DR. J. W. McFARLAND
Secretário Adjunto do Departamento Médico da Associação Geral
DEVIDO ao grande e crescente consumo de bebidas alcoólicas, é êste assunto um dos maiores problemas com que se defronta o mundo hodierno. Embora haja grande número de bebidas alcoólicas, muitas das quais contêm outras substâncias que deveriam ser examinadas cuidadosamente, seu ingrediente comum é o álcool, que é da maior importância e é o assunto que consideraremos. Álcool é álcool, seja encontrado na cerveja, no vinho, no aguardente ou no uísque.
Primeiramente, examinemos os efeitos do álcool sôbre o sistema nervoso. Há duas divisões principais do sistema nervoso: o central, que consiste do cérebro e da medula espinhal; e o periférico, que consiste dos nervos que ligam o sistema nervoso central aos vários órgãos e músculos do corpo.
Qual é o efeito do álcool sôbre o cérebro? Deprimente, e não estimulante. Essa é uma das declarações mais importantes que se pode fazer com relação ao álcool. O álcool é deprimente, não estimulante. Isso contraria a crença popular dominante, mas é da mais fundamental importância e compreende corretamente o efeito do álcool sôbre o organismo em geral, e sobretudo a mente. Por certo muitos cogitarão como pode o álcool ser deprimente, pois seu efeito é fazer com que a pessoa fale mais, e cante, e ria; e até brigue. A resposta é que o álcool deprime os centros controladores do cérebro, deixando que as atividades físicas e mentais inferiores andem infrenes. É o mesmo que tirar o breque de um carro. O carro não ganha mais fôrça, mas muitas vêzes assim parece quando fica fora de controle e envereda para uma árvore.
O álcool pertence à classe dos depressores pregressivos do cérebro. Quer isto dizer que reduz as atividades dos diferentes centros do cérebro em ordem progressiva, afetando primeiramente os centros mais elevados. Em outras palavras, as funções mais elevadas do controle, da razão e do juízo são atingidas antes de desaparecerem as faculdades do movimento e da fala. Depois de as faculdades do discernimento serem obliteradas pelo álcool, a pessoa pode falar mais, mas diz menos; pode haver mais palavras, porém menos sabedoria.
Muitas vêzes nos orgulhamos, e com razão, de nossa sabedoria moderna. Mas eu gostaria que lêsseis algo da sabedoria antiga, que é um tratado altamente científico sôbre os efeitos do álcool. Encontra-se em Provérbios, no primeiro versículo do vigésimo capítulo: “O vinho é escarnecedor, e a bebida forte alvoroçadora; e todo aquêle que nêles errar nunca será sábio”. Isso responde ao conceito popular de que a bebida é estimulante; ela é escarnecedora e alvoroçadora. Aí está o grande perigo. A pessoa sente-se mais capaz, quando de fato sua capacidade diminui. Julga-se motorista perita e, com isso, arrisca-se mais, imprimindo maior velocidade, quando realmente se torna muito pior motorista. Um humorista popular diz: “A maior parte das pessoas guia o carro como se estivesse atrasada para o desastre.” E o condutor que está sob a influência do álcool geralmente não demora muito a chegar ao seu acidente.
Mesmo as pequeninas quantidades de álcool reduzem a capacidade do bebedor para pensar com rapidez e agir com presteza. Nestes dias de viagens rápidas, mesmo uma pequenina demora em observar o perigo e aplicar os breques pode terminar em desastre. Um carro que corra a cinqüenta quilômetros por hora, andará sete metros em apenas meio segundo. Isto mostra o grande perigo da mais insignificante in-fluência alcoólica. Mas o pior é que quando a pessoa toma ainda que seja uma pequenina dose de bebida, fica impossibilitada de dizer até que ponto se tornou incapacitada, e quanto mais capacidade perde tanto mais capaz se julga.
O Álcool e a Exatidão
O álcool diminui a fôrça muscular e a resistência. Contudo, embora isso seja importante, não é tão sério quanto a conseqüente perda do controle. E isso se manifesta especialmente nos movimentos delicados e rápidos, como os do datilografo. Por pequena que seja a quantidade de álcool, reduzirá a velocidade de um lino-tipista. A bem conhecida incapacidade dos atletas para competir com vantagem quando usam bebida alcoólica, é uma boa ilustração do efeito dessa droga sôbre os sistemas nervoso e muscular.
O álcool é causador de doenças dos pulmões. A média de mortes por pneumonia e tuberculose é mais elevada entre os bebedores do que entre os abstêmios. Num grupo estatístico, morreram de pneumonia dezoito e meio por cento de abstêmios; vinte e cinco por cento de bebedores moderados; e trinta e dois e oito décimos por cento de bebedores imoderados.
O efeito dessa droga sôbre o aparelho digestivo é de grande interêsse. Em qualquer concentração elevada, o álcool é irritante. Essa ação irritante é princípalmente prejudicial à membrana que reveste o estômago. Em primeiro lugar, as glândulas do estômago são irritadas e produzem quantidade maior de ácido hidroclórico. Contudo, se êsse dano continua por período de tempo considerável, as glândulas são substituídas pelo tecido conectivo ou danificado e deixam inteiramente de produzir ácido. Quando associada com a perda de enzimas do suco gástrico, essa falta leva à indigestão permanente. As bebidas alcoólicas mais fortes retardam a digestão no estômago.
O Álcool e a Loucura
Se prolongado, o uso do álcool freqüentemente leva à loucura. O “delírium” é uma forma de loucura temporária alcoólica na qual a vítima quase sempre vê monstros, demônios e serpentes. Um homem pensava que no quarto ha-via raptores à sua procura. Pensai que agonia sofreríeis se houvesse raptores à vossa procura, e então buscai imaginar a agonia dêsse homem, horas a fio, todos os dias.
O Álcool e o Fígado
Não é somente o estômago que é afetado, mas também outros órgãos digestivos o são, e muito especialmente o fígado. O fígado é a maior das glândulas do organismo, chegando a pesar dois quilos. Não é apenas importante pelo tamanho, mas também por fornecer suco digestivo, que é a bile, e ter muito que ver com o armazenamento de açúcar de reserva. As bebidas alcoólicas causam a destruição das células do fígado, que são substituídas por tecido danificado. A isso se chama cirrose alcoólica, ou fígado de carda. O último têrmo é usado porque, devido à superfície irregular do fígado, assemelha-se à parte inferior de um sapato de escalador de montanhas. De certo um fígado assim estragado não pode realizar convenientemente seu trabalho. O sangue do trato digestivo deve passar pelo fígado antes de ir para o coração. Os vasos sanguíneos pequenos se estreitam, causando indigestão, hemorragias e fluidos no abdômen.
É o Álcool Alimento?
É o álcool alimento? Eis uma pergunta muito importante. Certamente a resposta depende da definição de alimento. Vejamos uma boa definição: “O alimento pode ser definido como qualquer substância que, quando absorvida pelo sangue, nutre, repara o desgaste e fornece fôrça e calor ao corpo, sem prejudicar qual-quer uma de suas partes, nem ocasionar a perda das atividades funcionais; nem deve êle reclamar constantemente crescentes quantidades de si mesmo.”
Ora, o álcool prejudica e exige doses sempre crescentes; portanto não é alimento verdadeiro. Mas ouvimos muito falar em que o álcool fornece calor ao corpo. Certamente dá, mas prejudica o corpo ao mesmo tempo. Consideremos uma ilustração: É a dinamite um combustível? Certo é que produzirá calor. Mas eu não quero aquecer o forno com dinamite. Nem me quero aquecer com álcool, e justamente pelo mesmo motivo: é perigoso demais.
Calor Enganador
Isto nos leva a considerar a interessante questão: Como faz o álcool que uma pessoa se sinta aquecida? Notai a expressão: “sentir-se aquecida”; não “conservar-se quente”. Quando um indivíduo normal sai à friagem, os vasos da pele se contraem, para evitar que o sangue quente do interior do corpo assome à pele, onde poderá ser ràpidamente esfriado. Isso certamente torna a pele mais fria, e como sentimos o calor e o frio na pele, e não nos órgãos internos, a pessoa sente frio. Quando alguém toma bebida alcoólica, êsses vasos sanguíneos se dilatam, ou ficam maiores, permitindo assim que o sangue aflua para a pele. A pele é, portanto, aquecida, e a pessoa se sente mais quente. Mas ao mesmo tempo o sangue é resfriado, e, por seu turno, esfria os órgãos vitais internos. Assim o álcool faz com que a pessoa se sinta mais quente, quando em realidade esta gelando até à morte, e muito mais depressa do que se não estivesse sob sua influência. Verdadeiramente, “o vinho é escarnecedor, e todo aquêle que nêle errar nunca será sábio”.
Seria natural pensar: “Se o álcool torna a pessoa mais fria no tempo frio, deve mantê-la mais fresca no tempo quente”. Mas o que se dá é justamente o contrário, visto o álcool aumentar grandemente o perigo de insolação.
É o Álcool Medicamento?
Chegamos agora à pergunta mais importan-te: É o álcool remédio? Certamente a resposta dependerá da definição de medicamento. Se por medicamento entendermos tudo aquilo que exerce efeito sôbre o corpo, então o álcool o é. Mas para ser remédio verdadeiro, os efeitos devem ser benéficos em vez de prejudiciais, ou, pelo menos, o benefício deve ser maior que o prejuízo. Como já mencionámos, o álcool pertence à mesma categoria dos brometos, do éter e do clorofórmio; isto é, diminui a atividade do sistema nervoso.
Certamente se compreende que pode haver circunstâncias que justificariam o uso do álcool, visando a efeitos medicinais. Por exemplo: se o médico estiver nas selvas e tiver que realizar uma amputação e não houver nenhuma droga que amorteça a dor, certamente será justificável o uso do álcool para diminuir a sensibilidade. Mas significaria o fato de ser permissível o uso de álcool em tais circunstâncias, que êle devesse ser usado em outras ocasiões. Voltemos à nossa ilustração. Se o mesmo médico estivesse nas mesmas selvas e fôsse forçado a realizar a mesma amputação sem qualquer outro instrumento cirúrgico que não um canivete, certamente seria justificável usá-lo; mas isso não equivale a que seria boa cirurgia usar canivete quando está em condições de utilizar instrumento melhor.
Mas a parte peculiar quanto ao uso do álcool como medicamento é que, com raras exceções, não é usado para produzir seu verdadeiro efeito, que é o de depressão, mas seu suposto, embora irreal efeito: o de estímulo. Ora, é verdade que o uso de bebida alcoólica forte irrita o sistema nervoso e, portanto, acelera momentâneamente o pulso e possivelmente haverá ligeira elevação da pressão sanguínea. Mas é apenas um efeito irritante idêntico ao que se conseguiría se se colocasse na bôca qualquer outra substância irritante, como a pimenta, por exemplo, o que só duraria alguns momentos. Se o álcool fôsse usado como narcótico, em vez de estimulante, haveria mais razão para seu uso; mas usar um deprimente, na esperança de alcançar efeito estimulante, é tão insensato quanto usar bôlsa de gêlo, à noite, para aquecer os pés.
Quando falo do uso do álcool como droga, aos meus amigos médicos que ainda o usam, êles, em geral, argumentam da seguinte forma: “Que diz de seu uso na pneumonia? Certamente é valioso nesse caso”. Ao procurar-se saber por que o usam no tratamento da pneumonia, a resposta invariavelmente é: “Para levantar as fôrças”. Mas justamente isso é o que o álcool não faz. Isso é muito bem esclarecido num editorial de The Journal of the American Medical Association, que contém a declaração: “O álcool não pode ser utilizado nas transformações celulares de energia, nem na realização de trabalho muscular”, que, traduzido para a lin-guagem comum, significa que não se pode usar o álcool visando a alcançar energia e fôrça. Só pode ser usado para aumentar o calor.
O efeito do álcool no sistema reprodutor não pode ser passado por alto. Êle origina a perda das funções superiores do cérebro, e causa imoralidade sexual, e, portanto, doença. Há também muita prova de que o álcool age diretamente na produção de males físicos e mentais em sucessivas gerações. Também, como causador de pobreza, seus efeitos são de grande importância para os bebês e demais crianças.
Uma Droga que Forma Hábito
Chegamos, agora, ao pior aspecto do uso do álcool. O álcool forma hábito. E isso é importante, pois quando uma pessoa começa a usá-lo, não pode ter a certeza de que terá fôrças para abandoná-lo. De fato, poderá ter tôda a certeza de que não o abandonará. A princípio, o hábito parece inofensivo e fácil de quebrar; mas, antes de perceber o mal, perde-se o poder da vontade, de modo que o hábito não pode ser desfeito. Por que é o álcool formador de hábito? Porque produz alívio temporário dos cuidados da vida, e falso prazer ao fugir às suas realidades. No entanto, seus resultados são justamente o contrário. Aumentam êsses cuidados, e as realidades da vida se tornam mais confrangedoras. Ao mesmo tempo, as sensibilidades superiores sofrem depressão, depois são enfraquecidas até à perda da fôrça da vontade; e a vítima continua a procurar alívio temporário a expensas da contínua degradação.
Conclusão
Em conclusão, eu gostaria de fazer séria pergunta: Que bem faz o álcool para que alguém esteja disposto a arriscar-se à crescente probabilidade de ser uma fonte de tristeza e de infelicidade para a família e os entes queridos? Esta vida só pode ser vivida uma vez. Estejamos seguros, e vivamos sem bebidas alcoólicas.