A lógica de Cristo deve nos ajudar a enxergar as oportunidades de salvação

Nesses últimos tempos, venho observando como a pós-modernidade tem afetado a espiritualidade da igreja, estimulando cada vez mais a “idolatria”. Percebo também que tanto os de fora quanto os de dentro têm sido cada dia mais afetados pelo materialismo, pela tecnologia, pela praticidade e pelo conforto, bem como pelo desdobramento de todas essas coisas. Desse modo, as pessoas têm se concentrado cada vez mais e usufruído cada vez menos dos benefícios da simplicidade, daquilo que é saudável, do coletivo e do espiritual.

O conceito do menos pode ser mais está implícito no relato bíblico. Por exemplo, João Batista pediu que seus seguidores olhassem cada vez menos para ele e cada vez mais para Jesus como exemplo de vida (Jo 3:30). Paulo recomendou que, para correr com mais desenvoltura e disciplina a carreira cristã, devemos nos livrar de todo peso e pecado que nos prende (Hb 12:1). Nesse caso, quanto menos apegados a algumas coisas, mais facilmente poderemos correr a carreira da fé.

Diferentemente da atual sociedade, Jesus, o Mestre da simplicidade, não Se deixou sobrecarregar pelas coisas, mas Se concentrou em pessoas. O modelo do “menos para mais” praticado por Cristo é algo impactante e exponencial. A partir do contato com Seus discípulos e ouvintes, notamos que Ele dedicou a maior parte de Seu curto ministério ao ensino e à prática da comunhão, do relacionamento e do cumprimento da missão.

Práticas e ensinosTextoNível
A comunhão precede a missão.Mt 4:19Comunhão
Misturava-Se intencionalmente com as pessoas para anunciar o reino.Mt 4:23; 9:35Relacionamento
Supria-lhes as mais profundas necessidades.Mt 4:23; 9:35Missão
Sempre procurava fazer mais do que o esperado.Mt 5:38-42Relacionamento
Quando a intenção é salvar, devemos agir indistintamente.Mt 9:12Relacionamento
Antes do envio, faz-se necessário um claro planejamento.Mt 10:5-23Missão
Ir em busca dos perdidos é mais prazeroso do que ficar entretendo os salvos.Mt 18:13, 14Missão
Para Deus, o maior é aquele que está mais disposto a servir ao próximo.Mt 20:26, 27Relacionamento
As maiores inquietações e interrogações do ser humano precisam de ambiente favorável
e oportunidade para ser esclarecidas.
Mt 24, 25Relacionamento
Quanto maior o problema, maior deve ser a dependência do Pai.Mt 26:36-46Comunhão
“Ide, fazei discípulos” – o nível mais elevado e de maior comprometimento do discipulado.Mt 28:18-20Missão

Quando lemos o evangelho de Mateus sob a ótica da simplicidade do Salvador, percebemos que Ele evitava ficar refém das preocupações cotidianas, a fim de estar sempre pronto para servir, ensinar e cuidar de pessoas. Seu modo de atuação, esboçado no quadro acima, ajuda a compreender os níveis de Seu processo discipulador.

As práticas e os ensinamentos de Jesus demonstram que Ele Se concentrava na equação do menos para mais em três áreas. Revelam também que Seu investimento na formação de discípulos foi intenso e intencional.

Não encontramos nenhuma evidência de que Jesus vivesse estressado, sem energia, exausto, nem constantemente Se queixando da vida. Pelo contrário, percebemos que o Mestre do simples tomava as devidas providências para simplificar Sua vida, evitando o que poderia
sobrecarregar-Lhe ou desviar Seu foco do que era importante.

Menos agitação, mais comunhão 

A pós-modernidade tem contribuído para o aumento descontrolado do ativismo. Contudo, os que são adeptos das agendas sobrecarregadas e vivem cercados por um redemoinho de afazeres precisam refletir na lição deixada por Cristo em Lucas 10:38-42. Marta, preocupada com os afazeres materiais, foi censurada pelo Mestre, e suas muitas tarefas foram reprovadas. Por outro lado, o mínimo de Maria, na escala do Céu, foi elevado ao máximo. Em questões espirituais, a equação é simples: menos agitação e mais comunhão.

Corremos o mesmo risco. Estamos cercados por tantas inovações, tantas informações e tantos afazeres que facilmente podemos perder de vista o alvo maior: a Quem servimos, em vez de aquilo que fazemos.

Geralmente, quando valorizamos mais a agitação do que a comunhão, nos tornamos pessoas inquietas, impacientes e agitadas, a exemplo de Marta. No entanto, o problema não resulta do fato de nos envolvermos com muitas ocupações, mas porque invertemos a prioridade: mais agitação em vez de mais comunhão.

Nesse relato de Lucas fica evidente que, para Jesus, o melhor consiste em menos agitação “todo o dia” e mais comunhão “o dia todo”. Isso deve alterar radicalmente nossas práticas cotidianas e nos enquadrar na expectativa do Céu: menos curtidas sobre Jesus e mais contato com Jesus. Menos compartilhamentos sobre Jesus e mais contemplação de Jesus. Menos contato virtual com os amigos e mais contato pessoal com o amigo Jesus.

Não esperemos chegar ao limite para perceber que um espírito agitado, frenético, acelerado e descontrolado prejudica o crescimento espiritual e causa desânimo em ministrar aos outros. Talvez seja necessário eliminar urgentemente algumas atividades da vida pós-moderna para retomar a essência da vida espiritual com o Senhor.

A atitude do Mestre da simplicidade mostra que Marta “precisava de menos ansiedade em torno das coisas que passam, e mais pelas que permanecem para sempre”.1 Isso reforça a ideia de que “a comunhão com Deus comunicará aos esforços do pastor um poder maior que a influência de sua pregação. Não se deve ele permitir privar-se desse poder”.2

Portanto, reflita: o que é que menos em sua vida pode ser mais para Deus?

Menos virtual, mais real

Uma nova doença chamada nomofobia tem feito com que as pessoas fiquem cada vez mais isoladas umas das outras. A dependência dos relacionamentos por meio de contatos virtuais tem levado as novas gerações a buscar saber cada vez mais sobre as pessoas e a ter cada vez menos o desejo de estar com elas.

O relato de Lucas a respeito de Jesus na casa de Marta, Maria e Lázaro (Lc 10:38-42) mostra-nos que os relacionamentos são indispensáveis para se alcançar um fim. De acordo com o texto, Marta não deu muito crédito a isso. Entretanto, o que fica claro é que Cristo sempre foi intencional em Seus contatos, procurando fazer com que nada viesse atrapalhar Seu alvo principal: as pessoas.

Ellen G. White declara que Ele gostava de frequentar esse lar, quando precisava escapar dos contatos frios, suspeitos e invejosos dos fariseus. “Ali recebia sincero acolhimento, pura e santa amizade. Ali podia falar com simplicidade e liberdade perfeitas, sabendo que Suas palavras seriam compreendidas e entesouradas.”3 Em um ambiente virtual e distante, esse tratamento se torna praticamente impossível.

Às vezes agimos de maneira parecida com a de Marta: perdemos a oportunidade de nos relacionar, de aprender e de ensinar por meio dos relacionamentos. Ficamos isolados, somente nos contentando com a sensação de estar perto. Distante dos contatos pessoais, corremos o risco de deixar de valorizar as pessoas.

De acordo com Diogo Schelp, o Brasil lidera o ranking dos países que mais crescem nos relacionamentos virtuais, com um alcance mensal superior a 29 milhões de pessoas. Segundo o autor, é mais fácil administrar uma enorme rede de contatos virtuais, mesmo que seja de modo superficial, porque todos eles estão apenas ao alcance de um clique.4

Os contatos virtuais não devem ser um fim em si mesmos, mas devem nos levar a uma aproximação mais estreita, madura e pessoal, que gere conhecimento suficiente para ministrar às necessidades mais profundas do nosso próximo.

Ninguém está imune à síndrome de Marta, preferindo, muitas vezes, ficar isolado em qualquer ambiente, “preocupado com muitas coisas”, em vez de se relacionar e interagir pessoalmente na sala principal.

Portanto, reflita: será que não estamos precisando de um pouco menos de informações sobre as pessoas para estar um pouco mais com elas?

Menos omissão, mais missão 

A missão e a omissão se definem quando decidimos ou não amar as pessoas indistintamente. Trata-se, portanto, de uma decisão pessoal e intransferível. A mais sublime de todas as decisões. Ela se reveste de especial valor pelo fato de ser uma atitude gerada, praticada, recomendada e
esperada pelo Mestre da simplicidade.

O evangelho de João registra a história de uma mulher pecadora, desprezada e necessitada, que providencialmente se encontrou com Jesus à beira de um poço (Jo 4:1-42). Do ponto de vista humano, seria mais fácil e natural se omitir do que dar atenção a alguém cuja reputação era questionável.

Jesus, entretanto, contrariando o conceito e a cultura da época, não Se eximiu de amar indistintamente. “O Salvador, porém, buscava a chave para esse coração, e com o tato nascido do divino amor, pediu, não ofereceu um favor.”5 Esse encontro inusitado não estava em Sua agenda “oficial”. Contudo, Cristo sempre esteve atento e disponível às oportunidades de salvação. Se quisermos nos tornar mais semelhantes a Ele e menos parecidos com os omissos, “precisamos estar disponíveis ao Espírito de Deus, para ver e valorizar os necessitados mais do que valorizamos nossa agenda”.6

O Espírito Santo nos guiará e levará aonde existem corações necessitados Dele. Decidir amar indistintamente aqueles com quem entramos em contato ou nos omitir friamente é mais do que uma questão de decisão: envolve salvação ou perdição.

Quando Deus nos coloca em contato com alguém ou ainda nos conduz a um endereço “aparentemente” errado, Ele não espera uma desculpa nem uma impressão de que foi coincidência. Não! Ele espera que aceitemos Sua providência e que não nos omitamos a cumprir a missão, ministrando aos corações em que Ele já começou a trabalhar.

Portanto, reflita: por quem eu devo me omitir menos e me dedicar mais?

Conclusão

Na vida espiritual, relacional e missionária, menos pode ser mais quando seguimos os passos e imitamos o exemplo do Mestre da simplicidade, Jesus.

Talvez, em alguns momentos não percebamos que estamos trilhando uma rota que pode facilmente nos distrair e desviar do alvo principal. Geralmente distrações como tempo excessivo ao celular, diante da televisão, nas redes sociais, ao computador, em jogos, no lazer e em outras coisas que nos trazem prazer momentâneo produzem atraso no cumprimento da missão que o Senhor nos confiou.

Precisamos ser conscientes de que o que pode estar nos distraindo hoje poderá nos destruir amanhã. Como líderes do corpo de Cristo, precisamos ajudar a multiplicar o número de pessoas ao nosso redor que pensam e agem sob a perspectiva de menos para mais, tornando real a proposta e os ensinamentos de Jesus. 

Referências

  • 1 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 525.
  • 2 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 362.
  • 3 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 524.
  • 4 Diogo Schelp, “Nos Laços (fracos) da Internet”, VEJA, julho 2009, p. 94-102.
  • 5 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 184.
  • 6 John Burke, O Barro e a Obra-Prima (São Paulo, SP: Vida, 2015), p. 76.