O anúncio não deixava dúvidas: “Pronto Socorro de Jesus. Problemas familiares, financeiros, dor de cabeça, coluna, aids, impotência sexual, vícios ou desemprego – Jesus é a solução. Venha para esta igreja.”

Propagandas desse tipo já não são mais novidade. Anúncios prometendo vida fácil, cura para todas as enfermidades e solução para todas as angústias da existência, proliferam em quase todas as cidades e vilas. São convites dos grupos pentecostais e neo-pentecostais chamando o povo para experimentar “bênçãos” a curto prazo, ou viver uma fé de resultados imediatos.

Em vista do estado de miséria e dificuldades pelas quais grande parte de nossos compatriotas está passando, não admira que esses agrupamentos estejam crescendo assustadoramente. É um avanço tão acelerado que tem suscitado reação por parte da Igreja Católica, da mídia, e causado certa apreensão entre as igrejas protestantes tradicionais.

Segundo um estudioso, estes grupos têm como marcas distintivas “características empresariais de prestação de serviços e bens; distanciamento da Bíblia, sem rigor hermenêutico ou exegético; inexistência de uma comunidade; ajuntamento de pessoas interessadas na obtenção imediata de favores; e intenso ambiente de magia”.1

Somado a isso, eles conseguiram formar um “sincretismo entre fé evangélica e as crenças populares brasileiras”,2 como sal grosso e arruda para jogar fora os espíritos malignos, novenas, e uma grande quantidade de costumes usados pelas mais diferentes religiões que permeiam o inconsciente das massas.

Prosperidade

Porém, o item principal é o que tem sido chamado de “teologia da prosperidade”, ou seja, a ênfase no argumento de que tudo pode ser conseguido. Cura de qualquer enfermidade, progresso financeiro e solução de problemas sentimentais, são benefícios indiscutivelmente acessíveis a todos os cristãos. Um adepto dessa linha de pensamento resumiu muito bem a idéia prevalecente: “A única coisa no mundo que pode evitar que um filho de Deus receba prosperidade, somos nós mesmos.”3 Ou seja, há um deslocamento das coisas; uma inversão de autoridade. A grande questão não é a submissão do homem à vontade de Deus, mas a submissão de Deus à vontade do homem.

Nesse caso, a cura não depende da vontade de Deus, mas é um direito adquirido pelo crente. “O dom de curar é concedido ao pastor a fim de que ele possa exercer o ministério de cura … O ministério em pauta independe da fé alheia, … a pessoa não precisa necessariamente ter fé, pois no caso, o dom é como uma corrente elétrica, que passa pelo cristão e efetua o milagre no doente, independentemente de sua situação.”4

De acordo com esse ponto de vista, se alguém aceita a Cristo, e vai ao encontro de algum pastor que possua o dom de curar, não pode permanecer doente. A dificuldade aqui é explicar como Timóteo e Paulo, por exemplo, experimentaram enfermidades e não há registro de que foram curados. Porventura não conheciam o direito que, como servos de Deus, tinham em relação à saúde? Não havia, por acaso, ninguém por perto que pudesse orar e impor as mãos sobre eles?

Os propagandistas da teologia da prosperidade atribuem todos os reveses, acontecidos na vida de uma pessoa, aos demônios. Desde a mais leve dor de cabeça até o câncer destruidor, existe algo de possessão demoníaca.5

Certa jovem tentara o suicídio várias vezes, por acreditar ser possuída pelo diabo. Uma longa conversa com ela foi suficiente para entender que não se tratava de uma pessoa endemoninhada, mas que lutava contra alguns problemas de ordem psicológica. Seu desespero começou quando, ao visitar uma dessas igrejas, ouviu do pastor que suas dificuldades eram decorrentes da possessão demoníaca. Daí em diante, sua vida transformou-se num inferno. Mais: segundo a explicação do referido pastor, o inimigo somente a deixaria se fosse batizada em sua igreja.

O ensino bíblico

Neste ponto das nossas considerações, é imperioso que recorramos ao testemunho da Palavra de Deus, em lugar de continuar nos aprofundando nas heresias baratas que permeiam o mundo religioso. Especial-mente porque, em matéria de fé e religião, não existe mesmo fonte mais abalizada e segura. Do ensinamento bíblico sobre o assunto em pauta, podemos enumerar algumas conclusões, conforme seguem:

1. A fé não deve depender de milagres. Fundamentar a fé e a maturidade espiritual na realização de milagres não é uma atitude segura, do ponto de vista bíblico. Ao oficial romano que desejava a cura para seu filho, Jesus disse: “Se porventura não virdes sinais e milagres, de modo algum crereis.” (João 4:48) Essa afirmação soou como uma advertência àquele homem que demonstrou necessitar ver, antes, um milagre de Cristo para crer nEle. Com isso, Jesus pareceu dizer-lhe: “O mais importante não é ver para crer, e sim crer para ver.” (João 11:40).

Amparar a fé apenas na visão, não leva ninguém à salvação. Primeiro, é preciso crer para então ver as maravilhas que Deus pode efetuar. No caso em apreço, o grande milagre somente ocorreu quando o oficial romano “creu na palavra de Jesus”. Seu filho foi curado mesmo estando a 30 quilômetros de Caná, onde Jesus Se encontrava.

2. Falso conceito de milagres. Os milagres de cura e prosperidade anunciados hoje, funcionam como um esquema de marketing religioso para atrair pessoas às igrejas. E os jornais anunciam o enriquecimento dos “missionários” que formam verdadeiros impérios às custas da gratidão daqueles que se sentem beneficiados.

Mas seria esse o objetivo dos milagres, conforme a Bíblia e o ensinamento do próprio Cristo? A resposta a essa indagação aparece mais clara quando compreendemos o significado das palavras gregas semeion = sinais; e tératas = prodígios.

Ambas aparecem nos Evangelhos, no livro de Atos e nas Epístolas, indicando que seriam operados sinais e prodígios, tanto por Jesus como pelos apóstolos; e, também, por “falsos cristos” (Mat. 24:24; Mar. 13:22; Atos 2:43; Rom. 15:19; I Tess. 2:9; Apoc. 16:14).

Nesse contexto temos ainda a palavra dunamis, que é traduzida como poder, usada especialmente no Evangelho de Marcos para indicar o poder de Jesus sobre as doenças e o mal (Mar. 5:30; 6:2; 9:1).

Todavia, é no Evangelho de João que as obras de Jesus são mencionadas e identificadas por uma palavra usada repetidamente, ou seja, semeion (sinal).

Esse termo indica uma realidade maior. No caso, a divindade de Cristo. João seleciona sete milagres ou sinais operados por Jesus. Na primeira parte do livro, essa escolha tem a função expressa de apontar para Cristo e Sua identidade. “Os milagres em João sugerem uma resposta sobre quem é Jesus … A grande preocupação do Evangelho é a pessoa de Cristo (20:31). Ele (o quarto Evangelho) aponta para a divindade de Jesus.”6

Nesse Evangelho, Jesus demonstra Sua superioridade e divindade, fazendo sinais que transcendem ao espaço, tempo, leis naturais, físicas, e até a morte. Um exame de todos os Evangelhos permite concluir que os milagres obedecem aos seguintes propósitos: a) Ilustrar e ensinar verdades espirituais (João 6:11, 12 e 27; 9:5; 11:23 a 26; Mar. 2:9 a 11); b) provar a messianidade e autoridade de Cristo (Mat. 11:20, 23; João 5:36; 10:24 e 25); c) inspirar fé no Filho de Deus (João 11:27 a 45; 15:24).

Em nenhum momento o Mestre lançou mão do exibicionismo, ou usou milagres para contentar uma multidão incrédula. A preocupação primeira era levar as pessoas a crer que Ele era o Enviado de Deus para a salvação. E, a ênfase não era nos milagres em si, mas no que eles produziríam para o reino de Deus.

  • 3. Vontade divina ou vontade humana. Se o recebimento de cura ou qualquer outra bênção, representa “um direito do crente”, a vontade divina é colocada em segundo plano. A Bíblia, no entanto, ensina que tudo deve ser feito de acordo com a vontade de Deus (Mat. 6:10; 26:42; Rom. 12:2). Além disso, há exemplos de homens justos que não receberam a bênção da cura de alguma enfermidade (I Tess. 5:23; II Cor. 12:7 a 10; II Tim. 4:20).
  • 4. Deturpação da Escatologia. A teologia da prosperidade, ao prometer solução para todos os problemas, hoje, está deturpando o conceito de que, embora sejamos ajudados por Deus em nossa vida presente, e tenhamos a certeza de que Ele nos dirige em todos os caminhos, somente com a Volta de Jesus é que todos os problemas serão solucionados, o mal erradicado e a morte será vencida.Em nenhum momento o Mestre lançou mão do exibicionismo, ou usou milagres para contentar uma multidão incrédula.

5. Legalismo. Se um cristão pode ter tudo o que deseja, saúde e prosperidade, então todos devem esforçar-se nessa direção. Transparece aqui um princípio de barganha com Deus: faço para ter. Esse é um conceito legalista. A motivação maior para alguém ser um fiel cristão é o amor a Jesus.

Conclusão

Possivelmente, nenhuma história bíblica ilustra tão bem as atitudes dos pregadores da teologia da prosperidade, do que a dos amigos de Jó. Para eles, os problemas ocorrem apenas por desobediência. Kenneth Hagin, um teólogo da prosperidade, assim se expressou: “Nós cristãos não precisamos sofrer reveses financeiros; não precisamos ser cativos da pobreza ou enfermidade. Deus proverá a cura e a prosperidade para Seus filhos se eles obedecerem os Seus mandamentos.”7

Era exatamente isso o que pregavam os amigos de Jó (Jó 5:1 a 26; 8:1 a 22). Ou seja, as pessoas desobedientes e más sofrem por seus pecados. Por essa razão, segundo eles, o patriarca sofria. Mas será esse um conceito válido em todas as ocasiões e circunstâncias? Evidentemente, o sofrimento é resultado do pecado, de um modo geral; mas nossa crença não deve nascer da culpa, e sim do perdão providenciado por Deus, em Seu infinito amor.

Referências:

  • 1. José Miguel Mendoza Aguilera, Vox Scripturae, se-tembro/94, pág. 215; Vida Nova, São Paulo, SP.
  • 2. ISTOÉ, 25/01/95.
  • 3. Jack Hartman, Confie suas finanças a Deus, pág. 109, Editora Amém.
  • 4. Edir Macedo, Nos Passos de Jesus, pág. 185, Universal Produções.
  • 5. Alan Pieratt, O Evangelho da Prosperidade: Análise e Resposta, Vida Nova, 1993.
  • 6. Amin Rodor, Cristo e os Evangelhos, anotações fei-tas em sala de aula, Salt-Iaene, 1989.
  • 7. Kenneth Hagin, Novos Limiares da Fé, pág. 66, Graça Editorial.