Não fazei mal ao próximo. — Notemos que, na imperativa negativa, emprega-se o subjuntivo em vez do imperativo propriamente dito: não façais mal ao próximo. Algum tempo atrás apareceu aqui um artigo todo, sôbre o assunto.

Eu tenho menas força que êle. — A palavra menos é advérbio e portanto invariável. Nunca se usa no feminino. Deve-se dizer: Eu tenho menos fôrça que êle. Outro êrro muito comum é o emprêgo do advérbio alerta no plural, como se fôsse adjetivo variável. É muito freqüente ouvirmos di-zer: Estejamos alertas! É errado. Alerta usa-se unicamente no singular.

Tocámos o assunto apenas com as pontas dos dedos. — Não afirmaremos que esteja errada essa expressão. Mas note-se que nesse caso o substantivo pontas tem sentido distributivo, quer dizer, distribuem-se as pontas pelos dedos, ficando cada dedo com uma só ponta. Acêrca dos chamados substantivos distributivos, eis o que diz o ilustre filólogo Mário Barreto: “Se algum nome genérico se aplicar em sentido distributivo a duas ou mais pessoas ou coisas, usar-se-á no número singular: Pedro e seus filhos estão doentes do coração, e não dos corações. Interrogados pelo juiz, todos responderam afirmativamente com a cabeça, e não com as cabeças. O sentido nestes exemplos é distributivo, porque cada uma das pessoas mencionadas padece do coração e cada uma responde com a cabe-ça.” — Através do Dicionário e da Gramática, pág. 147.

Diante disso, vemos que são possíveis de aperfeiçoamento frases como as seguintes: Estamos com os corações alegres. Nossas almas se regozijam. Protejamos nossas habitações com fechos e ferrolhos, a fim de guardar nossas vidas. Se lhes fôsse permitido, os anjos maus conservariam sempre distraídos nossos espíritos e afligiríam constantemente nossos corpos, procurando destruir nossas vidas.

Vejamos se os exemplos acima não ficariam mais bonitos e elegantes assim: Estamos com o coração alegre (cada um de nós só tem um coração}. Nossa alma se regozija. Protejamos nossa habitação com fechos e ferrolhos, a fim de guardar nossa vida. Se lhes fôsse permitido, os anjos maus conservariam sempre distraído nosso espírito e afligiríam constantemente nosso corpo, procurando destruir nossa vida.

Êste último exemplo poder-se-ia ainda melhorar, evitando o abuso do adjetivo possessivo nosso, dizendo assim: “. . . conservariam sempre distraído nosso espírito e afligir-nos-iam constantemente o corpo, procurando destruir-nos a vida”.

É muito interessante êste abuso do possessivo. Quem traduz do inglês, se não estiver sempre alerta, usará muitos possessivos perfeitamente dispensáveis. Dirá, por exemplo: Lá vem o João com a sua Bíblia debaixo do seu braço. Por que não dizer simples e elegantemente: Lá vem o João com a Bíblia debaixo do braço? Não é preciso dizer que a Bíblia é sua, o braço é seu.

Eduardo Carlos Pereira, ainda o maior gramático que o Brasil já produziu, recomenda: “Omite-se comumente o possessivo tratando-se de partes do corpo ou faculdades de espírito: — cortei o dedo, por cortei o meu dedo; o boi perdeu o chifre, por o seu chifre; o homem perdeu o juízo, por o seu juízo. Igualmente nas expressões — vim de casa, vou para casa, êle está em casa, por vim de minha casa, vou para minha casa, êle está em sua casa. Enfaticamente se dirá, entretanto — vim de minha casa [como quem diz:não da casa de Fulano, mas de minha], êle está em sua casa.

“Elegantemente é o possessivo substituído pelo respectivo pronome oblíquo — levou-me o chapéu, captei-lhe a confiança, feriu-te o coração, por — levou meu chapéu, captei sua confiança, feriu teu coração.” — Gramática Expositiva, 84a. Edição, págs. 322 e 323.

Notemos que isso é uma recomendação dos gramáticos, e não dogma inviolável da língua. Não será errado usar o possessivo nos casos apontados. É, porém, pouco elegante, pleonástico, antieufônico.

Por outro lado, é fácil deixarmo-nos levar por um exagerado senso estético, caindo no outro extremo. Não devemos fazer sistematicamente essa substituição, com risco de cairmos em ambigüidade e preciosismo. Nossa língua é extremamente maleável, elástica, multifária, sonora e bela. Devemos prevalecer-nos dessas qualidades suas, jogando com tôdas as possibilidades, construindo a frase ora de um modo, ora de outro, às vêzes antepondo o adjetivo, outras pospondo-o, usando ora o possessivo ora o pronome oblíquo, etc. — mas tudo com muito critério e discernimento.

Voltando ao trecho acima, em que há abuso do adjetivo possessivo nosso, notemos que se o substituíssemos tôdas as vêzes pelo pronome, prejudicaríamos a naturalidade e elegância. Ficaria assim: “. . . conservar-nos-iam sempre distraído o espírito e afligir-nos-iam constantemente o corpo, procurando destruir-nos a vida.”

Casos há em que a substituição deixa a frase ambígua e obscura. Então será melhor usar mesmo o possessivo. Não convirá dizer, por exemplo: Resplandeça-vos a luz, em vez de resplandeça vossa luz; para que vos vejam as obras, em vez de vejam vossas obras; participei-lhe da merenda, em vez de participei de sua merenda; dei-lhe um conselho ao filho, em vez de dei um conselho a seu filho. Em casos como êsses, a segunda maneira de exprimir-se é muito mais clara, natural e vernácula.

Já no caso da omissão do possessivo, tratando-se de partes do corpo ou faculdades de espírito, não haverá perigo de ambigüidade, e parece-nos que sempre é praticável, com proveito. Vejamos, por exemplo, quanto mais bonito é dizermos: Curvemos a fronte para orar, do que curvemos as nossas frontes; dobremos os joelhos,do que dobremos os nossos joelhos; purifica-nos o coração, do que purifica os nossos corações; levantai a cabeça, do que levantai as vossas cabeças; tomou-o pela mão, do que tomou-o pela sua mão; abre-nos o entendimento, do que abre os nossos entendimentos; dói-nos o coração, do que doem os nossos corações.            

L. W.