Uma síntese dos antecedentes históricos da igreja emergente

No fim do século 19 e início do século 20, a raça humana viveu a expectativa de grandes realizações. A crença no desenvolvimento científico, que resultaria em respostas objetivas para os problemas do mundo, era a certeza de um novo tempo para a humanidade.1 Nessa perspectiva, acreditava-se que a sociedade moderna conseguiria alcançar, por meio da ciência, da industrialização e do capitalismo, uma condição contínua de progresso e realizações.2 Os países então seriam caracterizados por homens livres e pensantes, que viveriam em um regime democrático, respeitando os direitos individuais.3

Contudo, as duas guerras mundiais, o aumento de doenças, a adoção de sistemas políticos que não trouxeram igualdade entre os povos e os problemas ecológicos provenientes do desenvolvimento científico levaram as pessoas a descrer dos ideais modernos de progresso. Desse modo, os chamados pós-modernos passaram a questionar os pressupostos da modernidade. Para eles, é praticamente impossível alcançar soluções para os problemas humanos aplicando as leis naturais invioláveis do universo que, de acordo com seus antecessores, quando conhecidas e seguidas, levariam a humanidade a experimentar a sociedade ideal.

Além de refutar o ideal moderno, os pós-modernos também começaram a contestar qualquer instituição que, de forma objetiva, apresentasse soluções para o mundo. Duas em especial se tornaram alvos desse ceticismo: a família e a igreja. Tal descrença fez com que os jovens nos anos 80, 90 e 2000 se afastassem das denominações estabelecidas e buscassem respostas em movimentos que valorizassem a experiência espiritual sem, todavia, estar comprometidos com instituições religiosas.

A evasão da juventude que frequentava a igreja levou estudiosos cristãos a buscar respostas para o problema. Uma delas é o movimento emergente que, em alguns lugares, tem conseguido chamar atenção das novas gerações. As estratégias evangelísticas adotadas pela igreja emergente têm sido elogiadas e criticadas por vários líderes cristãos. A fim de se compreender melhor esse movimento, este artigo apresenta uma breve definição e descrição do contexto histórico em que ele se desenvolveu, com o objetivo de prover recursos para uma avaliação adequada de suas propostas.

Definição: tarefa difícil

Definir igreja emergente não é algo fácil de se fazer, pois o movimento é composto de variadas opiniões e lideranças, que defendem e aplicam teologias e práticas muito distintas.4 Scot McKnight, por exemplo, caracteriza o fenômeno por meio de cinco temas: (1) profético: critica a igreja atual de forma provocativa e busca promover mudanças; (2) pós-moderno: procura se engajar com a pós-modernidade, aceita-a como um fato que não pode ser mudado e entende que a igreja precisa se adaptar e aproveitar o máximo disso na evangelização; (3) orientado pela praxis: defende a primazia da ortopraxia sobre a ortodoxia, direcionando suas energias na adaptação da adoração para a cultura emergente, considerando assim promover uma igreja missional; (4) pós-evangélico: advoga a pluralidade teológica sem defender o exclusivismo religioso ou o monopólio de Deus pelo mundo cristão; e (5) político: ligado ao foco social e à liderança política da nação, na defesa dos direitos individuais, das minorias e das questões ecológicas.5

Eddie Gibbs afirma que “as igrejas emergentes são comunidades missionais que surgiram na cultura pós-moderna e consistem de seguidores de Jesus que estão procurando ser fiéis em seu tempo e lugar”.6 Segundo Kathy Smith, o movimento pode ser definido também como “uma mudança teológica/filosófica no que significa seguir Jesus”.7

Mark Driscoll, por sua vez, apresenta três tipos básicos de igrejas cristãs: tradicional e institucional, contemporânea e evangélica e, emergente e missional. Para ele, cada uma tem características diferentes e visam atingir públicos distintos. Sua proposta de trabalho, denominada “reformissão”, é o resultado da mistura de evangelho, cultura e igreja, que pretende combinar os melhores aspectos de todos os tipos já existentes de igreja, pois, “vive a tensão de ser culturalmente liberal; contudo, teologicamente conservadora”. Assim, procura estabelecer “igrejas que são absolutamente dirigidas pelo evangelho da graça para amar seu Senhor, seus vizinhos e seus amigos cristãos”.8

Ao analisar os escritos de opositores e defensores do movimento, percebe-se uma crítica à cosmovisão moderna e uma defesa de que a igreja emergente é uma resposta do cristianismo ao desafio missiológico da pós-modernidade.

Contexto histórico

Para entender como surgiu o movimento emergente, é necessário compreender um pouco da história do pensamento teológico a partir do século 19.

A teologia moderna foi significativamente influenciada pelos estudos de Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Seguindo o conceito epistemológico de Immanuel Kant (1724-1804), que não reconhecia a comunicação cognitiva entre o mundo de Deus e o mundo dos homens, o mundo natural e o sobrenatural,9 Schleiermacher concluiu que Deus Se comunica com o ser humano por meio dos sentimentos, não da razão. Assim, a religião é essencialmente uma intuição, um sentimento; é o milagre de ter um encontro direto com o infinito.10

Uma das reações à teologia moderna foi a neo-ortodoxia de Karl Barth (1886-1968). Ele e outros eruditos procuraram resgatar a teologia dos primeiros protestantes, enfatizando a transcendência divina e a revelação por meio de Cristo em detrimento da teologia natural. Rejeitou-se, portanto, o método crítico-histórico como única interpretação possível das Escrituras e buscou-se apresentar o evangelho a partir da própria Bíblia, sem recorrer ao auxílio do sistema filosófico.11 Muito embora a neo-ortodoxia tenha sido bem aceita na Europa, ela não teve grande influência no protestantismo norte-americano.

Outra resposta à teologia moderna é o fundamentalismo que, seguindo a escola teológica de Princeton, responde à teologia moderna afirmando cinco pontos essenciais: a inerrância bíblica, a divindade e o nascimento virginal de Cristo, a expiação substitutiva de Cristo, a ressurreição corpórea de Cristo, e a segunda vinda de Cristo.12

Como correção ao que foi considerado uma má apologética apresentada pelo fundamentalismo, surgiu nos Estados Unidos o neo-evangelicalismo. Esse grupo procura defender de maneira acadêmica muitos dos pressupostos fundamentalistas, mas com maior flexibilidade. Fernando Canale argumenta que eles se diferenciaram dos fundamentalistas em cinco áreas principais: (1) na responsabilidade social, defendem maior engajamento na cultura ao aplicar o evangelho; (2) na eclesiologia, promovem flexibilização missiológica para se envolver nos desafios modernos; (3) na ciência, aceitam gradativamente o modelo evolucionista; (4) na Bíblia e (5) na teologia, adotam parcialmente o método crítico-histórico e a inerrância parcial das Escrituras.13

A flexibilização neo-evangélica, somada à adoção de práticas carismáticas no estilo de adoração das principais igrejas protestantes norte-americanas, levou ao crescimento da frequência aos cultos e ao uso do pragmatismo nas estratégias missiológicas por parte dos pastores. Destaca-se nesse contexto o surgimento das megachurches, que alcançaram grande sucesso ao adotar estratégias mercadológicas de evangelização centralizadas em estilos de adoração para atingir a mente secular.14

Com a mudança de paradigma da modernidade para a pós-modernidade, o movimento evangélico continua seu processo natural de adaptação à nova realidade cultural. Inspirado nas megachurches e usando estratégias de marketing, surge o movimento emergente, como uma evolução do conceito das megachurches, conforme afirmou Hans Küng.15

Embora a própria igreja emergente reconheça que há divergências tanto em sua teologia quanto em suas práticas, ela representa a continuação do esforço missiológico neo-evangélico de ser relevante em sua cultura dentro da crise entre modernidade e pós-modernidade. Alegando que a igreja evangélica, formada dentro da modernidade, não é capaz de responder às necessidades da sociedade pós-moderna, o movimento constrói sua identidade contrapondo modernismo e pós-modernismo, criticando as bases modernas do mundo evangélico, mas usando a mesma base da teologia moderna, a teologia como doxologia. Assim, colocam no centro da espiritualidade a vida da igreja e a adoração.

Apresentando-se como uma crítica à modernidade e à irrelevância da igreja para a sociedade pós-moderna, o movimento aponta problemas e propõe soluções para que o cristianismo continue a ser relevante e o evangelho de Cristo possa atingir o mundo secularizado. Os principais pontos criticados pela igreja emergente são: (1) a maneira moderna de fazer igreja não alcança as novas gerações; (2) não há coerência no mundo religioso entre o que é defendido como regra de fé e prática e o que é vivido; (3) a arrogância religiosa que defende o absolutismo da verdade; (4) a defesa da ortopraxia em oposição à ortodoxia; (5) uma igreja verdadeira só alcança seus objetivos se for relevante em sua comunidade; (6) o fundamentalismo evangélico;16 (7) a necessidade de uma reforma que tenha um cunho missiológico; e (8) a importância de uma visão eclética e ecumênica de adoração.

Conclusão

Embora muitos problemas levantados pelos emergentes sejam válidos e mereçam uma resposta da igreja, sua metodologia, base teológica e filosófica devem ser avaliadas se são consistentes com a revelação bíblica. Como mudanças culturais são inevitáveis e têm ocorrido de forma muito veloz em nossos dias, a igreja de Cristo no tempo do fim tem que se levantar e, de maneira sábia e criativa, desenvolver métodos que possam alertar o mundo
de sua condição, dar-lhe uma visão correta do momento histórico em que vivemos e de como estar em pé no dia do Senhor. Isso, contudo, deve ocorrer sem que se perca a identidade escatológica expressa em sua teologia de missão. 

Referências

  • Stuart Gieben Bram Open University Hall, Formations of Modernity (Oxford: Polity in association with Open University, 1992).
  • 2 Anthony Giddens, Runaway World: How Globalisation Is Reshaping Our Lives (Londres: Profile Books, 2002).
  • Gary K. Browning, Abigail Halcli e Frank Webster, Understanding Contemporary Society Theories of the Present (Londres: SAGE, 2000).
  • Aaron Flores, “An Exploration of the Emerging Church in the United States: The Missiological Intent and Potential Implications for the Future” (dissertação de mestrado, Vanguard University, 2005), p. 7.
  • Ibid.
  • 6 Eddie Gibbs e Ryan K. Bolger, Emerging Churches: Creating Christian Community in Postmodern Cultures (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005), p. 28.
  • 7 Kathy Smith, “Training Wheels”, Congregations 39, n. 3 (2012): p. 19.
  • 8 Mark Driscoll, Confessions of a Reformission Reverend: Hard Lessons from an Emerging Missional Church (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006), p. 16.
  • Immanuel Kant, Critique of Practical Reason (Indianapolis: Hackett Pub. Co., 2002).
  • 10 Friedrich Schleiermacher, On Religion: Speeches to Its Cultured Despisers (Nova York: Harper, 1958).
  • 11 Roger E. Olson, The Story of Christian Theology: Twenty Centuries of Tradition & Reform (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1999), p. 570-589.
  • 12 Fernando Canale, “The Emerging Church – Part 1: Historical Background”, Journal of the Adventist Theological Society 22, n. 1 (Spring 2011), p. 94.
  • 13 Ibid., p. 96.
  • 14 Ibid.
  • 15 Hans Küng, Theology for the Third Millennium: An Ecumenical View (Nova York: Doubleday, 1988).
  • 16 Brian McLaren, A Generous Orthodoxy: Why I Am a Missional, Evangelical, Post/Protestant, Liberal/Conservative, Mystical/Poetic, Biblical, Charismatic/Contemplative, Fundamentalist/Calvinist, Anabaptist/Anglican, Methodist, Catholic, Green, Incarnational, Depressed-yet-Hopeful, Emergent, Unfinished Christian (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006).