O Antigo Testamento contém numerosas referências sobre Deus aparecendo realmente a seres humanos, tanto em sonhos (Gên. 20:3), como através de mensageiros (Juizes 6:11) ou em manifestações pessoais de Sua presença, chamadas teofanias (Êxo. 19:9).1 A palavra teofania é derivada das expressões gregas theos = Deus; e phaino = aparecer.

Usualmente Deus aparece como um guerreiro para lutar e julgar as nações, ou para livrar Seu povo do poder opressivo de algum inimigo (Isa. 30:27: Miq. 1:3 e 4: 3:1 e 2; Zac. 14:5-11).

A intervenção de Deus na história humana foi impacientemente aguardada por Seu povo. Na verdade, em muitas ocasiões, tal expectativa proveu esperança para o futuro. As manifestações de Deus a indivíduos, ou ao povo, foram particularmente impressivas porque elas freqüentemente eram acompanhadas por extraordinários fenômenos no mundo natural, bem como por uma exibição do poder e da glória de Deus. Tais intervenções, embora incomuns, serviam como modelos de Sua futura manifestação escatológica nos negócios humanos.

O advento e a teofania

De uma perspectiva cristã, poderíamos sugerir que aquelas antigas teofanias eram precursoras da grande e gloriosa vinda do nosso Senhor Jesus Cristo. Em muitas formas elas eram uma pálida reflexão da inédita demonstração de glória que os seres humanos testemunharão no retorno de Cristo. As Escrituras testificam que Jesus virá no esplendor de Sua divindade. Ele disse aos discípulos que o Filho do homem virá “na glória de Seu Pai com os santos anjos” (Mar. 8:38). Perto da crucifixão, Ele orou: “E, agora, glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo” (João 17:5).

A glória do pré-encarnado Filho é a mesma glória que será revelada por Ele em Sua segunda vinda. Pedro refere-se a esse evento como o tempo quando a glória de Cristo será revelada (I Ped. 4:13). Na encarnação, Sua glória foi encoberta sob o véu da carne humana, e por enquanto ainda está velada no Céu. Mas por ocasião do fim, será completamente descerrada para o mundo.

Na Bíblia, a glória de Deus freqüentemente se refere ao Seu caráter (João 1:14) e à Sua natureza única, que o distingue do mundo criado. Simplesmente não há ninguém igual a Ele, porque não existe outro Criador. Tudo o que existe é parte de Sua criação.

Mas Sua glória também se refere ao resplendor da impenetrável luz que envolve Sua pessoa (I Tim. 6:16). Essa mesma glória pertence por natureza ao Filho de Deus e será revelada, como nunca dantes, na Parousia. Nessa gloriosa teofania todas as outras teofanias encontrarão seu completo significado de uma forma que transcende a imaginação humana.

O uso ocasional do termo epifania no Novo Testamento, para designar o retorno de Cristo, apóia a visão de que Ele retornará ao planeta e revelará a glória de Sua divindade. Em I Timóteo 6:14, Paulo usa a frase “até à manifestação [epiphaneia] de nosso Senhor Jesus Cristo”. E na segunda carta aos cristãos tessalonicenses 2:8, os termos epifania e parousia são combinados para designar o mesmo evento glorioso.

A palavra epiphaneia, no grego secular, referia-se à aparência exterior de uma pessoa; mas no contexto religioso designava a manifestação e intervenção dos deuses em favor de seres humanos.2 No Novo Testamento, a expressão refere-se exclusivamente ao aparecimento de Jesus na encarnação (II Tim. 1:10), e particularmente à Sua manifestação na parousia. Sua presença é na verdade uma epifania religiosa, a manifestação de Deus em carne humana no evento da encarnação, e “a manifestação [epiphaneia] da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”, na segunda vinda (Tito 2:13).

Alguém já concluiu que “a Igreja cristã primitiva viu na encarnação de Jesus Cristo bem como em Seu segundo advento, a parousia final, a realização pessoal do prometido enviado de Deus’”3 anunciado no Antigo Testamento.

Tito 2:13 e 14 refere-se à gloriosa epifania dAquele que está vindo, “nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. Sua vinda pode ser descrita como gloriosa porque quem está retornando é, de fato, “nosso grande Deus e Salvador”.4 Embora Ele ainda conserve Sua humanidade, por ocasião de Sua vinda, a gloriosa divindade de Cristo fulgirá através dessa natureza humana em todo o seu insuperável poder e inigualável pureza. Quando Jesus vier pela segunda vez, a raça humana testemunhará a mais poderosa e gloriosa teofania já vista no mundo. Nosso Deus e Salvador aparecerá no tempo e no espaço em toda a Sua glória. Isso será a consumação de todas as teofanias precedentes.5

Natureza transformada

A unicidade da teofania de Cristo em Sua segunda vinda pode ser melhor compreendida ao ser contrastada com aquelas relatadas no Antigo Testamento, as quais foram geograficamente limitadas em sua extensão. Por exemplo, Ele apareceu a Abraão perto dos carvalhais de Manre (Gên. 18:1), a Moisés, no deserto (Êxo. 3:1), e pelo menos parcialmente ao povo de Israel no Monte Sinai (Êxo. 19:16-18). Mesmo o Deus-homem, Cristo Jesus, teve Sua presença limitada à Palestina.

Freqüentemente a manifestação da presença do Senhor era acompanhada por sons de trombetas e por extraordinários fenômenos naturais: abalo da Terra, grossas nuvens, trovões e relâmpagos (Êxo. 19:18 e 19). A natureza parecia ser totalmente incapaz de conter a terrível presença do Criador. Em contraste com essas aparições localizadas, o retorno de Jesus transcenderá os limites geográficos e envolverá de uma forma misteriosa todo o planeta. Essa dimensão universal estava ausente em todas as outras teofanias registradas na Bíblia, caracterizando-a como a consumação da presença de Deus no mundo.

Quando a presença visível de Deus for sentida no mundo, os elementos teofânicos adquirirão dimensões universais. O terremoto afetará cada montanha e ilha do planeta (Apoc. 6:14), o som de trombeta alcançará todo rincão do mundo (I Tess. 4:16; Mat. 24:31), e o fogo envolverá a Terra (II Ped. 3:10). Nada escapará às convulsões da natureza no momento do retorno do “nosso grande Deus e Salvador”.

O propósito da presença visível de Deus no mundo natural é transformá-lo e redimi-lo da opressão do pecado. Tal manifestação pode acontecer em forma de fogo, mas tem o propósito de purificar. Para Moisés, a sarça estava ardendo em chamas, mas, nesse processo, ele foi incorporado por Deus ao reino da santidade (Êxo. 3:4 e 5). Na manifestação do divino poder de Cristo, o fogo de Sua presença submerge a natureza, não para destruir, mas para redimi-la. Paulo indica que através da teofania escatológica, a criação “será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rom. 8:21).

Teofania visível

As aparições de Deus relatadas na Bíblia foram vivenciadas por um limitado grupo de pessoas. Abraão, Moisés e os israelitas encontraram Sua presença de modo peculiar, mas também Jó (38:1), Elias (I Reis 19:11-13), Isaías (Isa. 6:1-4) e outros. Na maioria das vezes, a presença do Senhor foi manifestada somente a indivíduos. Mas, indubitavelmente, as maiores teofanias registradas no Antigo Testamento tiveram lugar no Monte Sinai, quando “Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. … E o clangor da trombeta ia aumentando cada vez mais; Moisés falava, e Deus lhe respondia no trovão” (Êxo. 19:17-19).

Nesse dia, o Senhor apareceu “à vista de todo o povo” (19:11). Não apareceu apenas aos líderes e mediadores do povo, mas diretamente à totalidade da comunidade religiosa. Nenhuma outra nação tivera encontros tão íntimos com seus deuses como os israelitas tinham com seu Deus (Deut. 4:32-34).

Todavia, o glorioso retorno de nosso Deus e Salvador romperá o modelo de todas as teofanias anteriores, pois será testemunhada por todo ser humano sobre a Terra. Cristo estabeleceu que “todos os povos da terra… verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória” (Mat. 24:30). João traduz, numa linguagem clara como cristal, a revelação global da divindade de Cristo durante a parousia: “Eis que vem com as nuvens, e todo olho O verá…” (Apoc. 1:7).

Essa teofania será a maior exibição de luz e som já experimentada por qualquer ser humano: a glória, a luz e os sons celestiais atravessam as trevas e a dissonância de um mundo pecaminoso. Pecadores serão abalados desde o íntimo do ser enquanto vêem o Filho de Deus descendo dos Céus com a mesma glória que tinha com o Pai desde a eternidade (Apoc. 6:15). Ele será visto por Seus inimigos como um divino guerreiro, cuja presença é suficientemente poderosa para destruí-los (II Tess. 2:8).

A um sinal desse divino guerreiro, as forças do mal perderão a vontade de lutar, e possuídas pelo terror buscarão inutilmente um lugar onde possam esconder-se da universal manifestação de Deus em Sua segunda vinda. Não há como escapar da presença visível de Deus porque não existe lugar no planeta onde ela não seja poderosamente sentida. Naquela ocasião não haverá esconderijo para pecadores impenitentes.

A visibilidade dessa teofania absorve o planeta em uma explosão de luz que torna real a presença de Cristo, levando os redimidos a exclamar: “Este é o nosso Deus, em quem esperávamos, e Ele nos salvará” (Isa. 25:9). Eles terão um incomparável encontro com Deus. Então, um dos mais profundos anelos do coração humano – ver o Criador e Redentor – será satisfeito. O divino guerreiro será visto por eles não como um inimigo, mas como Aquele que está vindo de Sua morada celestial para libertá-los da opressiva presença do mal. Vê-Lo significa experimentar a consumação da liberdade que Ele nos possibilitou durante Seu primeiro advento.

Reunificação permanente

As teofanias bíblicas estão limitadas pelo tempo. Deus apareceu a indivíduos durante curtos períodos. Havia elementos de encontro e de separação; chegada e partida. Conseqüentemente, não havia naquelas teofanias uma reunificação permanente de Deus com os seres humanos num relacionamento face a face. O plano de redenção não havia alcançado ainda seu objetivo último. Mas na segunda vinda de Cristo, o plano de salvação será plenamente cumprido e Sua presença entre Seu povo será visível e permanente.

Paulo aponta com olhar visionário a parousia, e a equipara ao momento quando “estaremos para sempre com o Senhor” (I Tess. 4:17). Transformados pelo poder de Deus manifestado na pessoa do Seu Filho, Seus servos estarão então habilitados a permanecer na presença do Senhor. Essa não é outra teofania. Pelo contrário, ela define nosso novo estilo de existência – livre do poder da morte, introduzidos no reino da eternidade, e dando um fim radical a toda espécie de separação (I Cor. 15:51-54). Viver permanentemente na imediata e visível presença de Deus não mais será uma experiência incomum, extraordinária e transitória como tem sido, mas uma situação normal em nossa experiência.

Paulo deixa claro que o grande Deus que está vindo é Aquele que “a Si mesmo Se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade…” (Tito 2:14). É quando o mortal for revestido de imortalidade que a natureza humana finalmente será despida do escravizante poder da iniqüidade e estará livre para amar em pureza de coração. Sim, os seres humanos serão capazes de expressar amor de maneira natural, livres da presença corruptora do pecado em sua natureza.6 A entrada na eternidade com Deus requer uma transformação total da natureza humana, porque o reino celestial é pautado pela pureza do amor divino que foi encarnado nAquele que está vindo.

Os cristãos alegremente aguardam a vinda do Filho de Deus ao mundo. O Deus que está vindo é o mesmo que foi crucificado por nós, mas agora aparecerá como o divino guerreiro que confronta as forças do mal e as destrói pelo poder de Sua presença. O Seu encontro com a natureza resultará na transformação desta, bem como sua final incorporação na gloriosa liberdade que experimentam os filhos de Deus. É através do aparecimento de Cristo que a natureza humana experimentará a liberdade definitiva da corrupção interior, permitindo a introdução dos remidos em uma permanente visão de Deus, da qual todas as outras manifestações têm sido pálidos modelos. ☆

ANGEL MANUEL RODRÍGUEZ, Th.D., diretor associado do Instituto de Pesquisa Biblica da IASD, em Silver Spring, Estados Unidos

Referências:

1 Horst Dietrich Preuss, no Theological Dictionary of the Old Testament, vol. 2. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren, editores; (Grand Rapids, Ml: Eerdmans, 1974). págs. 44-49.

2 Rudolf Bultmann e Dieter Lührmann, Theological Dictionary of the New Testament, vol. 9. Gerhard Friedrich, editor; (Grand Rapids. Ml; Eerdmans, 1974), pág. 8.

3 P. G. Müller, Exegetical Cidtionary of the New Testament. vol. 2, Horst Balz e Gerhard Schneider, editores: (Grand Rapids. Ml: Eerdmans, 1991). pág. 44.

4 George W. Knight III, Commentary on the Pastoral Epistles. (Grand Rapids. Ml: Eerdmans. 1992. pág. 323. A frase “nosso grande Deus e Salvador” refere-se apenas a uma pessoa, Jesus. No grego, sempre que um substantivo tem um artigo definido e está unido a um substantivo indefinido pela conjunção kai (e). os dois substantivos designam a mesma pessoa ou coisa. Ao lado disso o pensamento expresso no verso 13 é transportado ao verso 14. onde o sujeito da sentença é um pronome singular referente a Jesus (“que a Si mesmo Se deu…”).

5 Fritz Guy. The Advent Hope ín Scripture and History. V. Norkskov Olsen, editor: (Hagerstown, MD; Review and Herald Publishing. 1987). págs. 217 e 218.

6 Fritz Guy. Op. Cit., pág. 223.