A década de 90 marca o centenário adventista em vários países da América Latina. Quando o adventismo foi plantado no solo hispânico, depois de começar nos Estados Unidos, era como a semente de mostarda na parábola de Cristo -pequena, insignificante e ignorada. Mas hoje o adventismo da América Latina cresce em proporção agigantada, com um número de membros que ultrapassa a marca de 2,5 milhões. Esse crescimento notável do adventismo num ambiente estranho e hostil testifica de uma história de fé e labuta, aventura e sacrifício, a liderança divina e a obediência da Igreja ao chamado.

Após um século de bênçãos na América Latina, seria apropriado refletir sobre as marcas distintivas do começo, as estratégias de crescimento através dos anos e o desafio do futuro.

Marcas distintivas

Como em outras partes do mundo, três fatores significantes caracterizam o começo do adventismo na América Latina.

Primeiro, a influência da literatura. As publicações adventistas chegaram a vários países da América Latina entre 1880 e 1890. Em todos os casos conhecidos, os imigrantes nesses países foram os primeiros a receber tal literatura em sua língua materna, em sua maioria. Publicações alemãs chegaram ao Brasil em 1879 e foram distribuídas em algumas colônias alemãs no Sul do país por pessoas que ainda não eram adventistas. Revistas e folhetos em francês chegaram a colônias francesas e suíças, na Argentina, por volta de 1885. Aproximadamente ao mesmo tempo, publicações na língua inglesa foram distribuídas em Honduras e Belize.1

Segundo, o testemunho de leigos. Antes que qualquer empregado denominacional assalariado promovesse o adventismo, os leigos tinham começado o trabalho. Uma dona de casa foi a primeira pessoa a partilhar sua fé, em Honduras, no ano de 1885. Sitiantes adventistas estabelecidos na Argentina organizaram uma Escola Sabatina, em 1890, a primeira em território sul-americano. Um alfaiate adventista teve seu encontro na cidade do México, em 1891. Essa participação de leigos e de obreiros voluntários foi não apenas fundamental para o começo do adventismo na América Latina, mas, como veremos posteriormente, tem sido um elemento chave na expansão da Igreja noutras décadas.

Terceiro, o trabalho de obreiros de manutenção própria. A Comissão de Missões Estrangeiras da Associação Geral, organizada em 1889, enviou os primeiros três missionários de manutenção própria (colportores) à América do Sul, em 1891 e, logo depois, esses três missionários estavam espalhando o evangelho em quatro países: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. O trilho aberto por eles levou à organização das primeiras igrejas adventistas entre 1894 e 1896.

Outro grupo de obreiros de manutenção própria, nesse caso médicos e enfermeiros, se estabeleceu em Guadalajara, México, em 1893, na primeira tentativa de organizar a obra médica fora dos Estados Unidos.Como resultado, a primeira igreja no México surgiu em Guadalajara.

Literatura, trabalho de leigos, colportores, médicos e enfermeiros voluntários são as marcas do pioneirismo adventista na América Latina.

Estratégias de crescimento

Os primeiros adventistas talvez não estivessem cônscios dos termos técnicos para as estratégias que empregaram para plantar igrejas nos vários países latino-americanos. Porém, um estudo dos princípios evangelísticos, pastorais e administrativos empregados por aqueles pioneiros, revela o que a missiologia contemporânea considera estratégias “modernas” do crescimento da igreja. Os princípios são os seguintes:

Unidades homogêneas – Uma unidade homogênea é um grupo da população que possui algo em comum: cor, raça, renda ou algum outro fator de união. Como um perito em crescimento de igreja afirma, “quando diferenças apreciáveis de cor, status, renda, higiene e educação estão presentes, as pessoas compreendem me-lhor o evangelho pregado por indivíduos do seu grupo. Preferem unir-se a igrejas cujos membros se parecem, falam e agem como eles mesmos”.3

O adventismo na América Latina deitou assim raízes, primeiro em unidades homogêneas da população em vez de entre os aborígenes. As primeiras congregações no Caribe Latino, América Central e nos outros países ao Norte da América do Sul foram organizadas em colônias de língua inglesa ou francesa. No restante da América do Sul, colônias suíças, russas e especialmente alemãs foram as primeiras a receber e aceitar a mensagem adventista. Com a passagem do tempo, a fé adventista estendeu-se desses grupos homogêneos para as populações nativas dos vários territórios.

Responsabilidade social – Esta questão tem provocado acaloradas discussões nos círculos religiosos, especialmente depois da emergência da teologia da libertação na América Latina. Os adventistas, no entanto, tinham recebido, desde o início, conselho inspirado sobre a questão da responsabilidade social. O conselho definitivo foi o de seguir os passos de Cristo que, “pelo bem realizado, por Suas palavras de amor e atos de bondade … interpretou o evangelho aos homens”.4

Os pioneiros adventistas na América Latina observaram esse tipo de “hermenêutica”. Além de pregar o evangelho, eles o viviam e o praticavam em sua relação com os vizinhos, especialmente os que eram oprimidos e carentes. Diversos analistas do protestantismo na América Latina concluem que esse foi um dos segredos do êxito dos adventistas nessa região. Um autor católico afirma: “A obra missionária do adventismo não se limita a pregar, embora isso exceda tudo o mais. Na realidade, o adventismo prega com suas escolas de di-versos níveis, sua indústria agrícola, seus hospitais e suas faculdades de medicina. E tudo isso é espalhado pelo mundo. É o trabalho prático e positivo de uma igreja que, enquanto espera o fim, não o faz de braços cruzados.”5

Um antropólogo alemão que estudou os adventistas nos altiplanos bolivianos afirma: “A praxis da missão adventista foi desde o início, e em todo o tempo, algo mais do que o cumprimento do mandato evangélico. Junto com a expansão da palavra bíblica, iam os atos de misericórdia que eram manifestados pela atenção médica e na educação em escolas.”6

Os altiplanos do Peru também ilustram o segundo princípio de crescimento da Igreja Adventista na América Latina. Quando Fernando e Ana Stahl chegaram às margens do Lago Titicaca, no começo do século, imediatamente reconheceram que instrução era uma das necessidades mais prementes entre os nativos. Começaram a estabelecer escolas elementares e a preparar professores nativos para o trabalho. Uma década mais tarde, dezenas de escolas cuidavam de centenas de crianças nativas. O ensinar em vez de pregar, produziu conversões em massa. As escolas eram seguidas por organização de igrejas, e por volta de 1920, mais de três mil membros tinham-se unido à Igreja na região.7

A bacia do Amazonas oferece outra ilustração. Aqui a estratégia de “pregar e viver o evangelho” não só produziu um crescimento extraordinário, como também produziu reconhecimento e apreço da Igreja por parte da população em geral e das autoridades governamentais em particular.

Estudiosos de religião tomaram nota do trabalho desenvolvido pelos adventistas. J. B. Kessler, em 1967,8 e David Martin, em 1990,9 em suas obras sobre o protestantismo na América Latina, concluíram que os adventistas têm sido agentes no “processo de mobilidade social”. Isto é, o adventismo melhora a qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades que aceitam a mensagem.

Os adventistas têm sido agentes no processo de mobilidade social, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades que aceitam sua mensagem, em países latino-americanos.

Envolvimento dos leigos – A terceira estratégia no crescimento do movimento adventista não começou até meados da década de 50 e ainda permanece um elemento chave de crescimento: a participação dos leigos. Quase todos os países na América Latina têm tido uma participação elevada de leigos tanto no evangelismo como na liderança da igreja local. O espaço limita uma análise dos fatores que produzem uma mobilização tão vasta dos leigos, mas precisamos notar alguns fatores gerais.

Desde a Segunda Guerra Mundial, a América Latina tem experimentado tremendas convulsões sociais, políticas e econômicas. Esses fatores afetam o crescimento da Igreja. Por exemplo, crises financeiras forçam a maior parte das Associações e Missões numa situação na qual não podem manter pastores em proporção com o crescimento de membros. Como resultado, os líderes têm sido obrigados a envolver os leigos na execução de deveres evangelísticos e pastorais. Na América Latina, não é fora do comum ver um pastor encarregado de cinco ou mais igrejas e uma dezena de grupos. A única maneira pela qual ele pode fazer bem o seu trabalho é treinando leigos para ajudar nos deveres ministeriais.

A América Central provê uma ilustração extraordinária de crescimento de igreja, me-diante o envolvimento dos leigos. A Nicarágua alcançou um crescimento de 348% nas décadas de 70 e 80. Na última década, Honduras alcançou um crescimento de 360%, ultrapassado apenas por dois países africanos: Uganda e Gâmbia. Surpreendentemente, no mesmo período, a proporção do número de pastores em relação aos membros caiu drasticamente. Em El Salvador, por exemplo, havia um pastor para cada 250 membros, em 1960. No ano de 1990, havia um pastor para cada dois mil membros! Mas a Igreja não deixou de crescer por isso. Em 1960, havia 1.700 membros em El Salvador; presentemente há mais de 60 mil.

Esse tipo de crescimento é visto em quase todas as áreas. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, na América Latina, tem organizado uma liderança leiga apoiada por pastores e administradores, e tem desenvolvido aquilo que a missiologia define como “um modelo de crescimento de igreja facilmente reproduzível”. Esse modelo permite a uma igreja começar uma nova congregação, sem esperar pela chegada de um ministro ordenado cujo nome conste na folha de pagamento. Líderes leigos podem facilmente deixar sua própria igreja e começar uma nova congregação sem as limitações financeiras de um ministro ordenado. Esse modelo de crescimento também permite a uma igreja reproduzir-se em muitas unidades, sem esperar por novos edifícios: um lugar ao ar livre, bem como uma casa de família ou um salão alugado podem servir de ponto de partida para a nova congregação.

Com efeito, esse modelo é a chave do sucesso do adventismo na América Latina. Tanto a Divisão Interamericana como a Sul-Americana já ultrapassaram a casa de um milhão de membros. Por estarem acrescentando 100 mil novos membros cada ano, a casa do segundo milhão não está distante. Sob a liderança do Espírito Santo e com um exército sempre crescente de obreiros voluntários, a Igreja Adventista na América Latina está preparando uma multidão de crentes para a vinda do Senhor.

Desafios

Até aqui tudo vai bem. A história do adventismo, ao celebrar seu centenário na América Latina, é uma história de júbilo e gratidão. Mas, que dizer do futuro? O maior desafio confrontando a Igreja Adventista, num futuro próximo, tem a ver com as mudanças na sociedade latino-americana. Durante 500 anos – desde a descoberta das Américas – a participação da Igreja no processo histórico da sociedade latino-americana foi aceita sem disputa. Mas, em décadas recentes, as novas teologias sociais, como a teologia da libertação, estão pedindo uma mudança completa na Igreja. Alguns autores católicos e protestantes pedem uma nova eclesiologia, uma nova Cristologia e uma nova hermenêutica. Eles vêem uma Igreja muito distanciada do povo, e querem diminuir essa distância. Eles pedem uma Igreja “pobre” e uma Igreja do “povo”. Pedem um Cristo novo, mais ativo no meio do povo e diferente do Cristo sofredor da cruz ou do crucifixo. E, finalmente, reclamam uma hermenêutica -uma interpretação do evangelho – que leve em conta não só o “texto” mas também o “contexto”: a situação de miséria e opressão na qual as massas vivem.

Embora os adventistas não concordem com as filosofias combativas motivadoras de tais ideologias, eles sentem a responsabilidade de introduzir uma nova perspectiva religiosa na América Latina. E, na realidade, estão na melhor posição para fazê-lo. Seguindo o Modelo, o Senhor Jesus Cristo, eles chegam mais perto dos pobres, dos carentes e dos oprimidos. Mostram em suas próprias vidas, o Cristo vivo que cura, alimenta, conforta e salva. E, ao apresentar o evangelho ao povo, eles não somente o pregam como também o praticam, assim como fazia o Senhor, e como os pioneiros fizeram nos altiplanos da Bolívia e do Peru, na bacia do Amazonas e em outras áreas da América Latina.

A Igreja precisa também enfrentar o desafio crescente do urbanismo e da Secularização. Por volta de 2001, a América Latina não só terá a maior cidade do mundo – a cidade do México – mas também dúzias de cidades com milhões de habitantes. O urbanismo acelera o processo de Secularização, deixando Deus e a religião fora da vida do povo.

Ao entrar no segundo século de vida e missão na América Latina, o adventismo está ciente de seu papel na nova ordem do século 21, mesmo enquanto aguarda o cumprimento da oração de todas as épocas: “Vem, Senhor Jesus.”

Referências:

  • 1. Seventh-day Adventist Encyclopedia, R&H, Hagers-town, MD, EUA, 1976, págs. 67, 143, 183.
  • 2. F. M. Wilcox, “The Work in Many Lands”, R&H, 10/07/1894.
  • 3. Donald McGavran, Undersanding Church Growth, Eerdmans, Grand Rapids, MI, 1980, pág. 227.
  • 4. Ellen G. White, Beneficência Social, Casa Publicadora Brasileira, Tatuí, SP, 1987, pág. 56.
  • 5. Ignacio Dias de León, Las Sectas en América, Editorial Claretiana, Buenos Aires, 1984, págs. 101 e 102.
  • 6. Juliana Ströbele-Gregor, Índios de Piel Blanca: Evangelistas Fundamentalistas en Chuquiyawa, Hispol, La Paz, 1989, pág. 190.
  • 7. Seventh-day Adventist Encyclopedia, pág. 1105.
  • 8. J. B. Kessler, A Study of the Older Protestant Missions and Churches in Peru and Chile, 1967.
  • 9. Danvid Martin, Tongues of Fire: The Explosion of Protestantism in Latin América, Blackwell Publishers, Santa Cruz, Califórnia, 1991.