transcorre da cruz até o início do Milênio; a sétima virá em seguida, e é conhecida como a dispensação do reino, ou da plenitude dos tempos. As cinco primeiras seriam inocência, consciência, governo humano, promessa e lei. Essa divisão foi proposta por C. I. Scofield, um dos grandes expositores do dispensacionalismo neste século. Ele é o editor da chamada Bíblia Scofield. Outros dispensacionalistas, anteriores a Scofield, dividiram o tempo em dispensações de maneira diferente tanto em número como em terminologia.

Os futuristas extremos interpretam literalmente as profecias do Velho Testamento quanto à restauração final de Israel, dando-lhes um sentido não eclesiológico, mas ético, de cumprimento. O retorno dos judeus à Palestina desde o final da I Guerra, culminando com a implantação do Estado de Israel em 1948, bem como a retomada pelos judeus da parte jordaniana de Jerusalém na Guerra dos Seis Dias, em 1967, são vistos como importantes passos rumo ao cumprimento definitivo dessas profecias. Naturalmente, essa maneira de encarar as profecias do Velho Testamento condiciona os futuristas extremos na interpretação da profecia apocalíptica. Por exemplo, as doze tribos de Israel (7:4) são as doze tribos originais que formaram esse país. A medida do santuário de Deus (11:1) cumpre-se na futura reconstrução do templo pelos judeus. A cidade santa (v. 2) é Jerusalém na Palestina. As duas testemunhas (11:3) são Moisés e Elias, que retomarão ao mundo na época do predomínio do anticristo. Os 1.260 dias e os 42 meses (11:3 e 13:5) são períodos literais, e correspondem aos três anos e meio (a segunda metade da 70ª semana de Daniel 9), durante os quais o anticristo dominará, tendo o templo de Jerusalém como sede de governo.

Os futuristas moderados são mais cautelosos na interpretação profética. Não aceitam a teoria das dispensações nem são pré-tribulacionistas; o que significa que não acreditam no arrebatamento secreto da Igreja. Não são igualmente tão literalistas quanto os extremos. Para eles, as profecias do Velho Testamento, concernentes a Israel, se cumprem eclesiologicamente, conforme a mensagem do Novo Testamento. E. G. Ladd e Russel N. Chaplin, entre outros cujas obras circulam em nosso idioma, são futuristas moderados.

O futurismo dispensacionalista é caracterizado por algumas feições tais como o literalismo – forte tendência para a interpretação literal das profecias, na qual o princípio dia/ano é totalmente descartado; aplicação individualizada – o anticristo, por exemplo, é um indivíduo, não um sistema que exercerá domínio num futuro próximo, levando o mundo à grande tribulação; pré-milenismo – o Milênio ocorrerá depois da manifestação visível e gloriosa de Jesus Cristo. Ele reinará neste mundo durante mil anos. Essa manifestação visível ocorre algum tempo depois de Sua manifestação secreta, quando arrebatará a Igreja; exclusivismo – não há material profético que se cumpra no transcurso da dispensação cristã a partir do II século, salvo as cartas às sete igrejas; pré-tribulacionismo – a igreja será arrebatada secretamente antes dos eventos que assinalarão a consumação escatológica; sionismo – é esperado que os judeus se convertam aceitando a Jesus como o Messias. Isso efetivará a plena restauração deles como nação e povo de Deus. O culto judaico será também restaurado com a reconstrução do templo em Jerusalém. Estará de volta o sistema de sacrifícios do Velho Testamento, naturalmente adaptado às condições hodiernas.

Tanto o preterismo como o futurismo acabam desviando do papado as indicações de ser ele o anticristo da profecia. Não é por mero acaso que outros dois letrados jesuítas, o espanhol Francisco Ribera e o italiano Roberto Belarmino, na mesma época de Luiz de Alcazar, adotaram o futurismo, como for-ma de interpretação profética.

Historicismo

O historicismo é também conhecido como sistema protestante por ter sido adotado pelos reformadores. A esse respeito, diz L. E. Froom; “Ao estudarem as declarações proféticas de Daniel, Jesus, Paulo e João, os reformadores descobriram a estrita semelhança entre a apresentação da crassa apostasia retratada nesses pitorescos símbolos e a Igreja Romana retratada na História. Por isso apontaram o Papa e seu sistema como a apostasia, o homem do pecado, o anticristo, a perseguidora ponta pequena, a corrupta mulher de Babilônia.” (The Prophetic Faith of Our Fathers, vol. II, pág. 463).

O historicismo é sem dúvida o mais histórico da linha histórica de interpretação profética. Ingredientes dele estão presentes já nas interpretações do Apocalipse feitas por Justino Mártir, Irineu e Hipólito, em que pese o fato de que até o século XI a maior parte dos comentários contenha um sabor predominantemente alegórico ou espiritual.

A partir do século XII, porém, pode ser notada uma tendência cada vez mais acentuada para uma interpretação historicista das profecias apocalípticas. Anselmo de Havolberg, Rupert de Deutz e Joaquim de Flore, todos daquele século, podem ser considerados os precursores do historicismo como o sistema de interpretação profética adotado pelos reformadores.

Particularmente, Joaquim de Flore deve ser citado como o representante máximo do historicismo na Idade Média. Segundo ele, deveria ser observada uma divisão cronológica no livro de Apocalipse, correspondendo os sete selos a uma divisão sétupla da Era Cristã, que culminará com a consumação escatológica. Ele foi o primeiro a aplicar o princípio dia/ano aos 1.260 dias de Daniel e Apocalipse. O mundo de seus dias, dizia, es-tava vivendo esse período, e Roma era a sede do anticristo.

Os Valdenses, surgidos também no século XII, possivelmente foram motivados pelo ensino de Joaquim de Flore ao aplicarem à Igreja romana os termos de anticristo, homem do pecado e filho da perdição. É inegável sua influência sobre os ensinos de João Wicleff, João Huss e Nicolau de Cusa (séculos XIV e XV), e daí sobre os reformadores seqüentes, entre eles Martinho Lutero, Phillip Melanchton, João Calvino e William Tyndale, todos do século XVI.

Ainda nesse século, entre outros historicistas, podemos citar Johann Funck, Heinrich Bullinger, George Joye e Jacobo Brocado. Avançando para os séculos XVII e XVIII, encontramos David Pareus, Thomas Brightman, José Mede, Sir Isaac Newton, John Tllinghast, Andreas Helvig, Drue Cres-sener, Heinrich Horche, Rabi Ben Ezra (pseudônimo de Manuel Lacunza, jesuíta chileno), Johann Albrecht Bengel e Johann Phillip Petri. Finalmente, nos séculos XIX e XX, destacaram-se J. A. Brown, Guilherme Miller, Uriah Smith, L. R. Conradi, E. A. Spicer, E. G. White, L. E. Froom, E. Thiele, mais outros expoentes do historicismo na Igreja Adventista do Sétimo Dia, a qual, entretanto, não detém a exclusividade desse sistema. H. Alford, E. Hengstenberg, E. B. Elliot e A. J. Gordon estão entre os eruditos não-adventistas mais citados, que esposam o historicismo. Mas é inquestionável que, em matéria de interpretação profética, os adventistas, como Igreja, são os legítimos herdeiros da Reforma Protestante.

O historicismo, porém, não é o mais histórico da linha histórica de interpretação, apenas por ser o mais tradicional. É a forma como a profecia é encarada, antes de tudo, que assim o classifica. O historicismo estabelece que a profecia prevê determinados eventos que ocorrem no transcurso da História, desde o tempo em que o material profético é veiculado até a consumação final. As-sim, em seu amplo escopo, ele abarca os postulados do preterismo e do futurismo, e supre a deficiência básica desses sistemas. Não é justo supor que Deus, no cumprimento de Seu propósito de salvação, atue apenas no longínquo passado, ou no próximo futuro. A ação divina se verifica no todo da História humana, e é disso que fundamentalmente tratam as profecias.

Mesmo que os intérpretes historicistas nem sempre se harmonizem em seus pontos de vista, permanece o fato de que os que adotam esse sistema são motivados pela consciência de que Deus está por trás dos fatos, conduzindo cada coisa para o clímax final. Mais que isso, Ele não nos deixou alheios a essa realidade (Amós 3:7).

É igualmente irrelevante que o intérprete nem sempre possa determinar com exatidão como profecias não cumpridas virão a se cumprir, pois não é o objetivo básico da profecia o mero devendar do futuro. Primeiro que tudo, ela visa a incrementação da fé (João 13:19; 14:29). A fé é fortalecida quando eventos são tomados como cumprimentos proféticos. E isso não pode ser relegado somente para o futuro, como obviamente não pode ter sido um privilégio exclusivo dos primitivos cristãos.

Deve-se lembrar que o intérprete não é um profeta no estrito senso de alguém que prevê o futuro, mas um aprendiz. A com-preensão e interpretação da profecia se desenvolvem e aperfeiçoam com a passagem do tempo. Talvez Lutero tinha isso em mente quando declarou: “As profecias só podem ser entendidas perfeitamente depois de se cumprirem.” Certamente o grande reformador não percebeu que nestes termos ele definia uma das premissas básicas do historicismo: o conceito da verdade se amplia conforme os séculos se escoam e eventos, há muito profetizados, alcançam um legítimo cumprimento. Ou como Desmond Ford declarou, “o definitivo e detalhado entendimento de profecias específicas segue, não procede, o cumprimento.” (Daniel, pág. 68).

A essa altura, cremos ser interessante enumerar algumas conclusões de historicistas anteriores ao movimento adventista de 1844:

Joaquim de Flore (1130-1202) – o princípio dia/ano deve ser aplicado aos 1.260 dias. Ele foi o primeiro a fazer tal aplicação.

Nicolau de Cusa (1401-1464) – o princípio dia/ano deve ser aplicado às 2.300 tardes e manhãs.

Martinho Lutero (1483-1546) – o princípio dia/ano deve ser aplicado às 70 semanas.

Phillip Melanchton (1497-1560) – as 70 semanas são 490 anos.

Johan Funck (1518-1575) – o primeiro a estabelecer a data de 457 a.C. para o início das 70 semanas.

George Joye (m. 1553) – “a ciência se multiplicará” (Dan. 12:4) refere-se ao aumento do conhecimento acerca das profecias de Daniel.

Jacobo Brocado (séc. XVI) – os 1.260 anos da tirania papal vão de 313 a 1573 a.D.

David Pareus (1586-1638) – o Milênio é delimitado pelas duas ressurreições.

John Tillinghast (1604-1655) – as 70 semanas fazem parte das 2.300 tardes e manhãs.

Drue Cressener (1638-1718) – os 1.260 dias são 1.260 anos que começam no tempo de Justiniano e terminam por volta de 1800.

Andreas Helwig (1572-1643) – o número 666 refere-se ao cálculo de títulos papais, entre eles Vicarius Filii Dei.

Heinrich Horche (1652-1729) – as 70 semanas vão até três anos e meio depois da morte de Jesus.

Johann Phillip Petri (1718-1792) – ambas as 70 semanas e as 2.300 e manhãs começam em 453 a.C.; o 2- período termina em 1847. Em 1798 terminam os 1260 anos de supremacia papal.

J. A. Brown (Londres, 1810) – as 2300 tardes e manhãs começam em 457 a.C. e terminam em 1844 a.D.

Modalidades de historicismo

Dependendo da maneira como é suposto que o material profético prediz os eventos da História, o intérprete irá valer-se de uma, ou mais de uma, das diferentes modalidades de historicismo. Estas podem ser assim referidas:

Seqüência linear. Futuros eventos são descritos um após o outro, até o fim dos tempos. Há uma ordem cronológica para a maior parte dos eventos previstos na profecia. Essa posição foi adotada por Lutero e mais recentemente por Hengstenberg (1852).

Essa modalidade pode ainda aparecer na feição desdobrativa, adotada por Robert Hauser (The Sanctuary in the Book of Revelation, 1983). Para esse autor, os sete selos, por exemplo, devem ser vistos como um desdobramento da sétima igreja, Laodicéia. “Os sete selos devem ser tratados como eventos escatológicos ou dos últimos dias, tendo a ver com o juízo investigativo.” (pág. 36). Assim, o segundo bloco de material no Apocalipse aponta para eventos que se cumprem a partir do tempo em que também se cumprem os eventos preditos na parte final do primeiro bloco, nesse caso 1844. Pode ser observada uma seqüência cronológica aqui.

Com base nesse raciocínio, teríamos o seguinte: os sete selos desdobram a sétima igreja, as sete trombetas desdobram o sexto e o sétimo selos, e as sete pragas desdobram a sétima trombeta. O conteúdo de Apocalipse 12 a 14 seria uma exposição de como ocorre o cumprimento do “mistério de Deus” como fato da sétima trombeta (10:7).

Recapitulação. A profecia apocalíptica descreve os mesmos eventos várias vezes, de diferentes perspectivas. Várias séries de visões são, cada uma, diferentes quadros do mesmo conjunto de eventos. O princípio aqui envolvido é o de mais de uma profecia para um mesmo evento histórico.

Essa é a mais antiga modalidade de historicismo conhecida, tendo sido adotada já por Vitorino de Pettau, em 304 a.D., e por Ticônio um pouco mais tarde, os quais, embora interpretassem o Apocalipse de um ponto de vista mais espiritual, observaram que determinadas porções do livro tocavam determinados acontecimentos que eram reexpostos em outra porção. Exemplo: tanto as trombetas como as taças predizem as punições escatológicas que sobrevirão aos impenitentes.

Os adventistas do sétimo dia se valem princípalmente dessa modalidade, ao interpretarem Daniel e Apocalipse.

Reocorrência. Também identificada como apotelesmática, supõe o cumprimento múltiplo de uma profecia, envolvendo aqui o princípio de mais de um evento histórico na mesma profecia. No seio do adventismo, Desmond Ford deve ser considerado um recente preconizador dessa modalidade. Ele entende que a apotelesmática seria uma solução, pelo menos parcial, ao impasse criado pelos diferentes sistemas de interpretação, em razão dos pontos fracos de cada um deles. “Se o princípio apotelesmático fosse mais amplamente entendido, algumas diferenças entre os sistemas estariam automaticamente resolvidas”, diz ele, em Daniel, pág. 69.

É inegável que pelo menos algumas porções proféticas deveriam ser interpretadas do ponto de vista da apotelesmática. O chifre pequeno de Daniel 8, por exemplo, e o “homem vil” de 11:21 exigem, a nosso ver, um cumprimento no mínimo dual. O discurso escatológico de Jesus, registrado nos Evangelhos sinóticos, pode igualmente conter algumas predições que requerem um duplo, ou mesmo triplo cumprimento.

O perigo da apotelesmática jaz no simples fato de que ela pode ser exagerada. Quando isso acontece, o intérprete pode descambar para a fantasia. MacCready Price reconhece o valor do princípio apotelesmático, mas lembra que “devemos ter em mente que é o significado final que é o verdadeiro significado, acima de tudo, quando a profecia é cumprida numa escala mais completa, e com a mais completa e detalhada precisão”. (The Greatest of the Prophets, pág. 31) .

Filosofia da História. É mais ou menos decorrente da modalidade anterior, todavia muito mais abarcante que ela. É estabelecida na premissa de que “a História se repete”. Mais que repetidos cumprimentos históricos, essa modalidade propõe contínuas aplicações que vão além de qualquer tempo específico na História. A profecia tem uma mensagem de caráter universal, aplicável a cada época e cada geração em seu contexto específico. Com isso, a filosofia da História se aproxima do idealismo sem se confundir com ele, pois não é de caráter intemporal.

O Dr. Kenneth A. Strand, erudito adventista e uma das grandes autoridades atuais no campo da profecia apocalíptica, analisa essa modalidade no capítulo três de sua obra Perspectives in the Book of Revelation. Ele sugere como passíveis de uma abordagem com base na filosofia da História, entre outros, os seguintes quadros proféticos: o levantamento e queda de impérios, segundo o livro de Daniel (com base na afirmação de que Deus “remove reis e estabelece reis”, de 2:21), o aparecimento de falsos cristos e falsos profetas, segundo o discurso escatológico de Jesus, e certos padrões repetitivos do livro de Apocalipse, tais como as sete trombetas e as sete pragas, e determinadas terminologias como Babilônia, Sodoma e Egito, “que transportam a mente do leitor para eventos, tanto num distante passado, como num tempo bem mais recente” (pág. 30). O material das cartas às sete igrejas deve também ser aplicado dentro dessa modalidade.

Conclusão

Como historicistas na interpretação profética, que modalidade de historicismo devem os adventistas do sétimo dia adotar, ao interpretarem as profecias?

Tradicionalmente temos seguido uma linha recapitulista de interpretação e isso é válido para certas porções proféticas cujo maior exemplo é, sem dúvida, o livro de Daniel. Outras porções, entretanto, podem requerer diferentes formas de abordagem para que o sentido profético seja captado numa amplitude maior. É possível que o Apocalipse se enquadre nesse critério. Certamente os reformadores eram passíveis de equívoco, pois não possuíam a última palavra em ter-mos de fórmula interpretativa. A prudência recomenda-nos a evitar o radicalismo, ou o dogmatismo, e optar pela fexibilidade.

Afirmar que esta ou aquela modalidade é a correta, a adequada, com exclusão das demais, parece-nos um tanto pretencioso. Continuemos com o recapitulacionismo, mas não fechemos a porta para outras possibilidades. Avaliemos os prós e os contras de cada modalidade. Todas têm seus méritos e deméritos, e deveriamos saber como aproveitar os pontos positivos de cada uma, aplicando-os onde podem e precisam ser aplicados.

Para tanto, faz-se necessário, como primeira condição, a posse de uma consciência sensível ao toque e à direção daquele Espírito que inspirou os profetas para a recepção e comunicação do material profético. Só Ele pode nos levar a atinar com o correto sentido daquilo que foi revelado, e com o correto caminho para chegarmos até Ele.