O que Ellen White quis dizer quando declarou que a Associação Geral já não era a voz de Deus na Terra?

Periodicamente, em toda a nossa história, indivíduos se têm levantado, alegando que a Igreja Adventista do Sétimo Dia apostatou. Tirando do seu contexto declarações do Espírito de Profecia, eles apresentam “evidência” de que a igreja se tornou Babilônia; e de que a voz de Deus já não pode ser ouvida nas decisões da Associação Geral.

Visto que estas acusações são repetidas hoje, parece apropriado recapitular os acontecimentos históricos que levaram aos primeiros clamores: “Babilônia — sai dela povo Meu!”

Depois de 1844, aquela pequena organização que existia nas igrejas adventistas era, por natureza, congregacional. Cada igreja e grupo que emergia, era uma lei para si mesmo. A crença no Segundo Advento, no sábado, na obra sumo-sacerdotal de Jesus no santuário celestial e no Espírito de Profecia conservava juntas essas entidades sagradas em razoável união. Todavia, a fim de desempenharem sua missão mundial, os crentes do Advento necessitavam de melhor organização.

No início dos anos 1850, Deus tornou conhecida Sua vontade com respeito à organização do movimento que se desenvolvia. Quando, porém, Tiago e Ellen White falaram dos méritos da organização e apelaram aos irmãos nesse sentido, expressaram-se receios de que, se os crentes do Advento tomassem parte na organização formal da igreja, eles se tornassem parte de Babilônia. Ellen White mostrou em 1861 que, mesmo sem uma organização formal, esses temores já se haviam manifestado. Em “3 de agosto de 1861, foi-me mostrado que alguns têm receado que nossas igrejas se tornem Babilônia, caso se organizem; aqueles, porém, que estão no centro de Nova Iorque já se tornaram autêntica Babilônia, confusão.”1 Ela advertiu: “…A menos que as igrejas sejam tão organizadas que possam cumprir e dar ordem, nada têm por que esperar no futuro; transformar-se-ão em fragmentos.”2

Em 1901, ao olhar retrospectivamente para aqueles primeiros anos, Ellen White escreveu: “Enquanto nossos membros aumentavam em número, tornava-se evidente que sem alguma forma de organização haveria grande confusão e a Obra não seria levada avante com sucesso. Para prover o sustento do ministério, levar a obra a novos campos, proteger tanto as igrejas como o ministério, de membros indignos, assegurar as propriedades da igreja, a publicação da verdade pela imprensa e muitos outros assuntos, era indispensável a organização.”3

A voz de Deus

Após a organização da Associação Geral em 1863, Ellen White falou da autoridade da igreja como sendo a voz de Deus. Em 1875 ela escreveu a um irmão que se orgulhava de sua independência: “Deus investiu Sua igreja de autoridade e poder especiais, aos quais ninguém pode ser justificado ao desatender e desprezar, pois, em assim fazendo, despreza a voz de Deus.”4

Ao escrever.de novo ao mesmo homem, disse ela: “Foi-me mostrado que nenhum julgamento humano deve submeter-se ao julgamento de um só homem. Quando, porém, o julgamento da Associação Geral, que é a mais alta autoridade que Deus tem na Terra, é exercido, a independência pessoal e o julgamento particular não devem ser mantidos, mas submetidos. Vosso erro foi manterdes persistentemente vosso julgamento pessoal do dever contra a voz da mais alta autoridade que o Senhor tem na Terra.”5

Depois da sessão da Associação Geral de 1888, houve uma mudança decisiva na atitude de Ellen White para com a voz da Associação Geral. Entender a dinâmica do que aconteceu durante a década de 1890 e as circunstâncias sob as quais Ellen White escreveu, podem eliminar a confusão que hoje existe.

Abuso de poder

Na Associação Geral de 1888, na qual A. T. Jones e E. J. Waggoner apresentaram suas mensagens sobre justificação pela fé, O. A. Olsen foi eleito presidente. É bem conhecida a oposição àquelas mensagens por parte de certos indivíduos-chave. Olsen escolheu dois homens dentre aqueles que não simpatizavam com aquelas mensagens e fez deles seus principais conselheiros — A. R. Henry e Harmon Lindsay. Por causa de suas várias responsabilidades na Associação Geral e nos escritórios da Review, e em virtude de sua forte personalidade, eram capazes de fazer com que as várias mesas e comissões oscilassem, aceitando sua linha de pensamento.

Reiteradas vezes Ellen White escreveu a Olsen, advertindo-o contra o conselho daqueles homens. Eles não só estavam levando Olsen para o seu lado, mas influenciando outros a tomarem decisões erradas. Os seguintes problemas foram isolados por Ellen White durante a posse de Olsen: 1) decisões votadas por mesas não foram deliberadamente executadas pelos que tinham a responsabilidade de sua implementação (MS.33, 1891); 2) Olsen tratava Henry e Lindsay como representantes e os enviava por todo o campo para dar conselho, representantes ‘‘a quem as pessoas deveriam ouvir e mostrar respeito como a voz de Deus na conferência” (LT. 2, 1894; 3) esses homens exerceram sua autoridade com “régio poder” (MS. 43, 1901); 4) enquanto ligados à Review, aqueles homens lidaram com os que deviam receber direitos autorais, de maneira não cristã (LT. 7,1896); 5) recusaram-se a ser modelados pelo Espírito Santo e deixaram de obedecer à palavra de Deus (LT. 4, 1896); 6) as decisões para toda a obra eram tomadas por um punhado de pessoas que estavam sob a influência daqueles homens (MS. 33, 1891).

Embora em 1897 Ellen White considerasse a Associação Geral e as decisões por ela tomadas como ‘‘a voz da mais alta autoridade que o Senhor tem na Terra”, menos de vinte anos depois sua atitude era muito diferente.

Após 1901

Quando a Igreja se reuniu para a sessão da Associação de 1901, Ellen White ressaltou a urgência de reorganização: “Que aqueles homens ocupassem um lugar sagrado, fossem como a voz de Deus para o povo, como acreditávamos fosse outrora a Associação Geral — isto está no passado. O que desejamos agora é uma reorganização. Queremos começar pela base e construir sobre princípios diferentes.”9

Nessa reorganização via ela a perspectiva de quebrantar o poder dos que ela considerava despenseiros infiéis. Suas esperanças se concretizaram. A Comissão da Associação Geral foi aumentada para incluir representantes do campo mundial. O Pastor A. G. Daniells foi eleito presidente. As entidades independentes foram colocadas sob a liderança da Associação Geral e foram criados departamentos para dirigir o trabalho dessas entidades, entre as quais a obra médica. Criaram-se associações-uniões e as decisões diárias do funcionamento da obra mundial foram atribuídas ao campo local e às associações-uniões.

Ao olhar de maneira retrospectiva para aquela sessão histórica, escreveu Ellen White: “Toda vez que penso naquela reunião, apodera-se de mim uma doce lembrança e transmite a minha alma um forte sentimento de gratidão.”10

Todavia, alguns meses mais tarde Deus lhe revelou que era Sua intenção fazer muito mais na sessão da Associação Geral de 1901. A percepção de que o povo de Deus não alcançara plenamente o que Deus desejava, trouxe-lhe pesar ao coração. Ela descreve o que Deus lhe revelara e a agonia do desapontamento que sentiu, em “What Might Heve Been” (O Que Poderia Ter Sido).11

Seja como for, as falhas organizacionais que permitiram a certos homens agirem de tal maneira que levou Ellen White a dizer que já não podia considerar as decisões da Associação Geral como a voz de Deus, foram corrigidas.

Edson, filho de Ellen White, magoado por alguns tratamentos injustos que havia sofrido da parte da Review antes de 1901, buscava compensação. Sua mãe escreveu-lhe: “Estou muito oprimida novamente ao vê-lo selecionar palavras de escritos que lhe tenho enviado, e usá-las para forçar decisões que os irmãos não vêem com clareza.

“Sua conduta teria sido a conduta a ser seguida, não se houvesse feito nenhuma mudança na Associação Geral. Foi, porém, feita uma mudança, e muitas outras serão feitas, e serão notados grandes avanços.

“Aflige-me pensar que você está usando palavras que escrevi antes da Conferência. Desde a Conferência, grandes mudanças foram efetuadas.

“Seguiu-se no passado um procedimento terrivelmente injusto. Revelou-se falta de princípio. Mas com dó do Seu povo, Deus efetuou mudanças.

“O procedimento que poderia ter sido necessário antes da Conferência, já não o é mais; pois o Senhor mesmo Se interpôs para colocar as coisas em ordem. Ele concedeu Seu Espírito Santo. Estou confiante em que Ele porá em ordem os assuntos que parecem estar saindo errados.’’12

Desde 1901 até o fim, Ellen White falou de maneira positiva com respeito ao futuro da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Em 1905, escreveu ela: “Não podemos desviar-nos agora do fundamento estabelecido por Deus. Não podemos agora entrar em nenhuma nova organização; pois isto significaria, apostasia da verdade.”13

Em 1908: “Sou instruída a dizer aos adventistas do sétimo dia em todo o mundo: Deus chamou-nos como um povo para sermos-Lhe particular tesouro. Ele designou que Sua igreja na Terra esteja perfeitamente unida no Espírito e conselho do Senhor dos exércitos até ao fim do tempo.”14

Em 1909 ela escreveu novamente sobre a autoridade da Associação Geral quando em sessão: “Às vezes, quando um pequeno grupo de homens encarregado da administração geral da obra tem, em nome da Associação Geral, procurado levar avante planos insensatos e restringir a obra de Deus, tenho dito que já não podia considerar a voz da Associação Geral, representada por esses poucos homens, como a voz de Deus. Isto, porém, não quer dizer que as decisões de uma Associação Geral composta de homens de todas as partes do campo, devidamente indicados, não deva ser respeitada. Deus ordenou que os representantes de Sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos em uma Conferência Geral, tenham autoridade. O erro que alguns estão em perigo de cometer está em confiar à mente e ao julgamento de um homem, ou de um pequeno grupo de homens, a medida completa da autoridade e influência de que Deus investiu no julgamento e voz da Associação Geral reunida para fazer planos em favor da prosperidade e avanço da obra de Deus.”15

Pouco antes da morte de Ellen White, W. C. White disse: “Durante nossa conversação, falei com ela (Lida Scott) de como mamãe considerava a experiência da igreja remanescente, e de seu ensinamento positivo de que Deus não permitiria que esta denominação apostatasse de tal maneira que fosse preciso surgir outra igreja.”17

Três pontos emergem de nosso estudo: 1) Quando dois ou três homens dominaram o processo de tomar decisões da Associação Geral nos anos 1890, Ellen White não pôde considerar a voz da Associação Geral como a voz de Deus. 2) Precisamente nessa época (na década de 1890) ela defendeu a igreja contra aqueles que queriam destruí-la chamando-a de Babilônia e apelando para que o povo de Deus dela saísse. 3) Deus não permitirá que a igreja adventista do sétimo dia apostate a tal ponto “que haja necessidade de surgir outra igreja”. Ao invés disso, a igreja irá até o fim.

Bibliografia

1. Ellen G. White, Testimonies for the Church, vol. 1 (Mountain View, Califórnia: Pacific Press Publishing Association, 1948), pág. 270.

2. Ibid.

3. Testemunhos Para Ministros, pág. 26.

4. Testimonies for the Church, vol. 3, pág. 417.

5. Ibid.

6. Manuscrito 33, 1891.

7. Ibid.

8. Manuscrito 21, 1893.

9. General Conference Bulletin, 3 de abril de 1901.

10. Review and Herald, 26 de novembro de 1901.

11. Testimonies for the Church, vol. 8, págs. 104-106.

12. Manuscript Release 174, também em A. V. Olsen, Through Crisis to Victory, págs. 194 e 195.

13. Mensagens Escolhidas, Livro 2, pág. 390.

14. Idem, pág. 397.

15. Testimonies for the Church, vol. 9, págs. 260 e 261.

16. Life Sketches, págs. 437 e 438.

17. Arthur L. White, Ellen G. White, The Later Elmshaven Years.

GEORGE E. RICE — Secretário-Associado dos bens de E. G. White