Evidências arqueológicas indicam a veracidade de Gênesis 1 a 11

Randall W. Younker

Alguns dos capítulos mais controversos da Bíblia são Gênesis 1 a 11. Muitos cientistas argumentam que tudo no Universo, incluindo o planeta Terra e a vida nele, surgiu por meios naturais, sem nenhuma intervenção divina. Contudo, os primeiros 11 capítulos da Bíblia afirmam que Deus, pelo poder de Sua palavra falada, criou tudo: o Sol, a Lua, as estrelas, o planeta e toda a vida que há nele.

O principal desafio à alegação de Gênesis vem como resultado do estudo científico da natureza, chamada pelos cristãos de “segundo livro de Deus”. Ao estudar Geologia e Paleontologia, cientistas modernos observaram fenômenos nas camadas da crosta terrestre que julgaram exigir milhões de anos para se formar. Além disso, notaram uma sequência de fósseis na coluna geológica que, para eles, sugere um processo de evolução de formas de vida simples para formas mais complexas e modernas. Finalmente, ao estudarem certos elementos radioativos nos estratos geológicos, os cientistas viram que as rochas mais baixas parecem ser muito antigas, algumas centenas de milhões de anos, e que as camadas superiores aparentemente demonstram menos idade.

Com base nestas observações – as camadas da crosta terrestre, a sequência dos fósseis e a datação radiométrica – os cientistas concluíram que a Terra levou milhões de anos para se formar. Essa conclusão amplamente aceita contradiz o entendimento comum do relato bíblico das origens: Deus criou a vida no mundo pelo poder de Sua palavra em seis dias literais, alguns milhares de anos atrás.

Influência da ciência moderna

Desde os anos 1800, muitos estudiosos da Bíblia têm sido fortemente influenciados pelas descobertas da ciência nas áreas de Geologia e Paleontologia, bem como pela filosofia naturalista. Eles concluíram que a Bíblia também deveria ser vista através de uma lente naturalista. Assim, desconsiderando a própria descrição das Escrituras sobre o processo de revelação/inspiração, eles não estudam a Bíblia como um livro de origem divina, mas consideram-na uma obra puramente humana. Consequentemente, as Escrituras são reputadas como não confiáveis, uma vez que seres humanos são suscetíveis a erros.

Desse modo, para esses estudiosos, o fato de a Bíblia ter sido composta na antiguidade, antes do advento da ciência moderna, torna ainda mais provável que a descrição bíblica das origens seja errônea. Como reflexo dessa visão, os acadêmicos crítico-históricos propuseram um processo alternativo pelo qual a Bíblia veio a existir. Esse processo nega a origem sobrenatural das Escrituras, considerando que o texto é resultado de uma composição comum.

No caso de Gênesis, os estudiosos sugerem que o livro não foi escrito antes de 1450 a.C., por Moisés, um autor inspirado por Deus. Em vez disso, Gênesis foi escrito e editado por vários autores não identificados (muitas vezes referidos como J, E e P) e “redatores”, durante o período entre 1100 e 450 a.C. Os pesquisadores crítico-históricos oferecem várias linhas de evidência para suas reconstruções do Gênesis. Eles apontam para ocorrências no texto, como repetições do mesmo evento com terminologias ou fatos diferentes, aparentes contradições e anacronismos, na tentativa de mostrar a maneira complexa e diacrônica em que o livro foi composto. A identificação desses supostos problemas os levou a sugerir, por exemplo, que Gênesis 1 e 2 apresentam relatos contraditórios da criação, escritos em momentos diferentes e com propósitos distintos.

A rejeição a manifestações sobrenaturais também levou esses críticos a contestar qualquer alegação de milagre nas Escrituras, como a ideia de que Deus poderia criar a Terra e as diferentes formas de vida por meio de Sua palavra, durante um período de apenas seis dias. Eles preferem aceitar as conclusões defendidas pela ciência contemporânea, de que todas as coisas no planeta surgiram por meio de processos evolutivos naturais que duraram milhões de anos. Além disso, rejeitam a ideia de que toda a superfície da Terra, como a conhecemos, foi destruída por uma inundação iniciada por Deus. Para eles, não ocorreu nenhuma inundação global. E se houve alguma inundação, foi apenas local.

Os autores crítico-históricos também argumentam que o relato da criação em Gênesis está repleto de “ideias ingênuas” que, segundo eles, não podem ser historicamente verdadeiras ou cientificamente razoáveis. Por exemplo, eles afirmam que os hebreus possuíam uma cosmologia simplória. Reunindo diferentes textos bíblicos, e fazendo algumas suposições sobre o que os povos vizinhos do Oriente Médio pensavam, esses pesquisadores formularam o que eles pensam que os hebreus teriam acreditado sobre a natureza do Universo. Nessa formulação, os hebreus veriam os céus como uma tigela de metal oca, de cabeça para baixo, sobre uma terra plana, com o Sol, a Lua e as estrelas fixadas em um ponto mais baixo da cúpula, onde os humanos podiam vê-los à noite. A cúpula também foi pensada para ter comportas, permitindo o fluxo ocasional de água (chuva) das águas acima dos céus. Os críticos supõem que os antigos hebreus acreditavam em grandes mares subterrâneos e num inferno literal.

Impacto sobre o pensamento cristão

Os conceitos científicos modernos também causaram um impacto significativo em certas escolas evangélicas de interpretação do Gênesis. O dilema para esses pesquisadores é manter uma visão elevada das Escrituras (contra o pensamento crítico-histórico), reconhecendo as conclusões da ciência. A abordagem que adotaram foi “desliteralizar” os primeiros capítulos do Gênesis. Para eles, os dias da criação não são literais, e o dilúvio foi apenas local, se é que aconteceu. Isso lhes permite evitar que coloquem a veracidade da Bíblia contra o entendimento científico.

Essa abordagem interpretativa evangélica não literal do Gênesis tem sido duramente criticada por pesquisadores crítico-históricos. Por exemplo, James Barr (que rejeitava a literalidade do relato bíblico da criação, mas achava que o escritor de Gênesis o aceitava), escreveu: “Tanto quanto sei, não há professor de hebraico ou de Antigo Testamento em nenhuma universidade de renome mundial que não acredite que o(s) escritor(es) de Gênesis 1 a 11 pretenda(m) transmitir a seus leitores as ideias de que: (1) a criação ocorreu em uma série de seis dias de 24 horas que agora experimentamos; (2) as pessoas apresentadas nas genealogias de Gênesis forneceram, pelo simples acréscimo, uma cronologia desde o início do mundo até os últimos estágios da história bíblica; e (3) o dilúvio de Noé foi mundial e extinguiu toda a vida humana e animal, exceto aquelas que estavam na arca”.1 Os comentários de Barr mostram que, em sua opinião, a tentativa evangélica de desliteralizar o relato da criação em Gênesis não é aceitável.

Respondendo às críticas

Os argumentos apresentados pelos estudiosos crítico-históricos para defender uma origem alternativa e não inspirada do Gênesis foram extensamente refutados por eruditos bíblicos que rejeitam o método crítico-histórico. Por exemplo, uma análise cuidadosa da palavra “dia” (yom) no relato da criação mostra que ela não representa um período de tempo indefinido, mas um dia literal de 24 horas.2 Assim, a Bíblia afirma que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo.

Da mesma forma, uma análise da palavra hebraica para “dilúvio” (mabbul) demonstra que o termo é exclusivo para designar uma inundação global que levou à destruição literal do mundo inteiro, uma reversão dos atos divinos da semana da criação.3 Quanto à ideia de que os hebreus tinham uma visão simplória do cosmos, estudos recentes da palavra hebraica para “firmamento” (raqia) mostram que ela não significa uma tigela de metal invertida.4 De fato, uma revisão da história do pensamento crítico-histórico mostra que foram os pesquisadores do século 19 que criaram o conceito no qual os povos antigos (hebreus e outros) concebiam uma Terra plana com um céu em formato de cúpula metálica.5

Outros desafios referentes à unidade e antiguidade do relato da criação/dilúvio também foram refutados. Por exemplo, a presença de repetições do mesmo evento com terminologias ou fatos diferentes (dois nomes diferentes para Deus [Elohim e Yahweh]6 e o relato da história da criação em Gênesis 1 e 2) demonstrou ser uma técnica narrativa comum na literatura do Antigo Oriente Médio; assim, não reflete necessariamente a existência de mais de um autor.7

Aparentes contradições – tais como se as plantas foram criadas no terceiro dia da semana da criação (Gn 1) ou não foram acrescentadas até que a semana da criação tivesse terminado (Gn 2) – foram convincentemente explicadas. No exemplo mencionado, as palavras hebraicas para “plantas” em Gênesis 1 são diferentes daquelas usadas no capítulo 2.8 As plantas criadas no terceiro dia, no capítulo 1, são árvores frutíferas adequadas para alimentação. Em contraste, as plantas encontradas em Gênesis 2 incluem espinhos e cardos, ou certas plantas parecidas com gramíneas, que requerem trabalho considerável para levar à colheita. O contexto de Gênesis 2 mostra claramente que esse segundo grupo surgiu como resultado do pecado.

Finalmente, o aparecimento dos chamados anacronismos em Gênesis, por exemplo, a menção a tendas e camelos no segundo milênio a.C., mostrou-se, em muitos casos, não ser de modo algum anacronismo. O renomado egiptólogo Kenneth Kitchen demonstrou que as tendas eram comuns no Antigo Oriente Médio no segundo milênio, exatamente como a Bíblia descreve.9 Da mesma forma, a presença de camelos antes da época de Davi também foi bem documentada nos últimos tempos.10 Tive o privilégio de contribuir para essa conclusão, ao descobrir um antigo petróglifo (gravura em pedra) de um homem puxando um camelo com uma corda no contexto da Idade do Bronze (pré-1400 a.C.), ao norte do local tradicional do Monte Sinai (Wadi Nasib).

Uma série de características literárias de Gênesis, como a estrutura de Gênesis 1 a 11, são mais típicas do segundo milênio a.C. do que do primeiro, sugerindo que grande parte do livro reflete os tempos antigos. Por exemplo, existem várias “histórias primitivas” do segundo milênio, como a acadiana “Epopeia de Atrahasis” e a sumeriana “Gênesis de Eridu”, que têm uma série de similaridades com Gênesis 1 a 11. Entre elas, destaca-se a organização por partes. Os três relatos contêm três seções: uma história de criação, o surgimento de um problema e um julgamento por inundação.

Embora antigas culturas mesopotâmicas tenham produzido histórias de inundação (como a Epopeia de Gilgamesh) e criação (como Enuma Elish) posteriores, essas versões não eram mais histórias primitivas “completas”, contendo os três elementos: criação, problema e inundação.11 O fato de que eles se encontram em Gênesis indicam que o livro foi escrito no mesmo período que os textos mesopotâmicos similares. Isso se encaixa com a noção bíblica de que Moisés escreveu Gênesis algum tempo antes de 1400 a.C. Naturalmente, o relato das Escrituras difere significativamente dos textos mesopotâmicos. De fato, vários eruditos notaram que o autor de Gênesis estava deliberadamente desafiando as versões similares por ser “polêmico”.12 Ou seja, Moisés estava discordando da versão mesopotâmica da criação, alegando apresentar a versão correta de como as coisas passaram a existir.

Observe que várias características literárias em Gênesis 1 a 11 sugerem que o autor pretendia fornecer uma narrativa literal dos primórdios da história da Terra, não apenas uma declaração teológica ou uma representação não literal da criação, como um poema, parábola, saga, mito ou outras formas literárias.

Primeiro, a unidade da narrativa de Gênesis 1 a 11 continua no restante do Gênesis e, de fato, alcança o livro de Êxodo. Juntos, eles contam uma história contínua da criação, que passa pela jornada de Abraão, Isaque, Jacó e José, chega à mudança para o Egito e finda no Êxodo. Em realidade, muitos eruditos identificaram a história da criação de Gênesis 1 a 11 como um prólogo do restante do Pentateuco.

Segundo, existe uma construção gramatical hebraica, o vav consecutivo, que é tipicamente usada para narrativas históricas (como encontrado em livros como Crônicas e Reis). O vav consecutivo também é visto no relato da criação, sugerindo intencionalidade e propósito histórico para a narrativa.

Uma terceira característica literária aponta claramente para o “impulso histórico” desses capítulos: o surgimento de fórmulas toledoth, geralmente traduzidas como “são estas as gerações dos…”. Finalmente, muitos elementos nas histórias primitivas paralelas do Antigo Oriente Médio podem ser mostrados como históricos.13

Conclusão

Tomadas em conjunto, as evidências sugerem que é razoável concluir que (1) Gênesis é de fato uma obra literária primitiva, produto do segundo milênio a.C.; (2) o texto foi composto como um relato unificado, embora possa ter havido algum trabalho editorial menor em momento posterior; e (3) o texto foi escrito para ser entendido como um relato autêntico das origens da Terra, ensinando que o mundo foi criado em seis dias literais e depois destruído por um dilúvio global. 

Referências

1 James Barr, em carta para David C. C. Watson, 23/4/1984.

2 Gerhard F. Hasel, “The ‘days’ of Creation in Genesis 1: Literal ‘days’ or figurative ‘periods/epochs’ of time?”, <https://tinyurl.com/y23pmnz4>, acessado em 18/2/2019.

3 Kenneth A. Mathews, The New American Commentary: Genesis 1–11:26 (Nashville, TN: Broadman and Holman, 1996), p. 365, 366.

4 Robert C. Newman, The Biblical Firmament: Vault or vapor? (Hatfield, PA: Interdisciplinary Biblical Research Institute, 2000), p. 150.

5 Jeffrey Burton Russell, Inventing the Flat Earth (Westport, CT: Praeger, 1991).

6 Kenneth A. Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1966), p. 121-123.

7 Isaac M. Kikawada, “The double Creation of mankind in Enki and Ninmah, Atrahasis I1–351, and Genesis 1–2,” Iraq 45 (1983), p. 43-45; Duane Garrett, Rethinking Genesis: The sources and authorship of the first book of the Pentateuch (Grand Rapids, MI: Baker, 1991), p. 21-25.

8 Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis (Jerusalém: Magnes Press, 1964), especialmente a discussão sobre as plantas de Gênesis 1 e 2.

9 Kenneth A. Kitchen, The Bible in Its World: The Bible and archaeology today (Downers Grove, IL: Intervarsity Press, 1977), p. 58, 59; James Hoffmeier, “Tents in Egypt and the Ancient Near East,” Journal of the Society for the Study of Egyptian Antiquities 7, 3 (1977), p. 13-28.

10 Kenneth A. Kitchen, On the Reliability of the Old Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2003),
p. 338, 339.

11 Kitchen, The Bible in Its World, p. 31-36; On the Reliability of the Old Testament, p. 422-427 para uma discussão mais ampla.

12 Gerhard F. Hasel, “The polemic nature of the Genesis cosmology”, Evangelical Quarterly 46 (1974), p. 81-102.

13 Para uma discussão sobre a historicidade das narrativas de Gênesis, ver Raymond B. Dillard e Tremper Longman III, An Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1994), p. 49, 50; e Kitchen, On the Reliability of the Old Testament, p. 422-427, que discutem os aspectos históricos dos primeiros relatos de Gênesis em seus antigos contextos literários do Oriente Médio. Contudo, deve-se notar que Longman e Kitchen não aceitam a narrativa literal da criação, em Gênesis 1 a 11.

Randall W. Younker, doutor em Arqueologia, é diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade Andrews