Está o sábado abolido, por haver Paulo dito que é correto considerar todos os dias iguais na Era cristã? (Ver Rom. 14:5.)

Primeiramente, seja-nos permitido reproduzir o contexto do passo citado: “Ora, quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sôbre dúvidas. Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro que é fraco come legumes. O que come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come, porque Deus o recebeu por Seu. Quem és tu que julgas o servo alheio? Para seu próprio Senhor êle está em pé ou cai; mas estará firme; porque poderoso é Deus para o firmar. Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro no seu próprio ânimo. Aquêle que faz caso do dia, para o Senhor o faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come e dá graças a Deus.” Rom. 14:1-6.

Mais adiante, no mesmo capítulo, Paulo se refere a questões de bebidas e comidas. (Ver os vs. 17 e 21.)

O que há aqui é uma discussão de carnes e bebidas, e vários dias santos, e o conselho de Paulo é que ninguém deve julgar a outrem por causa de tais assuntos. Há sensível semelhança entre êste conselho e o dado aos Colossenses: “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festas, e da Lua nova ou dos sábados.” Col. 2:16. Verificamos, porém, que Paulo aí fala da lei cerimonial, no tocante a comidas e bebidas e vários dias santos, e não da lei moral e seu dia de sábado.

Examinemos mais detidamente o passo de Romanos: “Ao que está enfêrmo na fé.” Que fé? A fé do evangelho de Cristo, que ensina que recebemos o perdão de todos os nossos pecados e faltas pela fé em nosso Senhor, sem as obras da lei. Alguns crentes vindo do judaísmo, e que se haviam submergido no ritualismo da lei cerimonial, pareciam não ter fé bastante forte para aceitar a verdade de que somos salvos inteiramente pela graça de Deus, sem qualquer ação boa de nossa parte. Outros que tinham a fé mais forte, e haviam sido gentios, e portanto desafeiçoados da lei cerimonial, foram tentados a formar juízo de crítica de todos cuja fé era fraca e continuavam a praticar certas cerimônias, como comidas e bebidas e dias santos. Paulo advertiu-os contra essa atitude crítica.

O ponto crucial do passo é, sem dúvida, a afirmação: “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro considera iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro no seu próprio ânimo.” E a chave da frase é: “Todos os dias iguais.” O raciocínio de quem faz a objeção pode ser sumariado assim: “Cada dia,” não significa todos os dias da semana? E se um crente considera todos os dias iguais, não significa isso que não atribui santidade especial a algum dia? E não deixou Paulo sem repreensão os que consideram todos os dias iguais?

O leitor sem dúvida tem notado que algumas palavras na Bíblia estão em tipos itálicos. A palavra “iguais,” é uma delas. Ora, o tipo itálico é para indicar que essa não é uma palavra traduzida, da pena do próprio escritor, mas suprida pelo tradutor no seu esfôrço de melhor expressar o que imagina ser o pensamento do texto original. Isto é feito em tôdas as traduções e é inevitável. O tradutor escrupulosamente consciencioso fêz a indicação, ao suprir a palavra para tornar claro o que êle considerava ser o pensamento do texto. Não há maneira de podermos saber se Paulo — se vivo fôsse e nos pudesse falar em português — usaria a palavra “iguais” para expor a sentença. Entretanto, o único fato de que nenhuma tese o pode ser suscitada, a rigor, sôbre a simples palavra “iguais,” reduz por isto mesmo em grande parte a plausibilidade do objetor.

Mas suponhamos que êle em particular ainda se interrogue: “Todos os dias” não significa os sete dias da semana?” E pode acrescentar como boa medida: “Não pretende a Escritura dizer justamente o que diz?” O que êle esquece, é que, conquanto os escritores bíblicos fôssem inspirados, usaram linguagem humana para expor as instruções celestiais. E a linguagem humana é um meio inexato e constantemente mutável de expressar os pensamentos. Precisamos lembrar também que tôdas as línguas têm idiotismos, essas combinações de palavras que dificultam a tradução. Por exemplo, podemos dizer em linguagem restrita que certos fatos “se centralizam em tôrno dêste ponto.” Mas como pode uma coisa “centralizar” e estar “em tôrno”? Entendemos perfeitamente que isto é maneira de dizer, mas temos que admitir que estritamente falando, não podemos ter o sentido da frase se tomar-mos cada palavra separadamente.

Cristo disse a Seus discípulos que Êle seria morto e após três dias ressuscitaria. S. Mar. 8: 31. O objetor do sábado poderia perguntar: “Depois de três dias”, não significa exatamente isto? Noutras palavras, isto não significa alcançar o quarto dia, ou talvez mais?” Mas notai! A Bíblia nos informa, também, que Cristo disse aos discípulos que Êle devia “ser morto, e ao terceiro dia ressuscitar.” S. Mat. 16:21. Por que não pergunta agora o objetor: “Terceiro dia, não significa justamente isso?” Sòmente quando ficamos sabendo que a frase “depois de três dias,” é uma antigo idiotismo judaico que significava para êles o equivalente de “terceiro dia,” é que podemos harmonizar os dois passos.

Podemos recorrer ao nosso idioma, no caso de “centralizar em tôrno,” para a compreensão de uma frase bíblica. Se compararmos cuidadosamente escritura com escritura, tanto no que tange à construção de uma frase, como no tocante a ensinos doutrinários, não teremos mais dificuldades sôbre a forma literária da Bíblia em qualquer outro passo.

Para o objetor do sábado que insiste em que “todos os dias” de Romanos deve significar os sete dias da semana, propomos a seguinte questão: A frase “cada dia,” de Êxodo significa todos os dias da semana? Em Êxodo 16, há o relato da dádiva do maná. O Senhor, através de Moisés instruiu o povo a sair e apanhar certa porção para “cada dia.” Verso 4. Mas ao chegar o sexto dia, foram ordenados a colhêr em dôbro, porque não encontrariam no dia seguinte que seria sábado. (Vs. 22-26.) Mas alguns esqueceram, ou fingiram esquecer, e saíram para apanhar no sétimo dia. Por isto Deus os repreendeu: “Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?” Vs. 27 e 28. Não há nenhum relato de que os israelitas retrucassem: “Cada dia” significa cada dia da semana, portanto, pensei que o sábado podia ser considerado igual aos outros dias. Evidentemente não usaram o moderno argumento “cada dia” contra o sábado.

Êxo. 16:4 claramente revela que a palavra “cada,” deve ser entendida como tendo significado qualificativo de tempos na Bíblia. Precisamos ler o contexto e comparar escritura com escritura, para descobrir se há qualificações possíveis. O mesmo sucede com a palavra “todos.” Paulo disse: “Todas as coisas me são lícitas.” I Cor. 6:12. Um libertino que isolar essa afirmação do restante das Escrituras, poderá querer provar que sua vida dissoluta e escandalosa lhe é inteiramente “lícita.” Mas nós entendemos que a afirmação de Paulo deve ser considerada dentro do contexto de tôda a Escritura. E se assim fizermos não teremos a menor dificuldade com o passo. Entendemos que o que êle pretende dizer é que Paulo considerou tôdas as coisas dentro do escopo da santa lei de Deus, e que tôdas as práticas da vida decorrentes dessa mesma lei lhe eram lícitas. Foi-lhe necessário fazer afirmação ampla, para dar maior fôrça ao que iria dizer a seguir: “Mas nem tôdas me convém.”

Se considerarmos as palavras de Paulo em Romanos, à luz destas simples regras do estudo da Bíblia, veremos seu significado. “Todos os dias” significa cada um dos dias referidos como santos na lei cerimonial, que é claramente a lei que aí se discute. Por que precisaria Paulo declarar que não estava incluindo no caso o sétimo dia, quando o sétimo dia não era parte da controvérsia? Em parte alguma em todos os escritos de Paulo, é o sétimo dia assunto de controvérsia!

Concluiremos com dois comentários de Rom. 14:5.

Primeiro, Adão Clark, metodista:

“Talvez a palavra hemera, dia, seja aqui tomada no sentido de tempo, festival, pois em tal sentido é usada freqüentemente. A referência aí feita se prende a instituições judaicas, e especialmente a seus festivais; tais como a páscoa, pentecostes, festa dos tabernáculos, lua nova, jubileu etc…. Os gentios convertidos davam importância a cada dia — consideravam que todo o tempo é do Senhor, e que cada dia deve ser devotado à glória de Deus, e que todos êsses festivais não obrigam o cristão.

“Nós, (os tradutores) adicionamos aqui iguais, e fazemos o texto dizer o que, estou certo, jamais foi pretendido, isto é, que não há distinção de dias, nem mesmo do sábado; e que cada cristão tem a liberdade de considerar santo êsse dia ou não, conforme esteja persuadido.”

O segundo comentário é de Jamiesson, Fausset, e Brown, tão altamente considerados nos círculos fundamentalistas:

“Dêste passo sôbre a observância de dias, Alford infelizmente deduz que tal linguagem não podia ter sido usada se a lei do sábado houvesse de alguma forma estado em vigor sob o evangelho. Certamente não, se o sábado fôsse meramente um dos dias de festa judaicos; mas isto não pode ser admitido, tão-sòmente pelo fato de que o sábado era observado sob a economia mosaica. E considerando que o sábado era mais antigo que o judaísmo; que, mesmo sob o judaísmo, foi incluído na santidade do decálogo, como nenhuma outra parte do judaísmo o foi, em meio aos relâmpagos do Sinai; e que o próprio Legislador disse, quando na Terra estêve: ‘O Filho do homem até do sábado é Senhor,’ (Ver S. Mar. 2:28.) — será difícil mostrar que o apóstolo o tenha rebaixado de maneira a ser classificado por seus leitores entre as transitórias festas judaicas, que sòmente os que estavam ‘enfêrmos’ na fé podiam imaginar estarem ainda em vigor — enfermos que, os que tinham mais luz, deveriam tratar com amor.”