São anacrônicos os conselhos de Ellen G. White com relação à saúde? Eram suas declarações princípios ou sugestões?

O assunto dos esportes nas escolas adventistas recebeu considerável atenção recentemente. Com o engajamento de muitos de nossos ginásios e colégios atualmente em competições esportivas, a Associação Geral criou uma comissão para estudar o papel dos esportes na educação adventista. Talvez tenha chegado o tempo de se rever o fundamento histórico da orientação atual da igreja e aplicar estes princípios a nossas práticas modernas.

O incidente de Battle Creek 

Durante a última parte da década de 1860, vários anos depois que seis Associações da comunidade haviam formado a Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia em Battle Creek, Michigan, os membros sentiram a necessidade de desenvolver a postura educativa da igreja. Goodloe Harper Bell, que havia freqüentado o Colégio Oberlin, abriu uma pequena escola em Battle Creek em 1868, com 12 alunos.

Em janeiro de 1872, Ellen White escreveu sua primeira obra principal sobre educação, “Pro-per Education”,1 na qual ela salientou a necessidade de uma localização rural para as escolas ASD. As atividades agrícolas e industriais deviam combinar-se com uma instrução de qualidade, baseada nas Escrituras. Ela arrazoava que tal preparo capacitaria os alunos a aprenderem uma segunda vocação, enquanto mantinha também sua saúde. “A fim de preservar o equilíbrio da mente, o trabalho e o estudo de-veriam estar unidos nas escolas.”2 Essa perspectiva surgiu muitos anos depois que outros educadores americanos haviam repelido os programas de trabalho manual para estudante.Em resposta às reformas educativas de Locke, Rousseau, Pestalozzi e von Fellenberg na Eu-ropa entre 1700 e 1830, os educadores americanos do começo dos anos 1800 foram atraídos para o conceito de oferecer trabalho útil aos alunos durante o curso secundário e superior. A educação que incluía trabalho manual despertou grande entusiasmo a partir de 1820, atingiu seu auge no início dos anos 1830 e declinou rapidamente depois disso. Os defensores diziam que o sistema de trabalho manual proporcionaria aos alunos exercício natural, promovería o desenvolvimento do caráter, reduziria o gasto com a educação e diminuiría a distinção de classes.

O rápido desaparecimento das escolas de trabalho manual durante os anos de 1840, deveu-se a uma variedade de fatores complexos, entre os quais problemas econômicos e administrativos; motivo de tempo; a contínua ascensão da Revolução Industrial, que tomou antipático o trabalho manual; e o surgimento das escolas sustentadas com impostos, que toma desnecessário o trabalho do aluno para a instrução.

Exemplo dos riscos de colégios começados de acordo com as regras do trabalho manual foi o Oberlin, fundado em 1832.1 Como primeiro colégio co-educativo dos Estados Unidos e o primeiro a admitir “estudantes negros”, foi progressista em direitos das mulheres, questões de raça, reforma pró-saúde e educação prática. Usando o moto “aprender e trabalhar”, o Oberlin pedia que os alunos trabalhassem quatro horas por dia. Mas, “passadas duas décadas, toda sorte de artifício e experiências mal-sucedidas foram tentados para pôr em prática este tão alardeado traço da escola”.2

O primeiro ginásio

Quando o número de alunos matriculados se elevou, fornecer todos os dias trabalho manual se tornou tarefa incômoda para os administradores, e finalmente o programa deixou de existir em 1852. Por volta de 1860, foi construído o primeiro ginásio, que levou à provisão de aulas de ginástica no esti­lo europeu. Na virada do século, o Oberlin, juntamente com a maioria de outras escolas dos Estados Unidos, voltaram-se para os esportes próprios para estudante.6 Este movimento em direção dos esportes escolares, coincidiu com o tempo durante o qual a maioria de nossos es­portes dos dias atuais estavam formalmente organizados.

Dessa forma, quando Ellen White apresentou sua obra sobre o assunto em 1872 — várias décadas depois da euforia da educação do trabalho manual nos Estados Unidos — experimentou ela resistência incomum à idéia.4Ignorando-lhe a urgência da compra de uma propriedade rural, a Associação Geral pagou 16 dólares por 12 acres de terra em Battle Creek (uma cidade de 7 mil habitantes), do lado diretamente oposto do Instituto da Saúde, que logo seria dirigido por John Harvey Kellogg. Na distante Califórnia, Ellen White chorou ao receber a notícia da aquisição.

O Colégio de Battle Creek foi inaugurado em 1875, e sob a liderança de Sidney Brownsberger adotou o currículo normal, baseado no Latim e no Grego, sendo as aulas de Bíblia facultativas. Em resposta aos repetidos testemunhos de Ellen White, fizeram-se tímidas tentativas de dar aos alunos treinamento manual no campus da cidade. Finalmente, em 1889, os estudantes de Battle Creek efetuaram um “debate monstro” sobre a conveniência, afinal de contas, do treinamento manual e, como conseqüência, todos aqueles programas foram abolidos.5

Entre 1890 e 1893, os alunos de Battle Creek formaram equipes de beisebol, rúgbi e pugilismo, que disputavam contra o Sanatório local, a Review and Herald House e outras escolas e colégios superiores. As equipes estavam equipadas com uniformes; davam-se prêmios; e ha-via excitação generalizada.

Ellen White, que se havia mudado para a Austrália para realizar obra pioneira ali, recebeu cartas de alguns estudantes que freqüentavam o Colégio de Battle Creek, procedentes da Austrália e Nova Zelândia. PoMare, um maori da Nova Zelândia, queixava-se de que havia deixado o futebol e outros esportes porque não sentia a paz de Deus enquanto os praticava.6 Ele perguntava a Ellen White que vantagem apresentava o Colégio de Battle Creek sobre as es-colas que deixara na Austrália.

Em 5 de setembro de 1893, o dia seguinte ao recebimento da carta de PoMare, Ellen White escreveu uma carta minuciosa ao diretor William Warren Prescott, do Colégio de Battle Creek.7 “Não têm a prática de esportes, as re-compensas e o uso da luva de boxe estado a educar e treinar segundo a orientação de Satanás? O tempo está por demais repleto de sinais do conflito iminente, para se educar a juventude em divertimentos e jogos.”

Enquanto Ellen White respondia a carta de PoMare, os alunos do Colégio de Battle Creek formavam as equipes “Americano” e “Britânico”, que jogavam uma partida intramuro excitante de rúgbi. Um repórter local escreveu sobre ela num jornal do lugar embaixo do título: “O Grande Jogo Internacional de Futebol.” Um dos participantes do “Britânico” enviou uma cópia do artigo a seu pai na Austrália, o qual transmitiu a informação a Ellen White, que de novo enviou uma carta ao diretor Prescott.8

“Desejo dizer que vi a Satanás exultante pela introdução em seus planos de jogos, planos que ele usará para seduzir as almas, para sua ruína eterna… Há maneiras pelas quais pode o tempo dos estudantes ser empregado, a fim de que seu zelo juvenil e ardor jovem possam ser usados para a glória de Deus.”

No mesmo dia ela escreveu uma carta a Edgar Caro, filho de um dentista australiano.9

“Há tantas coisas necessárias e úteis para se fazer em nosso mundo, que tornaria o prazer dos exercícios recreativos quase totalmente desnecessário… um tipo de exercício mais elevado… o trabalho missionário.”

O diretor Prescott levou a carta de Ellen White para a faculdade e para os alunos, depois respondeu:

A alegação de que os esportes competitivos contribuem para a formação dos jovens em algum sentido, é discutível.

A Sra. White defendia a educação sem eles. de o recebimento de suas cartas, resolvemos interromper tudo.”10

Ellen White enviou também um testemunho especial a todos os professores e alunos do Colégio de Battle Creek. Ela salientou que todos necessitavam de exercício, e que “Deus tem indicado que esse exercício deve constituir um trabalho útil e prático; vós, porém, vos afastastes do plano de Deus para seguir invenções humanas”.11 “Por amor a Cristo, fazei uma parada no Colégio de Battle Creek e considerai o efeito sobre o coração, o caráter e os princípios, dessas diversões copiadas dos costumes de outras escolas… O estudo diligente é essencial, bem como o árduo trabalho diligente. Os jogos não são essenciais… Não consigo encontrar nenhum caso na vida de Cristo que demonstre ha-ver Ele dedicado tempo a jogos ou diversões.”

Em resposta à carta de Prescott, Ellen White lamentou que o programa dos esportes tivesse contribuído para eclipsar o recente reavivamento espiritual do campus. “Entre a juventude a paixão pelos jogos de futebol e outras satisfações egoístas afins tem sido corruptora da influência, vigilância e da oração, e a consagração a Deus não tem sido mantida… Eles agem como se a escola fosse um lugar aonde eles fossem aperfeiçoar-se nos esportes; como se estes constituíssem um importante ramo de sua educação, e eles vêm aparelhados e equipados para essa espécie de treinamento. Isto está completamente errado, do começo ao fim… O treinamento e a disciplina a que vos submeteis para ser bem-sucedidos em vossos jogos não vos está preparando para ser fiéis soldados de Je-sus Cristo… O dinheiro gasto com roupas para uma boa exibição nestas competições é tanto, que poderia ter sido usado para promover a causa de Deus em novos lugares… Precisamos agora começar de novo. Pode ser necessário pôr o fundamento de escolas que sigam o modelo das escolas dos profetas. É muito fácil ser levado pela corrente dos planos, métodos e costumes mundanos.”12

Lamentavelmente, toda reforma empreendida pelo Colégio de Battle Creek para interromper o programa dos esportes teve vida curta. Em 1896, apenas três anos depois dos oportunos testemunhos de Ellen White, o Battle Creek Daily Journal mostrava de novo os resultados dos eventos esportivos do Colégio de Battle Creek. Em 12 de junho de 1896, por exemplo, o jornal anunciou que “o segundo quadro de beisebol da escola principal de Battle Creek venceu o time do colégio pelo placar de 14 a 9”.

O incidente de Avondale

Em 1º de outubro de 1896, aproximadamente cinco anos após Ellen White ter deixado a Austrália, ela colocou ali a pedra fundamental do primeiro prédio do Colégio Avondale. Durante aqueles anos, havia ela lutado arduamente para estabelecer um programa escolar que servisse de modelo a ser imitado por todos os demais. Ela se mudou para uma casa de oito cômodos (Sunnyside), a 1.600 metros do campus para dirigir pessoalmente a organiza-ção da escola.17

Durante os primeiros anos do Avondale, um programa “modelo” constava de quatro fases: reuniões religiosas (1-2 horas diárias), aulas (4 horas), períodos de estudo (2 horas) e (2-3 horas de trabalho). Os alunos construíam prédios, limpavam mato, plantavam pomares e vinhas e começaram várias indústrias. Recebiam orientação sobre impressão, encadernação, carpintaria, trabalhos domésticos e jardinagem. O estudo da Bíblia ocupava lugar saliente em seu programa acadêmico, que incluía também conhecimentos sobre saúde, negócios, enfermagem, educação e obra missionária.

Durante aqueles anos formativos, Ellen White escreveu muitos artigos falando de um padrão elevado para o Avondale.18 Ela estava empenhada de modo especial em que não se repetisse na Austrália a experiência do Colégio de Battle Creek. Em 20 de dezembro de 1896, escreveu ela de Sunnyside:

“Durante a noite, foram-me reveladas algumas coisas concernentes à obra e à escola que logo será aberta nesta localidade… Fui advertida a não andar no terreno que muitos dos professores de Battle Creek têm andado em sua experiência. A questão da recreação foi aí apre-sentada numa roupagem ilusória… Se não há em nossas escolas uma educação, em muitos aspectos, de caráter totalmente diferente da que tem sido ministrada em Battle Creek, então não temos necessidade de fazer gastos na compra de terra e com a construção de prédios… Os alunos enviados à escola com o propósito de receber uma educação que os torne evangelistas, ministros e missionários em países estrangeiros, têm ficado com a idéia de que os divertimentos são necessários para assegurar-lhes a saúde física, enquanto o Senhor lhes tem mostrado que o melhor caminho é tornarem o trabalho manual parte de sua educação, em lugar dos divertimentos.”19

Mais tarde ela ressaltou:

“Revela covardia andar muito vagarosa e indefinidamente no plano de trabalho — aquele plano que produzirá a espécie de educação bem melhor… Trabalhar o solo é uma das melhores espécies de ocupação, pois coloca os músculos em atividade e faz repousar a mente. O estudo no setor da agricultura deve ser o ABC da educação ministrada em nossas escolas.”20

Em janeiro de 1897, W. W. Prescott, agora secretário educacional da Associação Geral, retornou da Austrália, onde esteve conversando com Ellen White com relação aos planos para Avondale. Em abril daquele ano, a Associação Geral se reuniu em Lincoln, Nebraska, onde a sessão fez apelos em favor da reforma educacional. Edward A. Sutherland, que desde 1892 se havia esforçado por seguir os conselhos de Ellen White sobre educação no Walla Walla College, tornou-se diretor do Colégio de Battle Creek.21

De 1897 a 1901, com o forte apoio de John H. Kellogg, Alonzo T. Jones e Percy T. Magan, Sutherland procurou reformar o Colégio de Battle Creek. A escola reformulou por completo seu programa de ensino e comprou uma fazenda de 80 acres, cerca de 1.600 metros ao norte do campus. Para simbolizar este rompimento com o passado, Sutherland adquiriu o arado, Magan dirigiu a parelha e Justus G. Lamson semeou, enquanto aravam o campo de diversões do colégio e nele plantavam um jardim.22

As reformas surtiram tanto efeito que as matrículas começaram a chover. Sutherland achou por bem mudar o colégio para longe dos “limites da cidade, com o ambiente da cidade e professores que tivessem o espírito da cidade”. Ellen White alertou para a demora pelo tempo que existia.

Enquanto isso, em 28 de abril de 1897, começavam as aulas em Avondale. Em outubro, a nova escola tinha 81 alunos. C. B. Hughes, que se havia formado em Battle Creek em 1892, foi posto como diretor. Em abril de 1899, havia si-do já edificado um prédio central, onde funcionava a capela, e 153 alunos se achavam matriculados.

Durante o mês de fevereiro de 1900, a administração da escola resolveu permitir que os alunos praticassem críquete aos domingos à tarde, para evitar que “andassem pelo mato”. Como se aproximasse o primeiro aniversário da construção do edifício central de Avondale, o diretor Hughes e a faculdade resolveram considerar o dia feriado. Pediram então a Ellen White que falasse pela manhã e, depois, passaram o resto do dia em jogos.

Ellen White falou com entusiasmo naquela manhã; depois, saiu, não sabendo o que ia acontecer. Os alunos passaram o resto do dia jogando tênis (os equipamentos foram comprados pe-las mulheres), críquete, corrida de saco e outras brincadeiras.

Na sexta-feira de manhã Ellen White falou aos estudantes em assembléia, e “jamais deu um testemunho mais oportuno”. Ela leu muitos dos seus testemunhos do Colégio de Battle Creek. Mesmo seu filho Willie contou que “estamos todos um tanto surpresos com o significado daquilo que Mamãe escreveu, e mais ainda com a convicção de suas advertências ao protestar contra os esportes”. Após suas instruções, os alunos se assentaram quietos sem dizer nada.27

O diretor Hughes se sentiu severamente ofendido, e começou a ter dúvidas acerca de Ellen White. Posteriormente ele relatou que “foi o começo de uma das experiências mais sombrias da minha vida. Achei que a irmã White fosse sumamente irrazoável quanto ao assunto”.28 Os alunos também ficaram perplexos, e no domingo à noite continuaram com seu costumeiro jogo de críquete.

Na segunda-feira, Willie White falou aos alunos a respeito de como devia o conselho ser recebido da parte “dos ministros do Senhor, especialmente quando eles nos apresentam idéias novas e não em harmonia com nossos desejos e sentimentos”.29 Ellen White também se sentiu muito “magoada”. com o assunto, e escreveu em seu diário: “Tem-se entendido em todas as nossas fileiras que estes jogos não constituem a educação apropriada a ser ministrada em qualquer das nossas escolas. A escola de Avondale deve ser um modelo para outras es-colas que serão estabelecidas entre nosso povo. Os jogos e divertimentos são a maldição das colônias, e não devem ser permitidos aqui em nossa escola.”30

Na quinta-feira, o Espírito de Deus havia operado em C. B. Hughes, sobre o corpo docente e os alunos. Depois de outra apresentação feita por Ellen White, muitos expressaram seu desejo de seguir o caminho da orientação do Senhor. Willie White contou que “no final daquela reunião, ele sentia que fora alcançada uma grande vitória; que a comissão da escola, o corpo docente e os alunos viam as coisas numa luz muito mais clara, como resultado de nosso estudo e oração durante a semana”.31

O jogo de tênis foi vendido, tendo o lucro sido posto em um fundo, e as partidas de críquete pararam. Um grande número de alunos começou a estudar junto as Escrituras à noite e a partilhar o seu amor a Deus com a comunidade da redondeza.

O colégio Missionário Emanuel

Posteriormente, naquele ano, Ellen White retornou à América. Com o seu forte e diligente apoio, a Associação Geral votou em 12 de abril de 1901, transferir para outro local do país o Colégio de Battle Creek. Em maio, o equipamento foi transportado em 16 vagões de estrada de ferro, e o colégio foi levado para seu novo sítio, a 15 quilômetros, em Berrien Springs, onde foi chamado Colégio Missionário Emanuel (CME).32 Percy T. Magan escreveu a Ellen White que “esta nova escola deve ser a Avondale da América”.

Como o número de matrículas baixasse aproximadamente dois terços, durante o primeiro ano, no novo campus, os alunos e professores uniram seus esforços em cultivar o solo e construir, enquanto dirigiam as classes. Seis divisões colegiais — ministerial, professores missionários, pré-médica, assuntos cristãos, música e treinamento manual — compreendiam os cursos que a instituição oferecia.

Lá pelo mês de maio de 1904, as tensões entre o Dr. John Harvey Kellogg e os líderes da igreja andavam elevadas. Magan e Sutherland eram também acusados de “kelloggismo” — independência da denominação, institucionalismo e panteísmo. Surgiram conflitos, e Sutherland e Magan terminaram renunciando e se mudando para Nashville, Tennessee, onde fundaram o Instituto de Agricultura e Normal de Nashville, numa fazenda de 400 acres. Assim começou a rede de escolas independentes que até hoje salienta a importância da educação baseada no trabalho manual sem nenhum esporte. Embora Ellen White achasse que Sutherland havia renunciado num momento inoportuno, ela manteve seu desejo de começar uma nova escola e ter assento em sua comissão.33

Em 1910, apenas seis anos depois de Sutherland ter deixado o CME, os alunos começaram a pedir permissão ao corpo docente para participar de jogos de bola organizados. Quando o corpo docente respondeu, desaprovando jogos de beisebol organizados no campus, os alunos passaram a realizar seus jogos fora do campus.34

Aplicação para nossos dias

Ellen White morreu em 1915. Até bem no fim, ela continuou firme em sua posição em favor de um programa educacional baseado no trabalho e estudo, destituído de esportes. Poucos anos antes de seu falecimento, reiterou ela o seu ponto de vista: “É pensamento comum que o trabalho manual é degradante; contudo, os homens podem empenhar-se tanto no críquete, no beisebol ou nas disputas pugilísticas, sem ser considerados como degradados… Enquanto os jovens se estão tomando peritos em jogos que não possuem nenhum valor real para eles mesmos ou para outros, Satanás está jogando o jogo da vida por sua alma… Ele procura monopolizar e absorver a mente de tal maneira que Deus não encontre lugar nos pensamentos.”35

Depois da morte de Ellen White, nossas escolas experimentaram várias décadas de incerteza na execução desses conceitos. A aceleração da revolução industrial, o desenvolvimento da mecanização e urbanização, e o espantoso crescimento dos esportes na sociedade e es-colas públicas, criaram um ambiente no qual tais decisões se tornaram ainda mais penosas. No início de 1920, por exemplo, os jogos de bola no CME eram permitidos em ocasiões festivas com “regulamento cuidadoso”. Durante os anos 1930 e 1940, permitiam-se alguns esportes de baixa intensidade como patinar no gelo, vôlei, pingue-pongue, patim de roda, etc. Uma mudança definida veio em 11 de março de 1949, quando teve lugar uma cerimônia de nivelamento de terra para o prédio de educação física, iniciando-se uma era de jogos intramuro e educação física.36 A experiêcia do CME é típica de muitos de nossos colégios, a despeito das desaprovações de vários líderes adventistas da liderança.37 Hoje, indivíduos, duplas e equipes esportivas permeiam as classes de educação física tanto em nível secundário como colegial, e os alunos se empenham em competição esportiva intramuro. Além disso, muitas escolas têm andado em território antes proibido — os esportes entre escolas.

Os incidentes de Battle Creek e Avondale indicam com clareza que Ellen White foi dirigida por Deus para defender fortemente um programa educacional baseado no trabalho manual sem esportes organizados. Esse ideal, tão difícil de ser seguido pelos líderes antigos, parece agora ainda mais desconcertante. Defendería Ellen White ainda hoje um programa tal? Em 1904, ela declarou: “Deus deseja que todos tenhamos senso comum, e que arrazoemos de acordo com o senso comum. As circunstâncias mudam as condições. As circunstâncias mudam a relação das coisas.”38 Por outro lado, ela declarou também: “Os grandes princípios da educação são imutáveis. ‘Permanecem firmes para todo o sempre’ (Sal. 111:8); pois são os princípios do caráter de Deus.”39

O princípio de que os estudantes devem trabalhar durante seus anos de estudo, constitui talvez o mais forte conceito que Ellen White apresentou, no tocante a nossas escolas. Hoje, muitas de nossas instituições de ensino têm programas de trabalho nos quais podem os alunos ganhar dinheiro para educar-se. Não obstante, com a moderna tecnologia, a maioria das ocupações não proporcionam exercício adequado. Tenho observado que mesmo nas instituições independentes, a maioria dos alunos não recebe exercício suficiente enquanto trabalha, por causa do uso crescente dos planos isentos de trabalho. A maioria de nossas escolas prepara-se para entrar em ambiente tecnológico de trabalho, o que creio seja vitalmente importante. Não devemos alinhar-nos com uma “mentalidade de Mao”, na qual a tecnologia moderna é evitada, desviando-nos do avanço do resto do mundo.

Nosso dilema surge ao provermos estudantes com alguma forma adequada de exercício. O que não deve ser feito parece muito claro, de acordo com as experiências tanto de Battle Creek como de Avondale. Ellen White jamais endossou o conceito de que os estudantes devessem empenhar-se em esportes organizados para se exercitarem. Enquanto explicava que “não condeno o simples exercício do jogo de bola; mas mesmo este, em sua simplicidade, pode ser levado a excesso”,40 ela condenava vigorosamente qualquer tipo de atividade esportiva patrocinada pela escola. Esta posição, tão desconcertante para nossos antigos líderes, tem trazido ainda mais consternação aos educadores atuais.

Nossas escolas que crescem rapidamente, têm-se movimentado no sentido dos esportes organizados. Temos procurado regulamentar cuidadosamente os esportes em nossas escolas, alegando o desenvolvimento do caráter, relacionamentos humanos adequados, respeito à autoridade, obediência a normas, vida saudável, aptidão física e cooperação. Algumas escolas, como o Union College, combinam agora aptidão com competição, como têm feito os Atletas em Ação por vários anos. A pergunta é: “Representam, estes desenvolvimentos, progressos legítimos em nosso meio educacional, ou são tentativas de conciliar movimentos caprichosos e confusos com um padrão menos elevado?”

Muitos líderes educacionais acham hoje que os esportes “cuidadosamente regulamentados” produzem uma conciliação adequada entre os conselhos excepcionalmente exigentes de Ellen White, e as pressões da sociedade centralizada nos esportes e os meios domésticos adventistas menos ideais. Outros argumentam que regulamentar o esporte é como “tornar a carne limpa”. De acordo com essa linha de pensamento, a carne pode ser um tanto “protegida”, removendo-se a gordura e o sangue, mas o material aproveitado fica abaixo do ideal.

Arthur Spalding fez esta declaração em seu livro Who Is the Createst?: “Se eu desejasse cultivar milho viçoso e melancias saborosas, não escolheria as areias causticantes do deserto do Vale da Morte como minha horta.”41 Em outras palavras, enquanto a educação esportiva cuidadosamente regulamentada e a participação podem estar “certas” quanto a desenvolver o caráter, produzir a aptidão e promover o desenvolvimento espiritual, esse realce representa uma “preocupação com o secundário” (uma falha comum entre os antigos israelitas). Assim, a questão dos esportes se torna não tanto uma questão de certo ou errado, como do melhor contra o bom.

Ninguém que ouve sobre os esportes moderados, negaria que existem muitos perigos potenciais em dar realce aos esportes nas escolas. Há constantes relatos de realce excessivo sobre a conquista da liderança a custa de ferimentos em grande quantidade, brutalidade, uso de drogas e recrutamento ilegal. Algumas es-colas têm interrompido seus programas esportivos entre escolas, por razões financeiras e acadêmicas. Com sua glorificação de jogadores individuais, alguns vilipendiam o problema da idolatria do esporte. Muitos americanos se lançam aos esportes com vigor e dedicação fora do comum.

Assim, nos programas de esportes típicos, Spalding arrazoa que deve ser praticado mui-to exercício para produzir os mesmos resultados, exigindo quantidade desproporcional de orientação para suavizar os problemas inerentes. Ele salienta que se empregássemos o mesmo esforço em terreno mais fértil, os resultados seriam maravilhosos.

Devemos evitar dogmatismo com relação a que espécie de atividades constitui hoje o solo fértil, pois não encontramos nenhuma resposta fácil. Minha opinião pessoal é a de que se as oportunidades de trabalho manual são limitadas por causa de nossa sociedade urbanizada e mecanizada, as atividades para desenvolver a aptidão física oferecem um bom substituto. Exercícios aeróbicos tais como correr, andar com passo firme, nadar, ciclismo, combinados com atividades musculoesqueléticas, tais como exercícios de flexibilidade, calistênicos corporais pesados e levantamento de peso, todos aumentam a aptidão física.

Numa era em que as doenças circulatórias e a obesidade têm alcançado proporções epidêmicas, tal realce é, certamente, necessário ao máximo. Milhões de americanos enfrentaram o desafio da aptidão, tornando-se ativos participantes da maior revolução americana de aptidão já existente.

Ellen White promoveu o exercício em favor da aptidão física; ela mesma se dedicou aos calistênicos do andar rápido e da respiração profunda. Enquanto salientava que “o cultivo do solo produz com sua ação todos os movimentos que jamais foram praticados no salão de ginástica”,42 ela defendia com ardor o andar depressa. “Ministros, professores, alunos e outros obreiros intelectuais, sofrem freqüentemente doenças provenientes de pesado esforço mental não atenuado pelo exercício físico. O que essas pessoas precisam é de uma vida mais ativa… Aqueles cujos hábitos são sedentários de-vem, quando o tempo permitir, fazer exercício ao ar livre todos os dias, de verão e de inverno. Caminhar é preferível… pois movimenta mais músculos. Os pulmões são forçados a uma ação benéfica, uma vez que é impossível andar em passo vivo sem os dilatar.”43

Exercícios como correr, andar, ciclismo e outros, denominados aeróbicos, podem contribuir grandemente para proporcionar boa saúde, ao lado do cultivo do solo. A Sra. White defendia essa espécie de exercício e a punha em prática.

Em nossos programas estudantis pode ser dado mais espaço a atividades recreativas ao ar livre, tais como velejar, andar de canoa, sobre-viver no deserto, acampamento e atividades do gênero. Mais atenção às “artes aplicadas” modernas e às habilidades vocacionais em nossos currículos educacionais, poderia ajudar a qualificar nossos estudantes para vocações secundárias. Esses programas, combinados com um realce sobre aptidão física, poderiam oferecer a atividade de que nossos estudantes necessitam, bem como desenvolver traços de caráter tais como disciplina, lutar por um alvo, e amor aos de fora. Naturalmente, mesmo estas atividades podem tornar-se competitivas e todo-absorventes, mas talvez seu potencial de mau uso seja menor.

Algumas pessoas acham que pelo fato de muitos aspectos da vida serem competitivos (a procura de boas notas, de um companheiro para a vida, ou uma ocupação) a participação bem-sucedida nos esportes proporciona um bom preparo. Outros dizem que como “peregrinos na Terra”, os cristãos são “súditos do reino de Deus” (Filip. 4:20), e “por isso não mais se conformam com o modelo deste mundo” (Rom. 12:1). Eles arrazoam que o pecado da inconstância, da luta pela supremacia e a grandeza, é uma falta humana comum, uma preocupação contra a qual Cristo precisava aconselhar sem-pre os Seus discípulos. Aquele que “não teve por usurpação ser igual a Deus” (Filip. 2:6), ressaltou que “aquele que entre vós todos for o menor, esse mesmo é grande” (S. Luc. 9:48).

Em seu livro Love Not the World, Watchman Nee lembrou que como cristãos não podemos agir da maneira que as pessoas do mundo agem. “Os cristãos são realmente estrangeiros que vivem aqui em um elemento que não é naturalmente seu. Um nadador pode mergulhar profundamente no mar, mas, sem roupa especial e ligação direta com a atmosfera que lhe pertence, não pode permanecer ali. A pressão é muito grande e ele precisa respirar o ar do mundo ao qual pertence.”44

Poderia ser, então, que os esportes desfigurem a verdadeira compreensão do conceito bíblico de verdadeira grandeza? A participação nos esportes pode mostrar-se excelente para as pessoas do mundo, pois a vida é muito competitiva. Para o povo de Deus, porém, a arena artificial dos esportes pode oferecer antes um preparo desprezível para o estilo de vida de Deus. “O fermento da verdade não produzirá espírito de rivalidade, amor de ambição, desejo de primazia.”45

Poderia a participação regular nos esportes confundir também nossa compreensão do prazer piedoso — o prazer de conhecê-Lo e comungar com Ele? Como escreveu o salmista: “Fizeste-me conhecer a vereda da vida; encher-me-ás de alegria em Tua presença, de prazeres eternos em Tua mão direita” (Sal. 16:11, NIV). O prazer dos esportes pode diminuir-nos a capacidade de apreciar os prazeres mais sutis envolvidos no conhecimento de Deus. Se alguma coisa deve inspirar-nos o entusiasmo, o prazer ou o deleite, esta deve ser a cruz de Cristo!

Quaisquer reformas nesse sentido, precisam ser cuidadosamente consideradas. Qualquer discussão sobre o assunto dos esportes em nossas escolas deve vir no contexto de onde nos posicionamos como igreja. Preocupo-me ao pensar que nossas escolas se estejam tornando mais e mais semelhantes às escolas públicas. A moderna estratégia de marketing encarece que os grupos devem colocar-se no lugar do mercado, oferecendo um serviço especializado a um certo grupo em mira. Nossa notabilidade espiritual pode não ser discernível por nossos jovens, ajudando talvez a explicar por que mais da metade deles escolhem sua educação em outro lugar. Nossa verdadeira ocupação é assegurar que estamos andando no caminho de Deus e não em nosso próprio caminho.

Ellen White alimentava grandes esperanças pelas nossas escolas. Em 1894, enquanto estava na Austrália, ajudando a preparar o programa em Avondale, escreveu: “Nossas instituições de ensino podem pender para a conformidade mundana. Podem avançar passo a passo em direção ao mundo; são, porém, prisioneiros de esperança, e Deus as corrigirá e iluminará, trazendo-as de volta a sua honrada posição de se-paração do mundo. Estou observando com intenso interesse, esperando ver nossas escolas completamente imbuídas do espírito da religião pura e sem mácula. Quando estiverem assim imbuídos, os estudantes verão que há uma grande obra a ser feita segundo as normas de acordo com as quais Cristo trabalhava, e o tempo que eles têm dedicado às diversões será empregado para a realização de diligente trabalho missionário.”46

  • 1. Testimonies, vol. 3, págs. 131-169.
  • 2. Ibidem.
  • 3. F. E. Leonard; G. B. Affleck, The History of Physical Education (Filadélfia, Pensilvânia: Lea and Febiger, 1947). Ver também J. Brubacher, A History of the Problems of Education (Nova Iorque: McGraw-Hiil Book Co., Inc., 1947); E. P. Cubberly, The History of Education (Cambridge: Riverside Press, Houghton Mifflin Co., 1948); C. W. Hackensmith, History of Physical Education (Nova Iorque: Harper &. Row, 1966); R. F. Butts, A Cultural History of Western Education (Nova Iorque: McGraw-Hiil Book Co., Inc., 1955); J. Mulhem, A History of Education: A Social Interpretation (Nova Iorque: The Ronald Press. Co., 1958); E. A. Rice, J. L. Hutchinson, and M. Lee, A Brief History of Physical Education (Nova Iorque: The Ronald Press Co., 1958).
  • 4. F. E. Leonard, G. A. Affleck. The History of Physical Education.
  • 5. Ibidem.
  • 6. E. A. Rice, J. L. Hutchinson, and M. Lee, A Brief History of Physical Education.
  • 7. Spears. Swanson, and Smith, History of Sport and Physical Activity in the United States (Dubuque, Iowa: Wm. C. Brown Co., 1978).
  • 8. E. K. Vande Vere, The-Wisdom Seekers.
  • 9. Ibidem.
  • 10. White Document Files, 249d. Um bloco de correspondência entre E. G. White na Austrália e W. W. Prescott com res-peito a assuntos escolares em Battle Creek, particularmen-te esportes e diversões. No arquivo da Universidade de Loma Linda, na Sala de Herança.
  • 11. Ibidem.
  • 12. Ibidem.
  • 13. Mensagens Escolhidas, Livro 2, págs. 321-328.
  • 14. Arquivos de Documentos de White, 249d.
  • 15. Fundamentos da Educação Cristã, págs. 220-230.
  • 16. Arquivos do Documentos de White, 249d.
  • 17. W. J. Gibson, The History of Seventh-day Adventist Education in Australia and New Zealand (teses para a Universi-dade de Melbourne; pode ser obtida na Sala de Herança da Universidade de Loma Linda). Ver também C. H. Schowe, The History of Avondale College (Loma Linda University Heritage Room).
  • 18. Fundamentos da Educação Cristã, págs. 310-327; 416-424. Ver também Testimonies, vol. 6, págs. 126-218.
  • 19. E. G. White, carta a “The Friends of the School”, 20 de dezembro de 1896. L-60a-1896, Loma Linda University Heritage Room.
  • 20. Fundamentos da Educação Cristã, págs. 310-327; 416-424. Ver também Testimonies, vol. 6, págs. 126-218.
  • 21. E. K. Vande Vere, The Wisdom Seekers.
  • 22. Ibidem.
  • 23. W. J. Gibson, The History of Seventh-day Adventist Education in Australia and New Zealand; C. H. Schowe, The History of Avondale College.
  • 24. Arquivos de Documentos de White 250a. Carta do Prof. C. B. Hughes ao Pastor W. C. White, Keene, Texas, 22 de julho de 1912.
  • 25. Arquivos de Documentos de White 250a.
  • 26. Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes, págs. 348-354.
  • 27. Arquivos de Documentos de White, 250d. Backgrounds on Sports and Recreation, carta de W. C. White a W. L. H. Baker, 24 de abril de 1900.
  • 28. Arquivos de Documentos de White 250a.
  • 29. Ibidem.
  • 30. Manuscript Release $553. Divertimentos no Colégio de Avondale. Registros do Diário de Ellen White, 16-18 de abril de 1900.
  • 31. Arquivos de Documentos de White 250d.
  • 32. E. K. Vande Vere, The Wisdom Seekers.
  • 33. H. Christman and G. Christman, Madison, God’s Beauti-ful Farm Mountain View, Califórnia: Pacific Press Publishing Assoc., 1979).
  • 34. E. K. Vande Vere. The Wisdom Seekers.
  • 35. Ellen G. White, Review and Herald 89(40): 3 de outubro de 1912.
  • 36. E. K. Vande Vere, The Wisdom Seekers.
  • 37. W. E. Howell, “Working to the Pattern in Christian Education”, Review and Herald 103(12): 25 de março de 1926, pág. 9. Ver também Review and Herald, 105(6); A. W. Spalding, série de artigos sobre esportes e recreação, Review and Herald, 11, 18 e 25 de setembro; 2, 9 e 16 de outubro de 1947.
  • 38. Mensagens Escolhidas, Livro 3, pág. 217.
  • 39. Educação, pág. 30.
  • 40. O Lar Adventista, pág. 499.
  • 41. A. Spalding, Who Is the Greatest? (Mountain View, Cali-fórnia: Pacific Press Publishing Assn., pág. 96.
  • 42. Fundamentos da Educação Cristã, págs. 72-75.
  • 43. A Ciência do Bom Viver, págs. 238 e 240.
  • 44. W. Nee, Love Not the World (Fort Washington, (): Christian Literature Crusade, 1968), pág. 77.
  • 45. Parábolas de Jesus, pág. 101.
  • 46. Fundamentos da Educação Cristã, pág. 290.