O evento culminante da realidade bíblica é a segunda vinda, quando Cristo retornará para julgar o mundo, para vindicar Sua morte e buscar os Seus escolhidos. O conhecido credo do cristianismo ocidental, o Credo Apostólico, estabelece que Jesus Cristo “ressuscitou da morte, ascendeu ao Céu, está assentado à destra de Deus o Pai todo-poderoso, de onde virá para julgar vivos e mortos”.1
Todos os teólogos ortodoxos concordam com essa doutrina. Segundo afirma um erudito evangélico, “ela é a base da esperança cristã, o único evento que marcará o início da consumação do plano de Deus”.2 Essa elevada avaliação do segundo advento ou parousia de Cristo é justificada à luz das inspiradas declarações de Paulo: “Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-O dentre os mortos” (Atos 17:31).
“Porquanto o Senhor mesmo, dada a Sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos Céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor” (I Tess. 4:16 e 17).
“E a vós outros, que sois atribulados, alívio juntamente conosco, quando do Céu Se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do Seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (II Tess. 1:7 e 8).
Essas breves afirmações do apóstolo Paulo têm como objetivo reassegurar aos novos crentes a certeza da promessa original de Cristo: “Voltarei e vos receberei para Mim mesmo, para que, onde Eu estou, estejais vós também” (João 14:3). “Porque o Filho do homem há de vir na glória de Seu Pai, com os Seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras” (Mat. 16:27). O Senhor ainda colocou Seu retorno no contexto do terrível grande Dia de Jeová, quando identificou Sua parousia com a vinda do Deus de Israel: “Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; todos os povos da Terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. E Ele enviará os Seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os Seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mat. 24:30 e 31; cf. Isa. 27:12 e 13; 43:5-7; 56:8).
O retorno de Cristo é o tema central do livro do Apocalipse (Apoc. 1:7), que pinta repetidamente esse acontecimento como o clímax de uma série de futuros eventos (Apoc. 6:12-17; 14:14-20; 19:11-21). Essa resenha parcial revela o segundo advento de Cristo como assunto essencial do Novo Testamento.
Sem o glorioso retorno de Cristo, Sua promessa de renovar todas as coisas (Mat. 19:28) seria desmoronada. Mais que isso, o propósito da primeira vinda de Jesus estaria seriamente comprometido, se não totalmente perdido. Com uma força compelente, Paulo argumenta a inquebrantável
unidade da salvação presente e futura dos crentes em Cristo: “E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé: … E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (I Cor. 15:13, 14, 17-19).
O apóstolo Paulo categoricamente baseou a certeza de nossa esperança na vida eterna, isto é, da ressurreição dos mortos, na ressurreição corporal de Cristo. Paulo não tinha dúvidas a respeito da realidade histórica desse acontecimento. O Senhor ressuscitado tinha-lhe falado claramente na estrada de Damasco, chamando-lhe para ser um apóstolo e testemunha (Atos 26:15-18), uma experiência com inaudito significado para o zeloso fariseu. Ele considerou a ressurreição de Jesus dentre os mortos como o início da prometida ressurreição dos santos, profetizada pelos profetas de Israel (Jó 19:25-27: Isa. 26:19; Dan. 12:2).
F. F. Bruce escreveu: “Desde que Deus ressuscitou Jesus dos mortos, Ele pode ressuscitar todos os Seus filhos no devido tempo – mais especificamente, na parousia de Cristo, Seu advento em glória.”3 Paulo ilustrou essa conexão espiritual referindo-se ao Cristo ressurreto como “as primícias dos que dormem” (I Cor. 15:20). Essa imagem lembrava a celebração na qual os primeiros grãos da colheita eram oferecidos a Deus e o significado disso: quando as primícias eram ofertadas ao Senhor toda a colheita era santa. Paulo explica: “Se for santa a raiz, também os ramos o serão” (Rom. 11:16). Em outras palavras, a ressurreição de Cristo garante a futura ressurreição de todos os que pertencem a Ele (I Cor. 15:23).
Posteriormente, Paulo colocou o significado da primeira vinda de Jesus na mais abrangente estrutura da história da salvação, ao declarar: “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (I Cor. 15:22). Aqui Cristo é revelado como o segundo Adão. O novo Pai da raça humana; que tem determinado o futuro da humanidade muito mais do que o fez Adão, exatamente como a vida eterna é muito mais que a morte (Rom. 5:14 e 15). Em Cristo, nós podemos nos regozijar na esperança da glória de Deus (Rom. 5:2), porque Cristo ressuscitou “dentre os mortos” e “a morte já não tem domínio sobre Ele” (Rom. 6:9).
A ressurreição de Cristo é muito claramente o fundamento indispensável à fé e à esperança cristãs.
Reafirmações do Senhor ressurreto
O evangelho não está baseado simplesmente na sepultura vazia de Jesus, mas também nas surpreendentes aparições do Senhor ressuscitado aos Seus discípulos (João 20; I Cor. 15:5-8) e na Sua dádiva do Espírito de Deus sobre eles (Atos 2:1-4). Pedro, no dia de Pentecoste, baseou sua emocionante mensagem aos israelitas na ressurreição e na ascensão de Cristo ao Céu. O ponto fundamental de sua exposição foi explicar o significado do derramamento visível do Espírito de Deus aos judeus cristãos, num progressivo desenvolvimento do plano divino de salvação (Atos 2:32 e 33).
Pedro anunciou que o derramamento do Espírito Santo, tal como profetizado por Joel (2:28), tornara-se então uma realidade presente por causa da ressurreição, ascensão e exaltação de Jesus como o Senhor e Messias no Céu (Atos 2:36). Seu cumprimento não era imaginário ou desprovido de evidência; o Espírito de profecia foi notavelmente restaurado em Israel como o sinal da era messiânica, uma realidade tão irresistível e convincente que cerca de três mil judeus foram batizados num só dia (Atos 2:41 ).
Hendrikus Berkhof explica: “Foi somente devido às aparições do Jesus ressurreto que o desespero deu lugar a uma nova, incomum e inabalável fé. Portanto, a ressurreição pode ser considerada o evento redentivo decisivo… a fe crista ergue-se ou cai com a ressurreição.” 4
Em suma, a fé cristã em geral, e a fé cristã na parousia em particular, não é baseada em alguma ideologia ou filosofia moral, mas sobre fatos históricos inegáveis e poderosas realidades demonstrados em Cristo. Depois do Pentecoste, a fé de Pedro permaneceu orientada para a vinda pessoal de Jesus Cristo: “Ao qual é necessário que o Céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos Seus santos profetas desde a antigüidade” (Atos 3:21). A promessa dos anjos durante a ascensão de Jesus confirmou a esperança cristã: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao Céu virá do modo como O vistes subir” (Atos 1:11).
Aqui não está predito nenhum advento invisível, espiritual ou secreto, mas o retorno visível e pessoal do Senhor Jesus Cristo.
Esperança dos primeiros cristãos
Por ocasião da última Ceia, Jesus fez uma solene promessa: “E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de Meu Pai” (Mat. 26:29). A conexão que Jesus faz aqui entre a Ceia do Senhor e o banquete messiânico vindouro, faz de cada serviço de comunhão uma antecipação da segunda vinda. Paulo reconheceu esse aspecto futurístico da Ceia do Senhor, quando escreveu a seguinte instrução: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (I Cor. 11:26). Essa preciosa ligação da Santa Ceia com a promessa do retorno de Cristo é freqüentemente perdida de vista pela ênfase unilateral dada, no momento de sua celebração, ao Seu sacrifício expiatório.
Paulo concluiu sua carta aos corinhos com uma antiga oração aramaica, a qual, segundo eruditos do Novo Testamento, era uma saudação entre os primeiros cristãos: “Maranata!”, significando “o Senhor vem!”. Oscar Cullmann comenta: “Sabemos que todo o culto no cristianismo primitivo era considerado uma antecipação do reino de Deus… Essa conexão entre realidade presente e o futuro… representa o caráter peculiar e a grandeza da adoração na Igreja primitiva.”5
Tal atitude futurística do culto cristão original está evidente nas cartas apostólicas. Em sua primeira epístola aos cristãos de Tessalônica (50 a.D.) Paulo registrou: “deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro, e para aguardardes dos Céus o Seu Filho, a quem Ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura” (I Tess. 1:9 e 10). Ao final do primeiro século, depois do Pentecoste, João concluiu o livro do Apocalipse com esta segurança pessoal a respeito do Senhor ressurreto: “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: ‘Certamente, venho sem demora.’” Ao que o apóstolo responde imediatamente: “Amém. Vem, Senhor Jesus!” (Apoc. 22:20). A esperança do advento era uma esperança viva que determinou a fé e o culto da Igreja primitiva.
Os apóstolos não ensinaram a segunda vinda como um dogma isolado mas como uma verdade vital que modelava a vida dos crentes. A esperança na parousia devia ser pessoalmente alimentada como um poder santificador que deveria prepará-los em confiança para o advento de Cristo. Paulo deixou claro que essa santificação, tanto quanto a justificação, era um pré-requisito e uma garantia de glorificação, quando escreveu de maneira sucinta: “Cristo em vós, a esperança da glória” (Col. 1:27).
Essa frase indica novamente uma ligação entre a salvação presente e futura. Em Cristo, há essencialmente uma única salvação, compreendida em duas fases: presente e futura. O futuro está assegurado pela redenção presente através da mesma fé em Cristo. Paulo explicou essa garantia de uma forma simplesmente magistral: “Se habita em vós o Espírito dAquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do Seu Espírito, que em vós habita” (Rom. 8:11). Quanta segurança existe, ancorada numa fé viva e real experiência com Cristo!
O cristão pode já aqui nesta vida desfrutar “os poderes do mundo vindouro” (Heb. 6:5). Como Bruce afirma, “interiormente eles já experimentavam um antegozo da ressurreição futura, da vida eterna, porque estavam unidos pela fé ao Cristo ressurreto, neles incorporado.”6 Isso torna todos os crentes cristãos cidadãos do Céu, de onde ansiosamente aguardam o aparecimento do seu Senhor (Fil. 3:20 e 21; Tito 2:13). Essa bendita esperança transforma o comportamento dos crentes aqui e agora.
Quando João percebeu a maneira como uma nova filosofia grega, chamada docetismo, começou a infiltrar-se na Igreja e minar o cristianismo prático, ele imediatamente advertiu suas igrejas na Ásia Menor a permanecer “nEle, para que, quando Ele Se manifestar, tenhamos confiança e dEle não nos afastemos envergonhados na Sua vinda” (I João 2:28). Em seguida, apontou a obrigação moral para os crentes: “E a si mesmo se purifica todo o que nEle tem esta esperança, assim como Ele é puro” (I João 3:3). A esperança da volta de Jesus claramente requer uma vida centralizada nEle, uma vida espiritual crescente.
Pedro é conhecido como “o apóstolo da esperança”, porque ele enfatizava que Deus “nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos Céus para vós outros, que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (I Ped. 1:3-5).
Entretanto, ele salientou as qualidades cristãs específicas que são essenciais para a entrada no reino eterno de Cristo: bondade, sabedoria, domínio próprio, perseverança, piedade, fraternidade, generosidade e amor (II Ped. 2:5-11). Seu apelo foi o seguinte: “Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão” (II Ped. 3:11 e 12). A impaciente expectativa da segunda vinda foi e ainda é uma urgente motivação para permanecermos em Cristo e nos tornarmos mais semelhantes a Ele.
A maneira como o próprio Jesus descreveu Seu retorno na glória de Deus, em Mat. 24:29-31, e posteriormente foi amplificada por Suas descrições no Apocalipse, revela que a parousia consumará as profecias do Dia de Jeová mencionadas pelos profetas de Israel. Nenhuma passagem nos evangelhos é mais saturada com alusões à linguagem profética de Israel que Mateus 24:29-31. De fato, “em parte alguma do Novo Testamento existe uma cena da parousia composta de seis motivos apocalípticos, como nós encontramos em Mateus 24:29-31 ”7
Essa é uma teofania envolvendo o Dia do Senhor, o Filho do homem em Daniel 7, os sinais cósmicos, as nuvens dos céus e a reunião dos eleitos. Essa observação dá à descrição que Jesus fez do Seu retorno um significado teológico único. Focaliza todos os sinais apocalípticos sobre a pessoa de Cristo e Sua parousia. Nenhum desses sinais e manifestações foram apresentados como meros símbolos. Todos os povos verão, ouvirão e sentirão as dramáticas manifestações da parousia. “Mover seus leitores em um irresistível sentimento de realidade”8 é o significado intencional da escatologia cristocêntrica de Mateus. Sua descrição da parousia em Mat. 24 “desabrocha como uma flor apocalíptica sobre o tronco e os ramos” das profecias de Israel.9
O que essa curta revisão mostra é que, longe de ser um mero apêndice de um discurso, ou notas de rodapé de uma crença, a segunda vinda de Jesus, o segundo advento, permanece sendo a grande esperança de todos quantos O aceitam como Senhor e Salvador.
HANS K. LaRONDELLE, Th.D., professor emérito do Seminário Teológico da Universidade Andrews, Estados Unidos
Referências:
1J. H. Leith. Creeds of the Churches (Atlanta: John Knox Press. 1977), pág. 24.
2 Millard J. Erckson, Christian Theology (Grand Rapids. Ml: Baker Book House. 1985). vol. 3, pág. 1.186.
3 F. F. Bruce, Paul: Apostle of the Heart Set Free (Grand Rapids. Ml: Eerdmans. 1996), pág. 304.
4 H. Berkhof, Christian Faith (Grand Rapids. Ml: Eerdmans, 1979), pág. 307.
5 O. Cullmann, The Christology of the New Testament (Philadelphia: Westminster, 1963), pág. 211.
6 F. F. Bruce, Op. Cit., págs. 304 e 305.
7 Ki K. Kim. The Signs of the Parousia (Seul, Coréia: Korea Sahmyook University, 1994). vol. 3. pág. 364.
8 Ibidem, pág. 392.
9 Ibidem, pág. 393.
A fé cristã na segunda vinda de Jesus está baseada em fatos e realidades inegáveis da Sua vida.
Para os apóstolos, o segundo advento é uma verdade que modela a vida dos crentes.