Segundo um estudo feito em conjunto pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda,
existem 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva no Brasil. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa. Como podemos alcançar essas pessoas com a mensagem do evangelho eterno?
Nesta entrevista, o pastor Douglas Silva – o primeiro pastor adventista surdo do Brasil – reflete sobre
a importância do Ministério das Possibilidades na igreja local. Formado em Teologia pela Faculdade
Adventista da Amazônia (Faama), atualmente exerce seu ministério em São Paulo. Casado com Karen Sanches, o casal tem dois filhos: Lucas e Felipe.

Como foi o processo de sua conversão?
Nasci em São Paulo, em 1987. Aos cinco anos, perdi a audição ao levar uma pancada na cabeça enquanto
brincava com colegas na escola. Passei a usar aparelho auditivo, mas ele não me ajudou muito. Aos 15 anos, quando morávamos em Hortolândia, o professor Jorge Batista me convidou para conhecer o grupo de surdos do Unasp, campus Hortolândia. Era sábado, e quem pregava, era o pastor Antônio Braga. Aquele dia foi marcante para mim, pois enquanto ele pregava, eu observava a reação das pessoas. Naquele momento, senti o desejo de entender a pregação, mas para isso, precisaria aprender Libras. Foi então que conheci Fagner e Fernando, que são surdos adventistas. Eles me ensinaram a língua de sinais. Depois de algum tempo, voltei para assistir ao culto. Naquele dia, o pastor pregou sobre a volta de Jesus. Eu entendi tudo! Aquela mensagem fez parte do início da minha conversão, pois eu não sabia que Jesus ia voltar. Após receber estudos bíblicos com o Marco Antônio, professor da classe bíblica dos surdos, decidi pelo batismo. Fui batizado durante o Conasi, Congresso Nacional Adventista de Surdos e
Intérpretes, em Hortolândia, em 2004.

Que passos foram dados antes de se tornar um pastor?
Depois do meu batismo, tive o desejo de levar a mensagem aos surdos. Formei uma dupla missionária com Edson Sá, um dos pioneiros desse ministério no Brasil, e passamos a visitar muitas casas de surdos. Aos sábados, eu era professor da classe de Escola Sabatina para surdos e, às vezes, pregava em alguma igreja ou viajava para conhecer outros Ministérios de Surdos. Foi em uma dessas visitas que conheci Karen Sanches, que é surda e foi professora da classe bíblica do Ministério de Surdos de Maringá, no Paraná. Nós nos casamos em 2010. Foi com o apoio dela e do meu grupo que decidi estudar Teologia.
Até então, não havia pastor surdo no Brasil. Esse era um sonho antigo de nossa comunidade e que acabou se tornando meu também. Em 2011, ingressei na Faculdade de Teologia da Faama, no Pará. O diretor e professor Davi Tavares me apoiou muito durante os quatro anos de curso. Tive também a companhia da incansável missionária Nazaré Aires, que foi minha intérprete durante a maior parte do tempo. Fico emocionado ao lembrar que, na formatura, ela recebeu uma homenagem pela sua dedicação. Naquela ocasião também esteve presente o pastor Jeff Jordan, primeiro pastor adventista surdo do mundo, formado pela Universidade Andrews. Pela graça de Deus, eu fui o segundo do mundo e o primeiro do Brasil.

Como está seu ministério atualmente?
Logo após me formar em 2014, fui chamado pelo pastor Sidionil Biazzi para trabalhar na Associação Paulistana. Ele, que tem um filho surdo, propôs que eu implantasse uma igreja para surdos. Comecei a reunir líderes surdos e intérpretes de nossa Associação para juntos realizarmos esse sonho. Com o apoio do projeto Antioquia de plantio de igrejas e de vários pastores do Campo, conseguimos inaugurar o Espaço Comunidade Surda, no Centro Histórico de São Paulo. Além de ser uma igreja, ele também é um centro de influência para a comunidade surda, onde oferecemos cursos de Libras, palestras, feiras de saúde e encontros para surdos, familiares e amigos de surdos. Tenho o privilégio de ser pastor para mais de 50 membros surdos.

Quais são os desafios em sua comunidade?
Os maiores desafios hoje são crescer e multiplicar. O discipulado tem sido o foco principal de nosso ministério. Esperamos que surjam novas igrejas semelhantes à nossa em outros pontos de São Paulo e do
Brasil. Também queremos que cada distrito tenha pelo menos um intérprete como forma de ter acessibilidade para os surdos. É muito gratificante ver um surdo envolvido ativamente na missão. Ele se sente capaz e, ao mesmo tempo, útil em servir a Deus. Em Apocalipse 14:6 e 7 lemos que o evangelho será pregado em todas as línguas e povos. A comunidade surda é nosso povo e Libras é nossa língua. Estamos fazendo nossa parte e creio que somos guiados pelo Espírito Santo nessa obra. Espero que, em breve, a profecia de Isaías 29:18 se cumpra: “Naquele dia, os surdos ouvirão as palavras do livro, e os cegos, livres da escuridão e das trevas, as verão.”

Como você enxerga a maneira como a igreja tem lidado com as pessoas com deficiências?
Por muito tempo a igreja teve dificuldade de lidar com pessoas com deficiência. Porém, hoje é bem diferente. As pessoas se preocupam mais com acessibilidade. O Ministério das Possibilidades viabiliza maior preparo humano e também mais recursos. Esse ministério surgiu em uma reunião do doutor Larry Evans, antigo diretor de Mordomia e do Ministério dos Surdos da Associação Geral, com sua equipe, da qual eu fazia parte. Todos nós lutamos para que essa ideia se tornasse real. Hoje, graças a Deus, ela faz parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia em todo o mundo.
O Ministério das Possibilidades tem chamado atenção para a acessibilidade, e muitos surdos têm procurado a igreja em busca de recursos. Estamos tentando dar conta da grande demanda de produção
de materiais evangelísticos. Além disso, uma excelente iniciativa evangelística acontece há mais de
oito anos, o Evangelibras, produzido pela Divisão Sul-Americana. Tive o privilégio de ser o pregador na
maioria desses anos. Atualmente, esse projeto é liderado pelo pastor Alacy Barbosa, responsável pelo
Ministério das Possibilidades na América do Sul. Nossa intenção é que esse evangelismo aconteça em cada União. Assim, envolveremos mais líderes e alcançaremos mais surdos para Cristo.

Quais conselhos você daria para pastores e líderes de igreja?
O meu conselho para todos – inclusive para quem faz parte do Ministério das Possibilidades – é que tenham mais empatia. Jesus era atencioso com surdos, cegos, coxos, viúvas e órfãos. Devemos seguir o exemplo Dele e prestar mais atenção a essas pessoas. Talvez precisemos mais delas do que elas precisam de nós.