Na comparação que estabelece entre Cristo e os sacerdotes levitas, o autor do livro aos Hebreus dedica algum tempo tratando do tabernáculo. Especialmente os capítulos oito e nove falam de maneira mais demorada desse assunto. Era necessário que, assim como o sacerdote instituído por lei, também nosso Senhor tivesse um tabernáculo onde exercer o Seu ministério, e que esse tabernáculo fosse superior ao figurativo.
Princípalmente no capítulo nove da epístola aos Hebreus, o autor procura estabelecer uma comparação entre o que chama de “o tabernáculo”1, dividido em uma parte chamada Santo Lugar e outra denominada Santo dos Santos, e o tabernáculo “maior e mais perfeito”, mediante o qual Cristo “entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção”.2
Os versos 11 e 12 nos dão conta de que Jesus valeu-Se de duas coisas para entrar no Santo dos Santos: “o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação”, e o Seu próprio sangue. Basta fazermos a pergunta ao verbo entrar, para constatarmos que assim acontece. Quando perguntamos a este verbo: mediante o quê entrou Cristo no Santo dos Santos? A resposta encontrada no verso 11 é que isso aconteceu “mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação”. E no verso 12, “pelo Seu próprio sangue”.
Que Jesus tenha entrado no Santo dos Santos “pelo Seu próprio sangue”, é assunto que não exige tanto esforço para entender, uma vez que era com sangue que o sumo sacerdote levita entrava no Santo dos Santos. Tirante o fato de que, no caso de Cristo, o sangue levado para dentro do segundo compartimento era o do próprio oficiante, e não o de animais, a linguagem utilizada pelo escritor bíblico não demanda grande empenho da mente para ser compreendida.
Contudo, já não parece tão difícil entender que Jesus tenha entrado nesse mesmo Santo dos Santos “mediante o maior e mais perfeito tabernáculo” – um tabernáculo em cuja elaboração não entrou trabalho de mãos desta criação. Como poderá ter Ele entrado no Santo dos Santos, a parte mais sagrada do tabernáculo, “mediante o maior e mais perfeito tabernáculo”? Que tabernáculo é esse? Uma vez que o tabernáculo era um móvel, um objeto, como poderá ter Ele entrado por esse móvel em outro, mesmo que se trate do tabernáculo do qual o terrestre era uma cópia?
Corpo e cálice
Existem, nos evangelhos, certos fatos que lemos seguidamente sem, contudo, notar qualquer coisa que nos desperte a atenção. Não obstante, bem faríamos em desejar saber o motivo pelo qual tais registros ali estão, ainda que sem o propósito de querer ir além daquilo que convém saber, como disse o apóstolo Paulo.
Um desses registros é o da Santa Ceia. Quando Se assentou à mesa para celebrar essa cerimônia com os discípulos, “Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o Meu corpo”.3 Poderia ter servido apenas o cálice, símbolo do Seu sangue, caso não houvesse em Seu corpo virtudes redentoras. Contudo, não só serviu o pão, mas salientou o aspecto salvífico a ele ligado. Conforme o evangelista Lucas, Jesus serviu o pão acompanhando-o das palavras: “Isto é o Meu corpo oferecido por vós.”4 É, portanto, tão grande o valor do corpo de nosso Senhor, quanto o do Seu sangue. Só o fato de as Escrituras considerarem o sangue como a vida,5 e esta como representando o ser todo, pode dar ao sangue uma aparente superioridade sobre o corpo. Jesus, porém, igualou esses dois valores em Sua pessoa.
Portanto, se entendermos por “tabernáculo” o corpo de Cristo, em Hebreus 9:11, torna-se imediatamente compreensível o que o escritor deseja dizer, ao afirmar que Jesus entrou no Santo dos Santos “por um maior e mais perfeito tabernáculo”. Pois Seu corpo possuía tanto mérito quanto Seu sangue, para entrar no Santo dos Santos. Cumpre lembrar-mos o que de Jesus está escrito no livro aos Hebreus: “Com efeito nos convinha um sumo sacerdote, assim como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores, e feito mais alto do que os Céus.”6 Essas qualificações, alcançou-as Cristo em Sua vida diária, enquanto aqui esteve. “Com forte clamor, e lágrimas”,7 ofereceu Ele “orações e súplicas a quem O podia livrar da morte”. E fez isso “nos dias da Sua carne”, ou seja, como pessoa que buscava a santificação.
Esse corpo, que procurou santificar me-diante uma vida de ligação com o Pai, entregou-o Ele, ao dizer: “Isto é o Meu corpo … isto é o Meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados.”8
Reconstruindo o santuário 1 2o templo foi estabelecido, estão destruindo a Jesus. Só os discípulos, após a ressurreição de Cristo, entenderam que a missão de Jesus era o evento escatológico para Israel como nação. Aceitam-nO como o verdadeiro templo de Deus no qual a divindade, em Sua plenitude, Se faz presente (João 1:14 e 16). Somente a fé pode apropriar-se desta plenitude de Deus que os discípulos receberam após a ressurreição de Cristo Jesus (João 2:22).”10
Pode aumentar a nossa estranheza o fato de o escritor bíblico referir-se a um tabernáculo “não feito por mãos, quer dizer, não desta criação”. Entretanto, não é a única vez que essa expressão é usada com relação ao corpo de alguém, e possivelmente pelo mesmo escritor do livro aos Hebreus, caso tenha sido Paulo o autor dessa epístola.
Em sua segunda carta dirigida aos Coríntios, o apóstolo dos gentios usa algumas figuras para representar o corpo humano. A primeira delas é “casa terrestre” e, juntamente com esta, a palavra tabernáculo. Suas palavras são as seguintes: “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos Céus. E, por isso, neste tabernáculo gememos, aspirando por ser revestidos da nossa habitação celestial.”3 O apóstolo parece estar repetindo, de maneira abreviada, aquilo que disse tão pormenorizadamente no capítulo quinze de sua primeira carta àquelas mesmas pessoas, ao falar da ressurreição. Nos versos 35 a 58, ele fala das transformações pelas quais deverá passar o corpo que agora possuímos, e do glorioso corpo que haveremos de possuir. Aí, antepõe ele ao terreno, aquilo que é do Céu.
Paulo cria que o nosso corpo, ainda que necessitado de mudanças, é um tabernáculo. Sabia que um dia nosso Senhor “transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da Sua glória, segundo a eficácia do poder que Ele tem de até subordinar a Si todas as coisas”.4 Mas em que pese dizer que a “casa não feita por mãos, eterna”, seja algo que nos está reservado para o futuro, ele relaciona isto com o nosso corpo, o tabernáculo que agora possuímos.
O apóstolo Pedro também dava ao corpo o sentido de um tabernáculo. Como seu colega Paulo, ele acreditava que, mediante o poder de Deus, por ocasião da ressurreição, tanto no seu caso como no das demais pessoas que forem salvas, todos possuiremos um corpo renovado e imortal. “Também considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças”,5 escreveu ele aos seus leitores.
Vemos assim que, em linguagem bíblica, não é raro comparar-se o corpo da pessoa que serve a Deus como um tabernáculo, e dizer que esse tabernáculo é “não feito por mãos”. No caso de Cristo, o Seu tabernáculo era “maior e mais perfeito” no mesmo sentido e pelas mesmas razões que O tornavam superior aos anjos, a Moisés e aos sumos sacerdotes levitas, como já tivemos oportunidade de mostrar em número anterior desta revista.
Triplo simbolismo
Poderá parecer estranho que, sendo “o exercer função sacerdotal. E, no entanto, foi sacerdote, vítima e… templo!
É bom recordarmos como Cristo passou Sua existência neste mundo. Durante toda a vida, nosso Senhor foi o oferecimento de uma oferta de cheiro suave a Deus, e a ministração dessa oferta realizou-a Ele no interior do tabernáculo móvel do Seu corpo. “Segundo a lei”,6 não teve Ele ocasião de oferecer dons em um santuário feito por mãos humanas; ofereceu, porém, o suave dom de uma vida inteira ligada com o Céu, experiência que se desenrolava no interior das paredes místicas do tabernáculo que conduzia para onde quer que fosse – o santuário do Seu corpo.
Pelos discípulos, bem como por toda a humanidade, procurou Jesus santificar-Se,7 como uma espécie de exercício diário de Seu ofício como sacerdote. Sua alma era um verdadeiro altar de incenso, do qual subia a Deus a espiral contínua da oração e consagração diárias.
Uma profecia messiânica sobre o ministério sacerdotal de Jesus enquanto esteve aqui, revela a importância que teve o Seu corpo como tabernáculo. Como sabemos, todo o sistema do culto hebreu girava em torno dos sacrifícios e ofertas que eram oferecidos. Não obstante, comenta o autor do livro aos Hebreus: “Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, antes corpo Me formaste; não Te deleitaste com holocaustos e ofertas pelo pecado.”8 O contexto revela ainda que Cristo veio fazer a vontade de Deus, e que por essa vontade “temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo feita uma vez”.9 Durante todo o Seu ministério terrestre, Jesus foi o sacerdote que oficiou no primeiro compartimento.
Como estamos lembrados, havia entre os objetos do tabernáculo um véu (Êxo. 26:31-37). Esse véu – na verdade um segundo véu (Heb. 9:3) – destinava-se a separar a par-te do tabernáculo, denominada Santo Lugar, da parte posterior, chamada San-to dos Santos. Jamais saberiamos o que aquele véu significava, na obra redentora de Cristo, se o escritor bíblico não dissesse que ele é uma figura da carne de nosso Senhor Jesus. De alguma forma que somente o Espírito Santo seria capaz de revelar, o autor reconheceu naquela cortina dependurada entre o primeiro e o segundo compartimento do tabernáculo, uma figura da carne do Salvador. Por intermédio desse véu, diz o escritor sagrado, podemos ir ao santuário.
“Cheio de graça e de verdade”,10 o Verbo Se fez carne e foi visto em forma velada entre nós. Sua carne, semelhante à dos seres humanos comuns, atenuava-Lhe a glória durante Sua permanência entre nós, a fim de que pudéssemos contemplá-Lo oficiando no primeiro compartimento do santuário; de resto, Seu próprio corpo.