A importância das ligações entre a introdução e a conclusão do Apocalipse

O livro do Apocalipse está escrito sob uma estrutura e forma literária que alguns intérpretes têm passado por alto. Seu autor, propondo-se a destacar os temas predominantes da revelação divina, utiliza uma estrutura de paralelismos simétricos denominada quiasmo.1 De acordo com Kenneth Strand, o livro tem duas grandes divisões: a primeira (Ap 1–14) mostra visões referentes à era histórica. A segunda (Ap 15–22) apresenta os juízos escatológicos que culminam com o segundo advento de Cristo.2 Dentro dessas duas divisões existem entre cinco e oito séries de correspondências mútuas, que constituem sua estrutura literária e temática.

A primeira indicação dessa estrutura literária é o paralelo visível entre o prólogo (Ap 1:1-8) e o epílogo (Ap 22:6-21). Essa correspondência deliberada destaca temas ligados entre si e termos conectores que fixam a importância da mensagem bíblica. Este artigo tem o propósito de avaliar as sete principais conexões ­temático-literárias entre as duas seções, sua importância teológica e a relevância da mensagem destacada por João.

PRÓLOGOPARALELOEPÍLOGO
1:1O anjo enviado por Jesus.22:6
1:2Testemunho da Palavra de Deus; testemunho de Jesus.22:16
1:3Bem-aventurado o que lê, os que ouvem e guardam
as palavras da profecia. Bem-aventurados os que lavam suas vestes.
22:7, 14
1:3O tempo está próximo.22:10
1:4, 5Os sete espíritos; o Deus dos espíritos dos profetas;
o Espírito e a noiva dizem: Vem.
22:6, 17
1:7Eis que vem com as nuvens; eis que venho sem demora; vem Senhor Jesus!22:7, 12, 20
1:8Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim; o Primeiro
e o Último.
22:13

O anjo

Na introdução, a revelação de Jesus Cristo que Deus Lhe deu se dá a conhecer “por intermédio do Seu anjo”, enviado a João (1:1). Na conclusão, “O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou Seu anjo para mostrar aos Seus servos as coisas que em breve devem acontecer” (22:6). Os anjos (gr. ággelos, mensageiro) frequentemente cumprem a função de portadores das revelações divinas (por exemplo, Dn 8:16; 9:21; Lc 1:19, 26).

Nos dois versículos paralelos, a declaração “Seu anjo” denota a função dos anjos mensageiros que frequentemente são mencionados ao longo do livro. Por exemplo, em Apocalipse 19:9 e 10 um anjo ­repreende João por prostrar-se a seus pés para adorá-lo. Já Apocalipse 22:16 declara que o próprio Jesus enviou Seu anjo para dar testemunho de todas as coisas.

Em Apocalipse 22:8 e 9, o anjo que fala é aquele que foi enviado por Deus (22:6) para mostrar a João a santa cidade e a árvore da vida. Então, esse anjo dá autenticidade a toda revelação. À semelhança do prólogo, ele é enviado para mostrar aos servos de Deus “as coisas que em breve devem acontecer”, “porque o tempo está próximo” (22:10). O propósito, portanto, dessa primeira conexão temática é mostrar que os anjos têm a função de ser portadores da revelação divina. Além disso, mostra que a multidão de anjos está à disposição para ministrar aos servos do Senhor, assim como ocorreu com João.

O duplo testemunho

Em Apocalipse 1:2, o verbo testemunhar (gr. martureo [atestar, ARA]) está no aoristo epistolar, o que sugere que João estava escrevendo a introdução de seu livro tendo em mente a percepção temporal de seus leitores, para quem os eventos descritos no Apocalipse estariam no passado no momento em que os estivessem lendo.3 É importante destacar que o termo martureo volta a ser empregado no livro somente no epílogo (22:16, 18, 20), e está relacionado à comunicação da revelação divina.

No prólogo, o apóstolo declara que “atestou a Palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo”. Essa é a primeira das três vezes em que essa frase é encontrada no Apocalipse (1:2, 9; 20:4). Para Ranko Stefanovic, a expressão “deve ser entendida à luz do contexto veterotestamentário”,4 pois os profetas do Antigo Testamento utilizaram a frase semelhante “Palavra do ­Senhor” frequentemente (Jr 1:2; Os 1:1; Jl 1:1; Jn 1:1; Is 2:1; Mq 1:1). Assim, João parece ter indicado que testemunhou tudo o que Deus revelou por meio do logos, a Palavra, que se origina Nele. Ainda é possível que o autor estivesse agregando à expressão geral “Palavra de Deus” uma frase mais específica, aclaratória: “o testemunho de Jesus Cristo”.

No epílogo, o autor confirma e recapitula o tema do testemunho que havia sido mencionado no prólogo, com a diferença de que, agora, o testemunho é dado pelo anjo, que recebe a autenticação da parte do próprio Cristo. Desse modo, o propósito do epílogo é confirmar a autenticidade das revelações registradas na introdução. A sentença “Eu, Jesus, enviei o Meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas” é uma clara confirmação da obra do anjo mencionado no prólogo (1:2).

As bem-aventuranças

“Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia” (1:3). Essa referência denota a leitura pública do livro na igreja. O termo ­“bem-aventurado” (gr. makarios) ­significa feliz, contente, afortunado e aprovado. Ranko Stefanovic entende que o termo, no Novo Testamento, “significa mais do que uma felicidade secular (passageira), significa a alegria interior dos que esperam a salvação prometida por Deus e agora experimentam seu cumprimento”.5 Desse modo, no Apocalipse, a palavra expressa a felicidade suprema.

No prólogo se encontra a primeira das sete bem-aventuranças apresentadas no livro (1:3; 14:13; 16:15; 19:9; 20:6; 22:7, 14). Enquanto há na introdução somente uma ocorrência, na conclusão o termo se repete duas vezes (22:7, 14), recapitulando algo fundamental: Felizes são aqueles que leem (o pregador), os que ouvem (a igreja), mas, sobretudo, os que guardam a mensagem, tendo suas vestes lavadas no sangue do Cordeiro.

A divindade do Espírito Santo

João, após se referir a Deus Pai como aquele “que é, que era e que há de vir” (1:4), indica a Pessoa do Espírito Santo da seguinte maneira: “da parte dos sete ­Espíritos que Se acham diante do Seu trono”. O número sete simboliza o cumprimento universal da obra do Espírito Santo. Além disso, os “sete Espíritos” estão em harmonia e no contexto da mensagem às sete igrejas, conforme evidencia o término de cada carta: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” Assim, o prólogo introduz o tema da ação conjunta da Divindade, na qual participa ativamente o Espírito Santo.

Tal ação é reiterada categoricamente no encerramento do livro. A expressão “o Deus dos espíritos dos profetas” (22:6) é uma alusão direta a Apocalipse 19:10, afirmando que o Espírito Santo é quem inspira a mente dos profetas. João assume que todo o livro do Apocalipse é um testemunho do domínio exercido pelo Espírito Santo sobre ele mesmo, quando estava em visão.

No epílogo, o apóstolo focaliza a atenção ao testemunho do Espírito Santo por meio da igreja. Ambos, “o Espírito e a noiva dizem: Vem!” (22:17). Na continuação, ­apresenta-se uma cadeia de apelos, em que fica evidente que o testemunho pessoal é uma iniciativa divina, ­particularmente do Espírito Santo. Desse modo, a ação do Espírito proposta no prólogo encontra seu ápice no epílogo, com grande destaque à Sua divindade.

A proximidade do tempo

A bem-aventurança de Apocalipse 1:3 termina com uma nota de destaque, “pois o tempo está próximo”. A palavra usada para tempo (gr. kairós) tem um sentido escatológico e indica um período de crise ou um momento decisivo. Para Robert Mounce, “essa declaração parece ter sua origem nas expectativas messiânicas judaicas daquele momento”.6 Em Marcos 13:35, Jesus advertiu os discípulos sobre o tempo de Seu regresso e lhes pediu que vigiassem, pois não sabiam o kairós assinalado da segunda vinda. Assim, diante da crise iminente, a mensagem de juízo e esperança deve ser proclamada entre as igrejas como algo urgente, pois o fim de todas as coisas já foi determinado na morte e ressurreição de Cristo.

No epílogo, em contraste com a instrução dada a Daniel para selar a visão referente ao tempo do fim (Dn 8:26; 12:4), o anjo diz para João não selar “as palavras da profecia deste livro”, e a razão da proibição é clara, “porque o tempo está próximo” (22:10). Esse é um “tempo particular”, designado de antemão para o cumprimento das “coisas que em breve devem acontecer” (1:1). Em suma, para os filhos de Deus, o kairós necessário chegará em breve.

PRÓLOGOEPÍLOGO
1:4 “Daquele […] que há de vir”22:7 “Eis que venho sem demora”
1:7 “Eis que vem com as nuvens”22:12 “E eis que venho sem demora”
1:8 “O Senhor Deus […] que há de vir”22:17 “O Espírito e a noiva dizem: Vem!”
22:20 “Certamente, venho sem demora”
22:20 “Amém! Vem, Senhor Jesus!”

A vinda de Cristo

O tema do segundo advento de Cristo é fundamental na estrutura do Apocalipse. A tabela abaixo mostra as três menções do prólogo a respeito do assunto, indicando a intencionalidade que João tem ao destacar a parousia do Senhor Jesus.

Um detalhe que chama atenção é o fato de que a linguagem da introdução enfatiza o regresso de Jesus na terceira pessoa. Já na conclusão, se repete na primeira pessoa. Conforme afirma Jacques Doukhan, esse “contraste gramatical sugere que a segunda vinda de Jesus deixa de ser um testemunho dos filhos de Deus e passa a ser algo pessoal e direto. Não é mais um simples testemunho externo acerca do evento, agora, quem fala da vinda é o Sujeito do evento”,7 Jesus, o Vencedor.

Outro ponto interessante do epílogo é o evidente movimento pendular entre as esferas divina e humana, que sugere uma relação recíproca de liturgia no Apocalipse. Ao grito do Céu que inicia a série de “venho” e que ressoa duas vezes como uma promessa (22:7, 12), da Terra o povo de Deus responde duas vezes “vem” (22:17). Nessa dinâmica, o Céu tranquiliza a Terra: “Certamente, venho sem demora” (22:20a); e a oração humana responde: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (22:20b). Assim, no Apocalipse não existe um tema mais importante do que a esperança da segunda vinda de Cristo.

O Alfa e o Ômega

“Alfa” é a primeira e, “ômega”, a última letra do alfabeto grego. Elas são utilizadas para descrever o Senhor como Criador de todas as coisas. Além disso, expressa também a revelação primária e final de Deus aos homens. Os exegetas concluem que a expressão indica integridade e plenitude, o eterno, o que sempre existiu desde o princípio e sempre existirá, o Todo-poderoso. Conforme Gerhard Kittel, essa expressão é peculiar do Apocalipse, e Deus a usou com respeito a Si mesmo.8 No prólogo (1:8), quem fala é “o Senhor Deus, Aquele que é, que era e que há de vir”, identificado como Deus Pai em Apocalipse 1:4.

Se em Apocalipse 1:8 e 21:6 Deus Pai Se apresenta como “o Alfa e o Ômega”, no epílogo quem atribui a Si esse título é o próprio Cristo ressurreto (22:13). Desse modo, Pai e Filho compartilham os mesmos atributos eternos de integridade e plenitude. Além disso, a frase “o Primeiro e o Último” (1:17) firma o sentido de Theós: Ele dá início e põe fim a todas as coisas. Tudo na criação deve sua existência a ­Cristo; todas as coisas encontram seu fim em relação a Ele. O desenvolvimento do plano da salvação, do começo ao fim, está ligado a Jesus – o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim; o Primeiro e o Último.

Conclusão

Uma breve análise estrutural e literária do Apocalipse, especialmente de seu prólogo e epílogo, permite indicar alguns pontos importantes. Em primeiro lugar, a construção simétrica e o paralelismo inverso entre o prólogo e o epílogo na estrutura literária redigida pelo autor indicam que o livro foi integralmente escrito por uma só pessoa, nesse caso, o apóstolo João.

Na sequência, a redação do prólogo e do epílogo, com suas correspondências temáticas, foi deliberadamente pensada e escrita para abrir, desenvolver e concluir assuntos que o autor considerava importantes.

Finalmente, o prólogo e o epílogo do livro do Apocalipse revelam ao mundo o que foi, o que é e o que há de vir. Isso foi escrito para nossa instrução, para quem alcançou o fim dos tempos. Deus Pai, Cristo, o Espírito Santo e as hostes celestiais foram companheiros de João na ilha de Patmos. Eles acompanharão Seu povo na crise final, garantindo-lhe a vitória completa! 

Referências

1 Ver Enzo Bianchi, El Apocalipsis: Comentario exegético-espiritual (Salamanca: Gráficas Varona, 2009); C. Mervyn Maxwell, Uma Nova Era Segundo as Profecias do Apocalipse (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 56.

2 Kenneth A. Strand, “The eight basic visions in the book of Revelation”, Andrews University Seminary Studies, v. 25, n. 1, p. 107-121.

3 Robert H. Mounce, Comentario al Libro de Apocalipsis (Barcelona: CLIE, 2007), p. 86.

4 Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2002), p. 54.

5 Ibid, p. 55.

6 Mounce, p. 87.

7 Jacques Doukhan, Secretos del Apocalipsis (Buenos Aires: Aces, 2007), p. 219.

8 Gerhard Kittel, “”, em Gerhard Kittel (org.), Theological Dictionary of The New Testament (Grand Rapids, MI: Wm. B Eerdmans, 2006), v. 1, p. 1-3.

Efraín Choque, doutor em Teologia, é secretário ministerial da União Boliviana