Recentemente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia sofreu um forte ataque por parte de um pastor evangélico em uma rede social de grande alcance. Essa crítica provocou uma intensa repercussão nas mídias sociais, gerando polêmica e divergências de opinião, ao trazer à tona uma visão equivocada sobre o adventismo: a acusação de que “a Igreja Adventista é uma seita” e não uma igreja cristã. Mas, afinal, o que é uma seita e quais são as implicações desse conceito?

Etimologicamente, a palavra “seita” vem do grego haeresis que significa partido, facção, dogma, heresia. A Bíblia menciona as seguintes seitas ou partidos: fariseus, saduceus, nazarenos e cristãos (At 5:17; At 15:5; At 24:5; At 26:5; At 28:22).1 Existem outras definições mais populares para o termo: “Refere-se a um grupo de pessoas que compartilha um conjunto de crenças religiosas ou filosóficas que diferem daquelas dos grupos hegemônicos. Na prática, seita é uma crença ou uma religião que ocupa posição subalterna numa sociedade. Por sua conotação pejorativa, o termo vem sendo cada vez menos empregado.”2 “É um grupo religioso que nega um ou mais dos fundamentos da verdade bíblica. […] [Esse grupo] afirma ser cristão, porém nega uma verdade essencial do cristianismo bíblico.”3

Diante dos conceitos apresentados, é pertinente confrontá-los com os princípios, as crenças e a organização adventista, e ponderar: Existe coerência entre os significados do termo e o que a igreja realmente crê e representa? A resposta será aqui traçada visando a alguns aspectos relevantes: 1) compreender quando e como essa acusação foi associada ao adventismo ao longo da história; 2) identificar as inconsistências que tornam essa designação uma correlação incoerente e falsa; e 3) destacar os traços característicos institucionais, teológicos e espirituais da Igreja Adventista que refutam a acusação em destaque.

Aspectos históricos

As acusações contra os adventistas do sétimo dia não são novidade; ao contrário, são recorrentes. Na década de 50, foi lançada uma série de livros sobre diversas seitas, entre os quais havia um volume intitulado Verdade Sobre os Adventistas do Sétimo Dia.4 O contexto em torno da produção desse livro traz uma história que merece ser relembrada aqui.

O pastor adventista T. E. Unruh, presidente da Associação Leste da Pensilvânia, tomou conhecimento de uma série de sermões sobre o tema da justificação pela fé, pregados pelo pastor presbiteriano Donald G. Barnhouse, editor da revista evangélica Eternity, os quais foram muito elogiados. Unruh manifestou seu apreço em uma carta a Barnhouse. No entanto, Barnhouse ficou surpreso e questionou essa apreciação dos adventistas, pois os considerava legalistas.5 O pastor Unruh, então, enviou o livro Caminho a Cristo, de Ellen White, a Barnhouse. Contudo, em 1954, Barnhouse publicou uma crítica mordaz sobre o livro presenteado. Diante da atitude grosseira do pastor presbiteriano, Unruh manifestou sua insatisfação e afirmou não haver mais razão para manterem contato.6

Em 1954, Barnhouse comissionou o jovem erudito evangélico Walter Martin para escrever um livro sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Na época, Martin era editor conselheiro da revista Eternity e já havia publicado em 1953 a obra Jehovah of the Watchtower (Torre de Vigia de Jeová), seguido pelo livro O Império das Seitas. Seu interesse em conhecer a verdade sobre os adventistas o levou a iniciar contatos com pastores adventistas e, posteriormente, a realizar mais de 15 encontros com líderes da Associação Geral, os quais foram questionados com cerca de 40 perguntas sobre suas doutrinas.7 Os principais protagonistas adventistas desses encontros foram os pastores Roy Allan Anderson, Walter Edwin Read e LeRoy Edwin Froom. Do lado evangélico, foram o pastor Barnhouse e o editor Walter Martin.

Naquela ocasião, as perguntas feitas pelos evangélicos dividiram-se em várias áreas, mas os principais pontos doutrinários argumentativos para acusarem os adventistas como seita foram:

  • 1. A expiação de Cristo não foi completada na cruz;
  • 2. A salvação é o resultado da junção da graça com as obras da lei;
  • 3. O Senhor Jesus é um ser criado, não existente por toda a eternidade;
  • 4. Na encarnação, Cristo participou da natureza humana caída e pecaminosa.8

O resultado daqueles encontros foi a produção do livro Questões Sobre Doutrina, em 1957, que se tornou o clássico mais polêmico dentro e fora do adventismo.9 Além disso, aqueles encontros geraram quatro tipos de reações: 1) evangélicos favoráveis ao adventismo; 2) evangélicos não favoráveis; 3) adven­tistas favoráveis ao livro Questões Sobre Doutrina; e 4) adventistas não favoráveis ao livro.10 Entre os evangélicos favoráveis ao adventismo estavam Donald G. Barnhouse e seu grupo, que em 1956 publicaram na revista Eternity o seguinte parecer no artigo “Are the Seventh-Day Adventists Christians?”: “Gostaria de dizer que nos deleitamos em fazer justiça a um grupo muito caluniado de crentes sinceros, e em nossa mente e coração tirá-los do grupo dos que são completamente heréticos […] reconhecendo-os como irmãos redimidos e membros do corpo de Cristo.”11

Críticas atuais

Assim como nos dias contemporâneos ao lançamento do livro Questões Sobre Doutrina houve muitas reações desfavoráveis a essa obra e ao adventismo, na atualidade, as críticas contra a Igreja Adventista do Sétimo Dia continuam. Pregadores como Nataniel Rinaldi, André Valadão, Rodrigo Mocellin, Augustus Nicodemos e outros, representam alguns dos que atacam a denominação religiosa com a afirmação de que ela é uma seita. Os argumentos atuais se concentram em torno dos seguintes temas:

  • 1. A cruz não foi suficiente;
  • 2. Fazer de Satanás um co-salvador;
  • 3. O dom profético de Ellen White;
  • 4. Somente os adventistas serão salvos;
  • 5. O sono da alma.

É preciso considerar que a maioria desses argumentos de acusação é defendida por pessoas que conhecem pouco ou nada sobre as crenças, os princípios e a organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia, reproduzindo, sem o menor senso de honestidade acadêmica e hermenêutica, essas críticas, para as quais, várias ­respostas já foram dadas.12

É relevante pontuar, no entanto, que ser chamado de seita não diminui a estima nem abala a identidade adventista, visto que até a igreja cristã foi chamada de seita pelos críticos de sua época inicial.

A seita cristã

Observe este texto escrito pelo apóstolo Paulo: “Porém confesso ao senhor que, segundo o Caminho, a que chamam seita, assim eu sirvo ao Deus de nossos pais, acreditando em todas as coisas que concordam com a lei e os escritos dos profetas, tendo esperança em Deus, como também estes a têm, de que haverá ressurreição, tanto de justos como de injustos. Por isso, também me esforço por ter sempre uma consciência pura diante de Deus e dos homens” (At 24:14-16).

Paulo estava preso em Cesareia, falsamente acusado pelos judeus de ser um dissidente e inimigo da nação. Quando interrogado pelo governador Félix, o apóstolo deixou claro que servia a Deus no caminho que os outros chamavam de seita. No entanto, parece que a preocupação de Paulo não era a popularidade de sua fé, conforme a aceitação social da época, mas sim que esta estivesse alinhada com os padrões da revelação bíblica na Lei e nos Profetas, que eram partes do cânon hebraico.

A autenticidade de um movimento religioso deve ser definida pelo padrão da Palavra revelada, não pelos conceitos denominacionais que muitas vezes carecem de total aprovação das Escrituras. Os críticos dos adventistas precisam compreender que a identidade denominacional desse movimento não depende do aplauso, tampouco da aquiescência de qualquer agremiação religiosa, pois essa atitude corre o risco de invalidar o princípio bíblico, substituindo-o pela aprovação e aplauso humanos.

A conduta de Paulo parece ser prescritiva quanto ao compromisso que devemos ter com a revelação e não com a aceitação de grupos religiosos populares ou maioritários. Quem estabeleceu o critério de que a maioria está sempre certa? Se esse fosse o caso, Jesus teria sido considerado um tremendo herege, pois frequentemente contradizia os círculos eclesiásticos ao Seu redor.13

Os adventistas e a verdade bíblica

A maioria das pessoas que critica a Igreja Adventista do Sétimo Dia não conhece sua história e suas crenças. A IASD tem profundo compromisso com a verdade bíblica e sua ênfase é restauracionista.14 Com mais de 20 milhões de membros em todo o mundo, possui um robusto programa educacional, de publicações e de saúde. Sua contribuição social é destacada pela Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra) e, em nível local, pela Assistência Solidária Adventista (ASA). Além disso, a igreja mantém um programa evangelístico forte, pois acredita no princípio da verdade presente, entendendo sua missão como a pregação do evangelho eterno no contexto da tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14:6-12.15

Além disso, o adventismo é norteado pelo seguinte princípio bíblico: “Mesmo que venham a sofrer por causa da justiça, vocês são bem-aventurados. Não tenham medo das ameaças, nem fiquem angustiados; pelo contrário, santifiquem a Cristo, como Senhor, no seu coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que vocês têm” (1Pe 3:14,15). O compromisso dos adventistas com a verdade é fundamentado em Cristo e Sua Palavra. Quando questionado sobre o que é a verdade, Jesus afirmou que veio ao mundo para dar testemunho da verdade,
acrescentando que quem é da verdade ouve Sua voz (Jo 18:37).

As Escrituras, que são a verdade (Jo 17:17), apresentam cinco pilares da verdade absoluta e única:

  • 1. Deus Pai (Jo 17:3; Jr 10:10);
  • 2. Jesus (Jo 14:6; 1Jo 5:20);
  • 3. Espírito Santo (Jo 15:26; 1Jo 5:6);
  • 4. Lei (Sl 119:142);
  • 5. Igreja (1Tm 3:15).

Jesus testemunhou a verdade que ouviu do Pai (Jo 15:15), e o Espírito Santo, chamado de Espírito da verdade (Jo 16:13), testemunharia sobre o que ouviu do Pai e do Filho, conduzindo a igreja à verdade (Jo 15:26; Jo 16:13-15). A igreja que Jesus fundou (Mt 16:18), que é “coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3:15), deve testemunhar sobre o que ouviu dos ensinamentos de Jesus (Mt 28:18-20).

Coerência

Diante desse panorama da verdade, precisamos entender que a igreja de Deus precisa ser coerente na apresentação e na vivência da verdade, de acordo com os princípios da Bíblia, e não segundo conceitos filosóficos ou da tradição. Afinal, Jesus afirmou que o verdadeiro discipulado é caracterizado pela crença e permanência em Sua palavra, que conduz ao conhecimento da verdade e à liberdade (Jo 8:31, 32).

Por esse ângulo, surge a necessidade de fazer uma pergunta: Todo o corpo doutrinário evangélico tem sua fundamentação nas Escrituras? A resposta é não! Em realidade, existem tantas divergências nas declarações de fé das denominações cristãs evangélicas que chega a ser assustador!16 No entanto, nenhuma dessas denominações acusa a outra de ser uma seita, embora algumas de suas declarações de fé dependam mais de malabarismos hermenêuticos do que de coerência bíblica.

A seguir, estão alguns ensinamentos defendidos pela maioria dos cristãos, e é pertinente questionar: Possuem eles, de fato, fundamentação nas Escrituras Sagradas?

  • • O estado do homem na morte, como creem e pregam os evangélicos, é bíblico?
  • • O castigo eterno é bíblico? É coerente com o caráter justo e amável de Deus?
  • • O domingo como dia de guarda é bíblico?
  • • O arrebatamento secreto tem fundamentação bíblica?
  • • O dispensacionalismo pré-tribulacionista é bíblico? A popularidade desse conceito está longe de torná-lo aceitável pela ótica de uma interpretação coerente e, de fato, fundamentada no princípio sola Scriptura.

Avaliação e conclusão

Para concluir, é necessário retomar dois conceitos filosóficos e teológicos que definem um grupo religioso como uma seita, conforme citados no início deste artigo: “Refere-se a um grupo de pessoas que compartilham um conjunto de crenças religiosas ou filosóficas que diferem daquelas dos grupos hegemônicos.” “A definição cristã específica de uma seita é um grupo religioso que nega um ou mais dos fundamentos da verdade bíblica.”

Pela lista de doutrinas apresentadas acima, é evidente que grande parte do que é chamado de evangelho em muitas denominações cristãs consiste em acréscimos aos ensinamentos de Jesus ou negações (ou exclusões) daquilo que Ele realmente ensinou. Um dos pilares da verdade é a Lei de Deus (Sl 119:142). No entanto, há um esforço para negar a essência dessa verdade. Muitos usam o argumento leviano de que os ensinamentos do Antigo Testamento não são mais necessários hoje em dia. Curiosamente, aqueles que negam a relevância do Antigo Testamento em questões doutrinárias frequentemente recorrem a estes mesmos textos para ensinar sobre o dízimo a suas congregações. Podemos chamar isso de “hermenêutica da conveniência”.

Seria prudente para aqueles que criticam os adventistas do sétimo dia, rotulando-os de seita, compreenderem que “bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova” (Rm 14:22). Se o princípio sola Scriptura é, de fato, o princípio norteador desses críticos, que eles o vivam e o ensinem sem serem seletivos ou mutilando a verdade, como fez Marcion nos primórdios da igreja cristã. Se alguém deseja conhecer o que os adventistas creem, que leia a literatura deles para entender que são capazes, pelas Escrituras, de explicar a razão de sua fé a quem quer que deseje conhecê-la.17

Samuel Bastos, pastor em Aracaju, Sergipe

Referência