Como o amor pode fortalecer o exercício dos dons na igreja local

Wilson Borba

No início dos anos 2000, Peter Prime escreveu um livreto intitulado É Bom Ser Bom.1 Com base em seu conteúdo, o autor fez vários seminários ao redor do mundo para pastores e membros da igreja sobre um modo bíblico, simples e eficaz de levar pessoas a Cristo. O projeto consiste em três passos: oração, relacionamento amoroso e instrução dos membros para a missão.2 Em suas palestras, Prime destacava a importância de tornar a igreja mais amorosa, citando especialmente 1 Coríntios 13:8, “o amor nunca falha” (ARC), e o texto de Ellen White: “Se nos humilhássemos perante Deus, e fôssemos bondosos e corteses e compassivos e piedosos, haveria uma centena de conversões à verdade onde agora há apenas uma.”3 Impactado com sua proposta, decidi aproveitar as oportunidades que surgissem para praticar aquele projeto missionário.

Uma situação especial para testar o princípio apresentado por Prime veio quando assumi um distrito composto de seis congregações. Na primeira reunião com a liderança de uma delas, a diretora do grupo, demonstrando certa ansiedade, perguntou-me: “Pastor, o senhor veio para fechar nosso grupo?” Surpreso, respondi-lhe: “Nunca pensei nisso.” E perguntei: “Por quê?” Ela disse: “Nosso grupo não batiza uma pessoa há uns dois anos, e nosso pastor anterior disse que igreja que não batiza deve ser fechada. O que o senhor nos diz?” De fato, eu não acreditava que meu antecessor desejasse fechar aquele grupo, mas motivá-lo ao crescimento. Aqueles irmãos precisavam de ajuda, porém, eu não via como poderia ajudá-los.

Enquanto minha mente se elevava a Deus pedindo socorro, perguntei-lhes: “Vocês estão felizes em frequentar este grupo?” “Sim!”, foi a resposta. Ainda fiz outros questionamentos: “O aluguel é caro? Como estão as finanças?” A diretora disse que o valor do aluguel era acessível e havia saldo positivo na tesouraria. Então, Deus me fez lembrar das orientações de Peter Prime. Propus aos presentes deixarmos de lado a ideia de fechar o grupo. Contei-lhes sobre a importância de tornar a igreja mais amorosa e desafiei-os a simplesmente manter mais comunhão com Deus, orar por oportunidades missionárias e praticar o amor uns para com os outros. Combinamos de fazer “junta panelas” e convidar amigos e vizinhos para participar dessas ocasiões e dos cultos da igreja.

Qual foi o resultado? Pelo poder de Deus, algo maravilhoso aconteceu naquela pequena congregação! Naquele ano, os batismos voltaram a ocorrer, e as mulheres animaram-se para realizar um evangelismo no bairro vizinho. Elas convidaram os desbravadores para anunciar o evento, e aos sábados à tarde reuniam as crianças da vizinhança. O projeto incluía estudo da Bíblia e alimentação. O movimento cresceu, e os pais daquelas crianças foram atraídos às reuniões e participaram dos estudos bíblicos. Como resultado, surgiu uma linda igreja naquele bairro. O projeto de tornar a igreja mais amorosa deu certo, e pude comprovar que verdadeiramente “o amor nunca falha” (1Co 13:8, ARC).

O maior dos dons

Muito tempo antes de Peter Prime apresentar seu projeto, Paulo recomendou esse princípio à problemática igreja de Corinto. O apóstolo havia fundado essa congregação durante sua segunda viagem missionária (At 18:1-11). Na primavera do ano 57, aproximadamente, enviou-lhe sua primeira carta.4 Nessa epístola, além de outras coisas, o apóstolo procura corrigir o mau uso dos dons espirituais decorrente de um conceito equivocado a respeito deles.

Em 1 Coríntios 12, Paulo apresenta a importância dos dons espirituais dentro da unidade orgânica do corpo de Cristo, a igreja. No capítulo 14, enfatiza o exercício adequado dos dons, especialmente o dom de línguas. Entretanto, 1 Coríntios 13 ocupa a posição principal no meio dos outros dois capítulos, servindo como moderador na longa discussão sobre os dons espirituais, claramente definida em três seções: (a) a superioridade do amor (v. 1-3); (b) a natureza do amor (v. 4-7); e (c) a permanência do amor (v. 8-13).5

Ao discutir o tema entre 1 Coríntios 12 e 14, Paulo colocou o amor no centro de seu argumento, primeiramente porque os coríntios, e nós também, temos absoluta necessidade do amor (1Co 12:31; Gl 5:6). Em segundo lugar, porque o amor, sendo priorizado e praticado, atuaria como uma força harmonizadora e modeladora na igreja. O capítulo 13 é considerado a “maior, mais forte e mais profunda declaração feita por Paulo”.6 Segundo Tertuliano, a descrição acerca do amor, nesse capítulo, foi feita “totis Spiritus virbus”, ou seja, “com toda a força do Espírito”.7 Contudo, o propósito do Espírito Santo não era simplesmente produzir uma admirável obra literária, mas edificar a igreja.8 Esse objetivo fica evidente, pois, no capítulo 13, revela-se “a atitude e atmosfera apropriadas, o motivo e o poder adequados, o ‘caminho mais excelente’ (12:31), no qual Deus planejou o funcionamento de todos os dons”.9

Paulo começou o capítulo apresentando os valores mais significativos para os cristãos coríntios: falar em línguas e ter o dom de profecia.10 No entanto, em 1 Coríntios 12:28 a 30, o apóstolo colocou o dom de línguas em último lugar. Afinal, por que eles teriam preferência pelo último dos dons listados? Tudo indica que os membros da igreja eram ignorantes e imaturos a respeito dos dons espirituais (1Co 12:1; 14:20). Aparentemente, alguns apreciavam mais o dom de línguas porque lhes conferia posição diferenciada sobre os demais. No entanto, o propósito dos dons espirituais não era fazer com que alguém se sentisse superior, muito menos inferior (1Co 12:7-11).11

Em realidade, os coríntios necessitavam priorizar a unidade e a edificação da igreja, não o prestígio ou a posição individual. Por exemplo, Paulo era poliglota (1Co 14:18), falava grego, hebraico e, provavelmente, aramaico e latim (At 17:22-31; 21:37; 22:2), mas não se orgulhava disso (1Co 14:19). Aliás, seu propósito era “corrigir a avaliação errada que os coríntios faziam dos dons, em especial o de línguas, e motivá-los a buscar o amor como o atributo mais valioso”.12 Para o apóstolo, uma pessoa sem amor é “como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1Co 13:2).
Por meio da ilustração do címbalo, ele representou a condição de alguns membros da igreja de Corinto. Desde a antiguidade, os gongos têm pelo menos duas características: são muito ruidosos e pouco melodiosos. Assim, Paulo dava a entender a seus leitores que igrejas ou pessoas sem amor geralmente são barulhentas e pouco harmoniosas. De fato, barulho e ostentação não são evidências de piedade (por exemplo, 1Rs 18:26-29; 1Co 14:9-11).

Lamentavelmente, à semelhança dos coríntios, alguns professos cristãos são como “um vagão vazio, que desce violentamente por uma colina; faz muito barulho porque nada tem dentro”.13 Em 1 Coríntios 13:1 a 3, Paulo cita seis dons: línguas, profecia, ciência, fé, doação e martírio; contudo, por duas vezes declara que, sem amor, eles nada valem. O apóstolo parece apresentar uma equação. Se o amor estiver ausente, seja na prática de apenas um desses dons ou no exercício de todos, o resultado será o mesmo: zero!

Com isso, Paulo não estava depreciando os dons, mas exaltando o amor como dom indispensável e incomparável.14 A palavra nada usada pelo apóstolo implica miséria e pobreza.15 O amor é tão necessário que mesmo o dom de profecia sem ele deve ser rejeitado.16 Ao indicar 14 características do amor (v. 4-7), o apóstolo compara sua perfeição com a transitoriedade de outros dons (v. 8-13). Chegará o dia quando não mais precisaremos exercer a fé e a esperança, pois “veremos face a face” (v. 12).
Por sua vez, o amor “jamais acaba”. Ele tem essa poderosa superioridade, “primeiro, por sua excelência inerente e, segundo, por sua perpetuidade”.17

Infelizmente, ao longo da história do cristianismo, pareceu mais fácil ser ortodoxo e ativo no trabalho da igreja do que amoroso.18 Às vezes, esquecemos que “o êxito de nossa obra depende de nosso amor a Deus, e de nosso amor aos nossos semelhantes”, e que “quando houver ação harmoniosa entre os membros individuais da igreja, quando houver manifesto amor e confiança de um irmão para com outro, haverá proporcional força e poder em nossa obra, para a salvação dos homens”.19 A fim de cumprirmos a missão, que tal agora, verdadeiramente tornarmos a igreja mais amorosa, começando por nós mesmos? 

Referências

1 Peter J. Prime, É Bom Ser Bom (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007).

2 Prime, É Bom Ser Bom, p. 13-15.

3 Ellen G. White, Beneficência Social (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 86.

4 Francis D. Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia: Atos a Efésios (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p. 723.

5 George Arthur Buttrick (ed.), The Interpreter’s Bible (Nashville, TN: Parthenon Press, 1980), v. 10, p. 167.

6 Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia: Atos a Efésios, v. 6, p. 855.

7 Russell N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado (São Paulo: Candeia, 1995), v. 4, p. 202.

8 John MacArthur, 1 Corinthians (Chicago: Moody Press, 1996), p. 327.

9 MacArthur, 1 Corinthians, p. 328.

10 Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Filadélfia: Fortress Press, 1975), p. 220.

11 MacArthur, 1 Corinthians, p. 328.

12 Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia: Atos a Efésios, v. 6, p. 856.

13 Champlin, O Novo Testamento Interpretado, v. 4, p. 204.

14 John F. Walvoord e Roy B. Zuck, The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures (Wheaton, IL: Victor Books, 1985), v. 2, p. 535.

15 Leon Morris, 1 Coríntios: Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 1986), p. 146.

16 Morris, 1 Coríntios, p. 146.

17 Charles Hodge, 1 Corinthians (Wheaton, IL: Crossway Books, 1995), s. 1Co 13:1.

18 MacArthur, 1 Corinthians, p. 327.

19 Ellen G. White, Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 188.

Wilson Borba, doutor em Teologia, é diretor do Seminário Teológico da Faculdade Adventista da Amazônia