Um dos maiores expoentes do estudo sobre propósito e seu impacto na vida do ser humano foi o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Nascido em uma família judia, em 1905, Frankl criou um dos principais conceitos relacionados a ter uma vida com sentido, que valha a pena ser vivida, apesar de todos os reveses.1 Em 1942, o médico foi enviado para um campo de concentração nazista. Embora tenha sobrevivido, ele perdeu a esposa, um irmão e os pais nesse período. Baseado em sua vivência em três diferentes campos de concentração, Frankl escreveu um livro chamado Em Busca de Sentido.

Observando as pessoas com as quais convivia no campo de concentração, Frankl percebeu que algumas delas conseguiam suportar o sofrimento e sobreviver por mais tempo que outras. Comparando os diferentes comportamentos e reações (inclusive dele mesmo), o psiquiatra notou que existia um fator fundamental presente em todas as pessoas com maior resistência ao sofrimento: o propósito de vida.2

Frankl acreditava que todos os indivíduos requerem significado na vida e têm motivação constante para buscar e descobrir o propósito de sua própria existência. Assim, a busca por significado é uma motivação básica que explica como os indivíduos perseguem seus objetivos. Além disso, a dimensão cognitiva do significado na vida se concentra na compreensão de si mesmo e do mundo. Essa dimensão permite que os indivíduos compreendam o que desejam alcançar e manter no decorrer de sua existência.3

O psicólogo e professor Michael Steger propôs um modelo multidimensional de significado para a vida e postulou que seu objetivo era definir como, ou até que ponto, as pessoas compreendem, dão sentido ou veem significado em sua existência, acompanhado do grau em que se percebem como tendo um propósito ou uma missão. Para Steger, o propósito na vida representa um componente central da identidade de uma pessoa e fornece uma estrutura ampla e abrangente para a qual os indivíduos direcionam seus comportamentos e objetivos diários.4

Aplicado ao contexto das organizações, o escritor e palestrante Simon Sinek relaciona a ideia de propósito com o porquê de uma organização. Segundo ele, líderes não engajam as pessoas apresentando o que elas devem fazer, ou mesmo como fazer, mas sim inspirando-as com um porquê.5 Em outras palavras: criando, inspirando e unindo as pessoas em um propósito que justifique seus esforços no trabalho. Sinek chamou esse processo de Círculo Dourado.6

O Círculo Dourado permite atingir o cerne da questão do porquê e, com isso, fortalecer o propósito. Com o propósito correto e compreendido, gera-se a convicção. Estabelecer um propósito de vida é construir significado para suas ações e trazer sentido para suas vitórias e derrotas. É ter a certeza de que cada passo na vida tem sentido, visto que você está enxergando o real motivo que justifica sua existência e seus esforços em diferentes áreas, incluindo o âmbito profissional.

Recentemente, os professores de gestão Robert Quinn e Anjan Thakor apontaram que as novas gerações são engajadas por meio de propósito, valorizando cada vez mais a conexão entre o significado, o trabalho e a forma como a organização contribui para isso.7 O psicólogo Bryan Dik, além de outros pesquisadores, confirma que a busca por um propósito tem conectado as organizações a pessoas que
procuram atender ao seu chamado e partem em busca de um trabalho significativo.8

Trabalho significativo


O ano de 1956 marcou o início dos estudos sobre trabalho significativo (meaningful work). O psicólogo Victor Frankl publicou em seu livro seminal uma frase marcante: “A principal preocupação do homem não é obter prazer ou evitar a dor, mas sim ver um significado em sua vida.”9 Frankl apontou que, para o ser humano encontrar significado na vida, ele necessita realizar algo, um trabalho, uma ação.

Pesquisadores da motivação clássica e psicólogos humanistas, como Clayton Alderfer e Abraham Maslow, afirmam que é inerente ao ser humano almejar uma vida profissional com significado, de modo que esse trabalho possua o potencial de produzir no indivíduo a satisfação na vida e no trabalho.10

Ter a ciência de que possui um trabalho com significado alinhado ao seu propósito na vida impacta diretamente no relacionamento entre a pessoa e a organização em termos de comprometimento, lealdade e dedicação. O trabalho é o meio pelo qual expressamos o propósito de nossa vida por intermédio de atividades que envolvem a maior parte das horas em que estamos acordados. O trabalho também traz o senso de realização, sendo muitas vezes o principal elemento para que alguém encontre seu propósito na vida.11

As pessoas entendem que o trabalho que desempenham deve ser capaz de perseguir objetivos importantes e têm autonomia no processo de tomada de decisão para o alcance desses objetivos. Além disso, quando o trabalho é percebido como significativo, as pessoas ficam menos vulneráveis à exaustão emocional, à depressão e à Síndrome de Burnout, além de terem maiores níveis de satisfação com a vida.12

Satisfação com a vida

A satisfação com a vida se refere aos sentimentos que uma pessoa tem em relação à sua própria existência. Sentimentos e percepções positivas podem estar associados à qualidade de vida, a qual é baseada em critérios e valores pessoais, como condições materiais, ambiente de convivência e emprego.13

A satisfação com a vida pode ser entendida como bem-estar subjetivo, o qual pode ser definido como a avaliação cognitiva e emocional que as pessoas fazem da vida. Essa avaliação busca entender o que faz as pessoas se sentirem bem em relação aos seus próprios valores e padrões.14

O bem-estar subjetivo não depende apenas de percepções individuais; ele também é decorrente de outros fatores, como indicadores sociais, desempenho institucional e valores culturais. Além disso, é interessante notar que o bem-estar subjetivo implica diferentes percepções de satisfação com a vida ao longo da existência do indivíduo.15

Estudos recentes mostraram que indivíduos que possuem grande satisfação com a vida geralmente têm menor intenção de deixar a organização e possuem alto nível de satisfação com o trabalho.16

Profissão e chamado

O professor Ryan Duffy é considerado um dos maiores pesquisadores da atualidade sobre chamado/propósito. Suas pesquisas apontam que o indivíduo que segue um chamado e tem um claro “porquê” em tudo o que faz é grandemente beneficiado, pois, além de viver com propósito, ele encontra satisfação em suas atividades.17

Curiosamente, alguns pesquisadores reconhecem que o chamado para uma profissão é algo que pode vir de Deus. Além disso, pesquisas recentes apontam que existe uma ligação íntima entre o chamado divino e a satisfação na vida, ou seja, essa satisfação é resultado de aceitarmos e seguirmos o chamado divino para nós.18

Viver um chamado passa por aceitar um trabalho com significado, o qual produz na vida da pessoa o sentimento de que sua tarefa é relevante e traz impacto na existência de outras pessoas. Diariamente, o indivíduo deve estar atento ao propósito e ao significado da atividade que desempenha. Esse processo de atenção diária o ajudará a encontrar estabilidade e coerência na vida.

Por outro lado, é necessário compreender que viver um chamado não significa ter uma vida sem desafios. Qualquer atividade que exercemos traz consigo tarefas que, em sua maioria, não são prazerosas. É por essa razão que se faz necessário dar significado a todas as atividades que desempenhamos, pois isso facilitará a conexão do resultado delas com o chamado que possuímos.

Chamado ao ministério

Com base no que vimos até aqui, é fundamental para um pastor compreender o porquê de seu trabalho, a fim de encontrar significado na vida. Nesse sentido, algumas perguntas são cruciais: Por que faço o que faço? Encontro satisfação em ser um pastor? Entendo que meu ministério tem um propósito, um significado e uma missão clara e específica? Estou vivendo à altura do chamado de Deus?

Embora a psicologia tenha afirmado que um chamado profissional pode ser proveniente de Deus, o chamado para o ministério pastoral é diferente, específico e abrangente, pois envolve uma missão de caráter espiritual, que exige uma entrega completa ao serviço do Mestre. Foi assim com Moisés, Isaías, Jeremias, Pedro, João, Paulo, Timóteo e tantas outras personalidades da Bíblia. Para os homens rudes que trabalhavam no ramo da pesca, o Mestre disse: “Venham Comigo, e Eu os farei pescadores de gente” (Mt 4:19). E a Bíblia acrescenta: “Eles deixaram imediatamente as redes e O seguiram” (v. 20). Para o influente Saulo, Jesus disse por intermédio de Ananias: “Este é para Mim um instrumento escolhido para levar o Meu nome diante dos gentios e reis” (At 9:15). Aquele obstinado fariseu também deixou tudo para seguir o Mestre. O que fez com que esses homens abandonassem tudo e seguissem a Cristo? Certamente, o impacto do chamado, e mais: a convicção de quem os estava chamando. Esses são os verdadeiros motivos para um ministério com significado.

No livro Um Ministério, Uma Vida, o pastor Alejandro Bullón afirma que existe uma clara distinção entre vocação e chamado. Vocação é a inclinação que um indivíduo tem para algum tipo de atividade. Ela envolve gostos, preferências, interesses, habilidades e, claro, personalidade. É o caso da pessoa que ama cuidar de gente e enxerga na profissão de médico uma oportunidade de servir e de se realizar na vida. No entanto, o ministério pastoral é diferente. Ele vai além de uma profissão ou de uma carreira que exige vocação. Embora envolva esses aspectos, o ministério pastoral é “uma resposta ao chamado divino”.19 Na vida de todo pastor deve acontecer este ponto de partida: o momento em que Deus o encontra e o chama para segui-Lo e para servi-Lo. O chamado é, portanto, o princípio, a base, o fundamento do ministério de um pastor.

Observe que o primeiro passo é seguir a Cristo, ou seja, ser um discípulo Dele. A palavra discípulo significa “aluno”, “aprendiz”, “alguém que segue os passos do mestre”. O chamado para o ministério envolve deixar os próprios caminhos para seguir Aquele que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14:6). À medida que o ministro segue a Cristo e é moldado à semelhança Dele, ele deve cumprir a missão apostólica de ganhar pessoas para o reino de Deus, ou seja, obedecer ao “ide” de Cristo (Mt 28:18-20). A palavra “apóstolo” significa “enviado”. Ambas as dimensões apresentadas por meio destas duas palavras – discípulo e apóstolo – devem acompanhar o ministério de um pastor. Antes de ir, ele deve permanecer. Antes de servir, deve ser um exemplo. Ellen White sintetizou: “A prova do chamado de um ministro para pregar o evangelho é vista em seu exemplo e trabalho.”20 E acrescentou: “Se o homem que sente ter sido chamado por Deus para ser um ministro se humilhar e aprender de Cristo,
irá se tornar um verdadeiro pregador.”21

Chamado e significado

Se aplicássemos o Círculo Dourado de Simon Sinek ao ministério pastoral, teríamos que responder para nós mesmos às três perguntas: O que devo fazer? Como devo fazer? Qual é o porquê do meu ministério? Talvez você conheça muito bem as respostas para as duas primeiras perguntas; saiba dirigir comissões, preparar sermões, fazer visitas, construir igrejas, aconselhar pessoas, fazer planejamentos, entre outras atividades. Mas a pergunta chave é: Por que você faz tudo isso? Digo que essa pergunta é chave porque alguns pastores perderam o sentido do ministério, encarando-o como um fardo, uma profissão qualquer ou simplesmente um meio de se ganhar a vida. Perderam em algum momento o significado do serviço, da missão e, principalmente, do chamado divino.

Após pregar na sinagoga de Cafarnaum, Jesus observou que alguns de Seus discípulos O haviam abandonado. Então dirigiu-Se aos Doze, dizendo: “Será que vocês também querem se retirar?” (Jo 6:67). A resposta de Pedro é emblemática e serve também aos pastores de hoje: “Senhor, para quem iremos? O Senhor tem as palavras da vida eterna, e nós temos crido e conhecido que o Senhor é o Santo de Deus” (v. 68, 69). O sentido do ministério encontra-se em seguir uma Pessoa; em atender ao chamado do Mestre para permanecer aos Seus pés e depois sair proclamando ao mundo os Seus feitos gloriosos. Como você tem lidado com essa sagrada vocação? Tem desfrutado o real significado do ministério?

Sugiro um exercício de memória. Você consegue se lembrar do momento e do lugar em que Deus o chamou para ser um pastor? Talvez na rua, durante um sermão, em uma conversa ou enquanto orava e lia a Bíblia. Lembra-se do momento em que seu coração ardeu ao ouvir o convite do Mestre para participar da obra de transformação de vidas? Esse mesmo Deus quer renovar seu ministério e trazer significado para sua vida hoje. A mesma voz, a mesma brasa, a mesma luz e o mesmo toque ainda estão à disposição para restaurar ministérios fracos, desanimados e mortos.

Viktor Frankl nos ensinou que uma vida com propósito pode resistir ao mais cruel campo de extermínio. O apóstolo Paulo já sabia disso, séculos antes. Enquanto aguardava sua sentença, ele descreveu o porquê de sua vida: “Para este evangelho eu fui designado pregador, apóstolo e mestre e, por isso, estou sofrendo estas coisas. Mas não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que Ele é poderoso para guardar aquilo que me foi confiado até aquele Dia” (2Tm 1:11, 12). Se você tem enfrentado lutas em seu ministério, lembre-se de que Deus o chamou, Ele está ao seu lado e que “a mais elevada de todas as obras é o ministério em seus vários ramos, e deve ser conservado na mente dos jovens que não existe obra mais abençoada por Deus que a do ministério evangélico”.22

Referências

1 Viktor E. Frankl, Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração (Petrópolis, RJ: Vozes, 2019), p. 7.

2 Frankl, Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração, p. 89.

3 Steven J. Heine, Travis Proulx e Kathleen D. Vohs, “The Meaning Maintenance Model: On the Coherence of Social Motivations”, Personality and Social Psychology Review, 10 (2006), p. 88-110.

4 Michael F. Steger, “Meaning in Life”, em Oxford Handbook of Positive Psychology, ed. Shane J. Lopez, 2a ed. (Oxford, UK: Oxford University Press, 2009), p. 679-687.

5 Simon Sinek, Start With Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action (Nova York: Penguin, 2009), p. 133.

6 Sinek, Start With Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action, p. 37.

7 Robert E. Quinn e Anjan V. Thakor, “Creating a Purpose-Driven Organization”, Harvard Business Review 96 (2018), p. 78-85.

8 Ryan Duffy, Elizabeth Bott, Allan Blake, Carrie Torrey e Bryan Dik, “Perceiving a Calling, Living a Calling, and Job Satisfaction: Testing a Moderated, Multiple Mediator Model”, Journal of Counseling Psychology 59 (2012), p. 50-59.

9 Viktor E. Frankl, “From Psychotherapy to Logotherapy”, Pastoral Psychology 65 (1956),
p. 56-60.

10 Clayton P. Alderfer, Existence, Relatedness and Growth: Human Needs in Organizational Settings (Nova York: The Free Press, 1972); Abraham H. Maslow, “A Theory of Human Motivation”, Psychological Review 50 (1943), p. 370-396.

11 Neal Chalofsky, “An Emerging Construct for Meaningful Work”, Human Resource Development International 6 (2003), p. 69-83.

12 Minseo Kim e Terry A. Beehr, “Organization-Based Self-Esteem and Meaningful Work Mediate Effects of Empowering Leadership on Employee Behaviors and Well-Being”, Journal of Leadership & Organizational Studies 25 (2018), p. 385-398.

13 Sara Santilli, Silke Grossen e Laura Nota, “Career Adaptability, Resilience, and Life Satisfaction Among Italian and Belgian Middle School Students”, The Career Development Quarterly 68 (2020), p. 194-207.

14 Rebecca S. Merkin, “Employee Life Satisfaction and Social-Capital Factors Relating to Organizational Citizenship”, Performance Improvement Quarterly 33 (2019), p. 55-75.

15 Jose M. Tomás, Melchor Gutiérrez, Patricia Sancho e Isabel Romero, “Measurement Invariance of the Satisfaction With Life Scale (SWLS) by Gender and Age in Angola”, Personality and Individual Differences 85 (2015), p. 182-186.

16 Merkin, “Employee Life Satisfaction and Social-Capital Factors Relating to Organizational Citizenship”, p. 55-75.

17 Duffy, Bott, Blake, Torrey e Dik, “Perceiving a Calling, Living a Calling, and Job Satisfaction: Testing a Moderated, Multiple Mediator Model”, p. 50-59.

18 Ryan Duffy, Pamela Foley, Trisha Raque-Bodgan, Laura Reid-Marks, Bryan Dik, Megan Castano e Christopher Adams, “Counseling Psychologists Who View Their Careers as a Calling: a Qualitative Study”, Journal of Career Assessment 20 (2012), p. 293-308.

19 Alejandro Bullón, Um Ministério, Uma Vida (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2022), p. 7.

20 Ellen G. White, Review and Herald, 5 de abril de 1892.

21 Ellen G. White, Review and Herald, 15 de abril de 1902.

22 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2023), p. 14, 15 [23].