SIEGFRIED H. HORN

(Professor de Arqueologia e História da Antigui­dade, do Seminário Teológico A. S. D.)

PARTE IV

Os Reinos de Judá e Israel

SALOMÃO é descrito na Bíblia como homem sábio, grande arquiteto e comerciante de fama internacional. As numerosas destruições de Jerusalém e a inacessibilidade da área do templo para os escavadores, poucas provas nos forneceram das portentosas atividades construtoras na sua capital. Em Megido, entretanto, os remanescentes do nível Salomônico, trouxeram à luz grandes cavalariças com espaço suficiente para 500 animais, com as residências oficiais do chefe e comandante dos carros de Salomão naquela região do país. 1Megido é uma das cidades mencionadas na Bíblia em ligação com as extensas atividades construtoras de Salomão para prover cidades fortificadas para os seus carros. (I Reis 9:15; 10:26; II Crô. 1:14.)

Diz-nos a Bíblia, também, que Salomão construiu barcos em Ezion-geber, de onde partiam em busca das riquezas de Ofir, com cujo país mantinha transações comerciais intensas. (I Reis 9:26; II Crô. 8:17.) Declara, também, que ouro, prata e bronze foram mais abundantes durante o seu reinado, do que em qualquer tempo a êle anterior ou posterior. (II Crô. 9:13, 14 e 27; 4:17 e 18; I Reis 7:46 e 47.) As explorações de Nelson Glueck feitas em Edom, antes da última guerra, descobriram as minas de cobre de Salomão, e um grande centro de produção dêsse metal em Ezion-geber, no litoral noroeste do Mar Vermelho. Na escavação feita nessa cidade, foi descoberta grande quantidade de fundições exepcionalmente grandes, com chaminés de aspecto moderno. Verificou-se que grande parte da riqueza de Salomão provinha da produção de objetos de cobre, instrumentos e armas que, aparentemente, eram negociados com as nações vizinhas. Todos êsses objetos eram fabricados nesse grande centro industrial, a Pitsburgo de Salomão, como Nelson Glueck chamou Ezion-geber. 2

Pouco depois da morte de Salomão, Sisac, rei do Egito, invadiu a Palestina e arrebatou de Jerusalém grande parte do tesouro ali acumulado por Salomão. (I Reis 14:25 e 26.) A lista das cidades palestinas que Sisac pretendeu haver conquistado, e por êle inscritas nas paredes do templo de Carnac, no Egito, eram havia muito conhecidas, mas faz’ poucos anos apenas, foi achado um fragmento dum obelisco que o rei Sisac erigiu em Megido, no próprio país da invasão. 3

Em escavações efetuadas na cidade de Tanis, no Egito, o professor P. Montet descobriu, no início da última guerra, alguns sepulcros reais da mesma dinastia a que pertenceu o rei Sisac. Entre elas figurava a do rei Sisac II, neto do invasor da Palestina. Alguns dos ornamentos de ouro encontrados nesse sepulcro e cujas inscrições declaram haverem sido oferecidos ao morto por seu avô, Sisac I, bem pode haverem sido confeccionados com o ouro retirado de Jerusalém. 4 Esperam todos os egiptólogos estudiosos da Bíblia que o sepulcro do rei Sisac I venha também a ser encontrado, pois existe a possibilidade de que contenha os objetos por êle retirados de Jerusalém, bem como informações concernentes à sua campanha militar, descrita suscintamente na Bíblia. (I Reis 14:25 e 26.)

As escavações norte-americanas de Samaria descobriram as ruínas dos palácios e celeiros de Onri e Acab, bem como os muros da cidade. Por muito tempo não se imaginava como compreeder o passo que afirma haver Acab construído uma casa de marfim. (I Reis 22:39.) Dificilmente se imaginaria que o marfim fôsse tão abundante que possibilitasse a construção dum palácio. Alguns comentaristas julgavam que o palácio de Acab houvesse estado pintado da côr do marfim, e dado, assim, origem ao nome “palácio de marfim”; pensavam outros que fôsse ornado de pedaços de marfim. Esta última suposição confirmou-se estar certa. Numerosas belas placas de marfim foram encontradas entre as ruínas do palácio de Acab. Mostram-nos elas o artisanato altamente artístico do tempo de Acab, e que os seus móveis e paredes estavam ornados de painéis de marfim lavrado, que também estavam pintados em côres vivas, como claramente mostram os fragmentos encontrados. São êles o restante do saque efetuado pelos assírios quando conquistaram Samaria, em 722 A. C. Ao arrancarem os painéis de marfim, abandonaram os fragmentos no edifício que incendiaram. Êsses fragmentos de marfim, preservados pelos destroços do antigo palácio até que foram de novo trazidos à luz em nossos dias, são agora testemunhas vivas de outro passo das Escrituras. Vários outros painéis foram encontrados num palácio assírio em Ninrod, a antiga Calá, que foi uma das cidades de residência real assíria. São êles de estilo muito semelhante ao encontrado em Samaria, e, ou provêm do mesmo palácio ou foram lavrados segundo o modêlo visto pelos assírios em Samaria. 6

Dos celeiros de Acab foram retirados cêrca de uma cetenta de fragmentos de ladrilhos de barro. Contêm êles anotações de impostos relativos a óleo e vinho recebidos pela fazenda real. Êsses despretenciosos documentos são, não obstante, de grande valor para familiarizar-nos com o vocabulário, ortografia e escrita da língua hebráica do século IX A. C. Os nomes de indivíduos também revelam a mescla religiosa existente ao tempo de Acab, porque da quantidade computada a metade tem ligação com Jeová. 7 Entre êsses nomes encontram-se os bem conhecidos de Abibaal, Baalzamar, Baalazakar, Baalmeoni, Meribaal e Baala, para só citar uns poucos relacionados com Baal. Os nomes que continham o divino nome de Jeová eram: Jedaia, Jeoiada, Semaria, e outros.

Êsses nomes de indivíduos são indicativos das condições religiosas existentes no tempo de Acab, quando Elias combateu com tanto vigor o culto de Baal, mas mostram, também, a verdade da declaração feita por Elias de que muitos não haviam dobrado os joelhos a Baal (I Reis 19:18), fato êsse que Elias não reconhecera anteriormente, pois pensou ser êle próprio o único restante dentre os verdadeiros adoradores de Deus. As óstracas (terracota) samaritanas, entretanto, mostram-nos que havia tantos pais que davam aos filhos nomes relacionados com Jeová, quantos eram os que punham nos seus, nomes de Baal.

Um nome dêsses ladrilhos samaritanos, Egeliau, também relacionado com Jeová, tem interêsse especial por motivo de sua significação: “Jeová é um bezerro”. Jeroboam I erguera em Betei e Dã dois bezerros, onde Jeová era adorado como o eram os ídolos dos vizinhos pagãos de Israel. Isso ficou conhecido como “o pecado de Jeroboão” (I Reis 12: 28-30; 15:34, etc.), e foi um dos motivos principais da queda do reino do norte. Conquanto os bezerros de ouro hajam desaparecido há muito, o nome dos cidadãos humildes do tempo de Acab dá testemunho de que o povo de então considerava Jeová um bezerro, como lhes ensinavam as imagens de Betel e Dã.

Os documentos concernentes à queda de Samaria são há muito conhecidos. O rei assírio, Sargon II, reivindicava em suas inscrições, nossas conhecidas há muitos anos, a tomada da cidade de Samaria, no princípio do seu reino, e a captura de 27.290 prisioneiros, além de 50 carros. 8 Por muito tempo creu-se que êle haja sido o conquistador de Samaria, se bem que a Bíblia declare que Salmanasar, predecessor de Sargon, foi quem sitiou a capital do reino do norte. Prova mais recente mostra que Sargon reivindicou para si alguma coisa que o seu predecessor havia realizado. De Salmanasar, conquistador de Samaria, desapareceram tôdas as inscrições. Foram elas, possivelmente destruídas propositalmente pelo usurpador Sargon, que lhe seguiu no trono. Durante os primeiros sete anos de seu reinado, não reivindicou êle para si a conquista de Samaria, mas repentinamente, no seu oitavo ano, começou a contar, em suas inscrições, que conquistara essa cidade. 9

Conta-nos a Bíblia que, depois da queda de Samaria, os israelitas foram removidos para diferentes partes do império assírio, para Halá, Habor, para junto do rio Gozã, e para as cidades dos medos. (II Reis 17:6.) Essa é a última informação que dêles temos. Depois de serem levados para o exílio, os israelitas desapareceram da história. Alguns talvez se ajuntaram mais tarde aos judeus que foram levados em cativeiro para Babilônia e, ou voltaram com êles para a Palestina, sob o comando de Ciro, ou ficaram em Babilônia, onde se formou grande coletividade israelita. A grande maioria dos israelitas, sendo idólatras e quase sem diferença alguma dos demais pagãos, pode haverem perdido a sua individualidade e sido absorvidos pelo povo entre que foram postos. Apenas uns poucos textos que mencionam alguns dêsses cativos israelitas, foram encontrados na Mesopotâmia. Um texto procedente de Tel-Halá, a antiga Gozã mencionada em II Reis 17:6, regista a transferência de uma jovem escrava israelita de nome Diná. Outros homens mencionados no mesmo texto são um certo Ismael e um escravo chamado Oséias. 10 Uma das cartas reais assírias, encontrada na capital de Nínive trata de negócios em Gozã, e faz menção de dois oficiais com nomes hebraicos e um certo “Halbiseu da cidade de Samaria”. Uma quantidade de outros textos, procede da região de Cabur, também mencionada em II Reis 17:6 (sob o nome de Habor), e contém certo número de nomes israelitas. 11 São êsses os únicos traços que podemos achar dos cidadãos derrotados do moderno reino do norte. A partir dêsse tempo, êles simplesmente desapareceram, e não há mais possibilidade de serem encontrados pelo historiador. Tudo quanto é dito, contràriamente a êsses fatos, pelos defensores do movimento anglo-israelita, que encontra descendentes das “Dez Tribos Perdidas” entre a população atual das Ilhas Britânicas, é historicamente infundado e mero disparate.

Os últimos anos do Império Assírio ficaram envoltos em mistério. Com Assurbanipal (668? AC) cessam as nossas fontes. Muitos dos nossos livros de História nos dão a data de 606 A. C. como havendo sido o ano da queda de Nínive. Somente em 1923 foi achado, entre as preciosidades do Museu Britânico, um ladrilho que revelou que essa data estava errada. Êsse ladrilho, divulgado por C. J. Gadd, contém um relato das campanhas militares de Nabopolassar de Babilônia, e Ciaxares, da Média, empreendidas contra a Assíria, no decorrer dos anos 616-609 A. C. Conquistaram êles uma cidade após outra, e destruíram o Império Assírio. Êsse ladrilho claramente mostra que Nínive foi destruída no ano 612 A. C. e o império assírio dividido entre os dois poderes conquistadores, nesse mesmo ano. 12 Tôda a complicada história do Egito, Babilônia e Judá durante êsse período, para o qual a Bíblia é a nossa fonte principal, foi esclarecida imensamente por êsse único texto histórico. Uma quantidade de problemas foi solvida por êsse meio, e quase não existe período da história do Velho Testamento que reconstruamos com tanta certeza e precisão quanto o período de Nabopolassar, Nabucodonozor e seus contemporâneos Judeus, de Josias e Zedequias.

Textos astronômicos e outros, escritos em ladrilhos cuneiformes fixaram os anos do reinado de Nabucodonozor com tanta clareza que o sincronismo apresentado na Bíblia entre êsse reinado e o govêrno judaico nos permite datar o comêço do cativeiro de Daniel (Dan. 1:1) com certeza absoluta no ano 605 A. C. De igual modo o cativeiro de Joaquim é datado de 597 A. C., e a queda de Jerusalém em julho de 586, A. C. Visto que essas datas podem ser confirmadas astronômicamente, não resta a mínima dúvida quanto à sua exatidão, apesar de que muitos eruditos relutem em aceitá-las e rejeitar a data anteriormente aceita de 598 A. C., para o cativeiro de Joaquim, e 587 A. C., para a queda de Jerusalém.

O Exílio

Em anos recentes os críticos eruditos deram muita atenção aos livros escritos durante o exílio e imediatamente depois dêle, i. é, Ezequiel, Esdras e Neemias. Êsses livros foram seriamente atacados e considerados tão indignos de confiança quanto os de Daniel e Ester, que haviam sido por muito tempo considerados não históricos e fictícios.

Quando G. Hölscher escreveu o seu livro sôbre Ezequiel, em 1924, disse que a condenação da crítica havia atingido quase todos os livros proféticos, com exceção de Ezequiel, que permanecera intato, e que era alto tempo de que alguém atacasse Ezequiel. 13 A teoria mais revolucionária, a respeito de Ezequiel, foi defendida pelo professor C. C. Torrey, da Universidade de Yale, que o considerou uma velha ficção, e historicamente muito indigno de confiança. 14 Idênticamente considerara antes os livros de Esdras e Neemias. Êle e seus seguidores chegaram até a duvidar da historicidade da queda de Jerusalém para Nabucodonozor. Ao ser abordada a destruição de Jerusalém, duvidou-se do cativeiro babilônio e do regresso, sob Ciro. Os descobrimentos dos anos recentes tornaram todos êsses conceitos críticos insustentáveis, e apoiaram de modo notável os registos da Bíblia.

As escavações de Láquis, Debir e outras cidades judias mostram que essas cidades haviam sido inteiramente destruídas no tempo de Nabucodonozor, e não se sabe de um único caso em que uma cidade de Judá houvesse sido ocupada durante o período exílico. 15 Sinetes com a inscrição do nome do rei Joaquim, encontrados em Debir e Beth-semes provam a existência dêsse rei efêmero. 16 Além disso, uma quantidade de ladrilhos foi encontrada nas ruínas do palácio de Nabucodonozor, em Babilônia, e foram decifrados justamente antes da última guerra. O professor Ernst F. Weidner constatou serem anotações de provisões entregues pelo celeiro imperial aos empregados estrangeiros e aos dignitários exilados de Nabucodonozor. Entre êles, Joaquim, rei de Judá, seus cinco filhos e seu tutor judeu figuram como recebedores de óleo e vinho. 17 Isso prova que Joaquim estava prisioneiro em Babilônia ao tempo em que êsses ladrilhos foram escritos (592 A. C. e mais tarde), fato de que duvidou bom número de críticos. Albright, referindo-se aos vários descobrimentos que provam que os acontecimentos relacionados com o exílio, e registados nos livros de Crônicas e Ezequiel são corretos, diz que: “todo descobrimento recente com isso relacionado aumenta a prova tanto da data antiga do livro de Crônicas (cêrca de 400 A. C. ou pouco mais tarde) quanto do cuidado com que o autor das crônicas extraiu e compilou de livros mais antigos, documentos e tradições orais de que pôde dispor…. A nova documentação traz outras confirmações da autencidade do livro de Ezequiel.” 18

A Palestina, que sempre nos forneceu muitas inscrições antigas, deu à luz vinte e uma cartas escritas em cacos de ladrilhos. São elas os despachos dum comandante de exército que lutou contra o exército de Nabucodonozor nos últimos dias da existência de Judá como reino. 19 Uma dessas cartas contém a mensagem de que o missivista e seus soldados ainda estavam observando os sinais de Láquis, embora não mais pudessem ver os de Azeca. 20 Essa carta foi escrita nos dias trágicos de que Ezequiel falou no capítulo 34, v. 7: “Quando o exército do rei de Babilônia pelejava contra Jerusalém, e contra tôdas as cidades de Judá, que ficaram de resto; contra Láquis e contra Azeca; porque estas fortes cidades foram as que ficaram dentre as cidades de Judá.”

As mesmas cartas também se referem a um profeta que parece haver sido bastante conhecido, visto ser chamado simplesmente “o profeta”, sem menção do seu nome. 21 Pensam alguns eruditos que se refere a Jeremias, especialmente porque o comandante do exército, que escreveu as cartas, dá a impressão de essa pessoa ser fiel serva de Jeová.

Um paralelo interessante de Jeremias 38:4 é também encontrado numa das cartas que fala dos príncipes quase de igual modo em que, segundo a Bíblia, os príncipes se referiam a Jeremias. Os príncipes acusaram Jeremias de enfraquecer “as mãos dos homens de guerra que restam nesta cidade, e as mãos de todo o povo, dizendo-lhes tais palavras”, ao aconselhar-lhes êle que se rendessem aos babilônios e desistissem da resistência inútil. Nessa carta, escrita num ladrilho de barro cozido, o comandante do exército escreveu ao seu oficial superior a respeito da carta enviada pelo príncipe: “‘Peço-te que lhes leias.’ E observa que as palavras do príncipe não servem senão para enfraquecer-nos as mãos e debilitar as mãos dos homens que delas se informarem.” 22

Essas cartas de Láquis nos forneceram muita informação no que tange à língua e ortografia do tempo de Jeremias. Tão íntima é a semelhança da língua hebraica usada nessas cartas, com a encontrada nos livros dos Reis, Jeremias, e outros contemporâneos, que não pode haver dúvida quanto a serem êsses livros da lavra dos próprios autores, nem que não foram feitas alterações nos seus escritos.

Além disso, essas vinte e uma cartas contêm muitos nomes de pessoas que viveram nos últimos poucos meses da existência de Judá. Grande maioria dêsses nomes está relacionada com o nome de Jeová, assim como a ultima parte do nome Jeremias é uma abreviatura do divino nome de Jeová. Mostram êles, claramente, a influência da reforma de Josias. A idolatria foi estirpada, e removidos do país todos os deuses pagãos. Escritas uns quarenta anos depois da reforma de Josias, essas cartas refletem com clareza a grande mudança que, em sentido religioso, se operara em Judá. Aparecem em contraste notável com os documentos que nos vêm da Samaria do tempo de Acab, mostrando que havia exatamente tantos nomes relacionados com Baal quantos eram os relacionados com Jeová. Por outro lado, nenhum dos nomes encontrados nas cartas de Láquis continha o nome duma divindade estrangeira. Somente os nomes do verdadeiro Deus de Judá, Aloim e Heová, são encontrados nesses documentos. 23

Do mesmo período vem uma carta aramaica, escrita numa fôlha de papiro, encontrada há alguns anos no Egito. Essa carta foi escrita pelo rei Adon de Ascalon ( ? ) e dirigida ao Faraó Ofra, do Egito, o mesmo rei que, sem êxito, tentou prestar auxílio à sitiada Jerusalém. (Jer 37:5.) Nessa carta o rei Adon contou ao Faraó que o exército babilônio estava marchando pela costa da Palestina em direção ao sul, e avançara até Apec. Pedia êle auxílio imediato do Egito para resistir. 24

O apêlo patético do governador da Palestina que, como o rei Zedequias, ouvira as instigações falsas do Egito e rebelara-se contra o dominador babilônio, ajudam-nos a compreender o terrível desapontamento que o povo do tempo de Jeremias deve ter sentido quando se lhes frustraram tôdas as esperanças com a inatividade do exército egópcio ou com o pouco ou insuficiente auxílio prestado na luta contra os babilônios. Essa carta demonstra a fidelidade com que se estavam cumprindo as profecias com que Jeremias exortara as nações vizinhas de Judá a servirem fielmente a Nabucodonozor, e advertiu-as das terríveis conseqüências se contra êle se rebelassem. (Jer. 27:2-11.)

Também, êsse documento é um antiquíssimo exemplar duma carta diplomática escrita em aramaico, que ocasionou grande surprêsa ao mundo erudito. Ninguém imaginara que um rei filisteu do remoto sétimo século A. C., houvesse usado a língua aramaica ao dirigir-se a um rei egípcio. Visto que essa carta vem do mesmo período em que foram escritos os capítulos aramaicos do livro de Daniel, a carta é de grande importância para os estudiosos da Bíblia. Tempo houve em que os livros de Daniel e Esdras eram veementemente atacados como produções antiquadas e fantasiosas, por motivo das partes em aramaico que continham. Hoje, ninguém que conhece os fatos pode mais coerentemente usar o argumento aramaico como prova duma data mais antiga dêsses livros. Os muitos documentos aramaicos do quinto século encontrados em diferentes partes do Egito, forneceram-nos material abundante com que refutar as reivindicações dêsses críticos eruditos. 25

O redescobrimento de Belsasar forma outro capítulo soberbo da história da arqueologia bíblica. Belsasar só ficou sendo conhecido a partir do quinto capítulo do livro de Daniel. Êle nunca foi mencionado por um autor grego, nem em fonte outra que não a bíblica do período pré-cristão, com exceção do livro apócrifo de Baruc, que tem por fundamento o de Daniel. Os comentaristas fundamentalistas que defendiam o livro de Daniel, faz um século, encontravam dificuldade para explicar a identidade dêsse Belsasar de Daniel 5. Pensavam alguns, fôsse Nabonido; outros, se tratasse de outro nome de Nabucodonozor, filho de Evil-Merodac. Ao serem revelados os textos cuneiformes dos últimos anos do Império Babilônio, veio à luz o havia muito tempo, perdido nome de Belsasar como príncipe herdeiro do último rei de Babilônia. Sòmente quando o prof. R. P. Dougherty coligiu os numerosos textos que mencionam Belsasar e Nabucodonozor, foi que a verdadeira função dêsse nome se tornou conhecida. O livro de Dougherty, Nabonidus and Belshazzar, publicado em 1929, contém uma profusão de material útil que confirma as partes históricas de Daniel. Mostrou êle que, em seu terceiro ano de govêrno, Nabonido transferiu o govêrno para o seu filho Belsasar, ao retirar-se para Tema, na Arábia, onde passou muitos anos de sua vida, e que Belsasar exerceu o reinado sôbre o Império Babilônio durante os últimos anos de sua existência. As investigações de Dougherty conduziram-no à conclusão de que o quinto capítulo de Daniel é, em conformidade com os atuais ladrilhos cuneiformes, a fonte mais precisa do nosso conhecimento dos últimos dias de Babilônia. 26

O prof. R. H. Pfeiffer, que não crê que o livro de Daniel haja sido escrito no sexto século A.C., mas declara ser produto da era dos Macabeus, está perplexo. Não pode êle compreender como uma informação precisa acêrca de Belsasar foi introduzida no livro de Daniel num tempo em que êsse rei esteve tão esquecido em todo o mundo antigo, que nenhum dos autores gregos o menciona. Conseqüentemente, faz as declarações seguintes:

“Possivelmente nunca saberemos como o nosso autor teve conhecimento… de que Belsasar mencionado unicamente nos registos babilônios, em Daniel e em S. Mar. 1:11, que se baseia em Daniel, exerceu o reinado quando Ciro tomou Babilônia, em 538.” 27

Para nós, que cremos que o livro de Daniel foi escrito no sexto século A. C., não há problema, mas o erudito que não quer abandonar a sua atitude crítica, não pode compreender como um homem da era macabéia podia estar tão perfeitamente informado acêrca dos acontecimentos históricos ocorridos trezentos anos antes, e quando nenhum material de fonte fidedigna daquele período existia mais.

Como todos os demais historiadores, ainda não podemos provar a existência de Dario, o medo (Dan. 5:3; 6:1 e seguintes; 9:1; 11:1) por meio de registos contemporâneos, ou averiguar em fontes extra bíblicas daquele tempo, o papel que desempenhou nos dias que se seguiram à queda de Babilônia. Entretanto, visto que tantos pormenores obscuros e aparentemente não históricos do livro de Daniel foram recentemente elucidados e provada a sua veracidade, não existe para mim dúvida de que podemos confiar inteiramente nesse livro e afastar quaisquer dúvidas quanto à sua veracidade histórica. O problema ainda não solvido quanto a Dario, o medo, não me preocupa absolutamente. Há umas poucas décadas os nossos antepassados tiveram a mesma dificuldade no tocante a Belsasar, e êsse problema foi agora solvido de maneira admirável. Novos descobrimentos poderão em qualquer tempo elucidar êsse problema restante do livro de Daniel.

BIBLIOGRAFIA

  • (1) P. L. O. Guy, New Light From Armageddon (Oriental lnstitute Communications, N°. 9, Chicago, 1931) págs. 37 e seguintes.
  • (2) As escavações de Ezion-Geber foram publicadas apenas em forma preliminar por Nelson Glueck, em The Biblical Archaeologist, 1  (1938), págs. 13-16; 2  (1939), págs. 37 41; 3  (1940), págs. 51-55, e no Boletim, 71 (Outubro de 1938), págs. 13-16; 72 (Dezembro de 1938), págs. 2 13; 75 (Outubro de 1939), págs. 8-21; 79 (Outubro de 1940), págs. 2-18.
  • (3) Clearance S. Fisher, The Excavation of Armageddon (Oriental lnstitute Communications N°.  4, Chigaco, 1929) págs. 12 e 13.
  • (4) Pierre Montet, “La Nécropole des Rois Tanites”, Kemi, 9 (1942), págs. 1-96.
  • (5) J. W. Crowfoot e Grace M. Crowfoot, Early Ivories From Samaria (Londres, 1938), págs. 15 e 62, 25 ilustrações.
  • (6) R. D. Barnett, “The Nimrud Ivories and the Art of the Phoenicians”, Iraq, 2 (1935), págs. 179-210.
  • (7) J. W. Jack, Samaria in Ahab’s Time (Edinburgh, 1929), págs. 37-64, 98-101 e 145.
  • (8) Ancient Near East Texts, págs. 284-286.
  • (9) Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, (Chicago, 1951), págs. 122-128.
  • (10) Johannes Friedrich, et al-, Die Inschriften vom Tell Halaf, Archif fur Orientforchung, Beiheft 6 (Berlim, 1940), págs. 61 e 62.
  • (11) May, “The Ten Lost Tribes”, The Biblical Ar-chaelogist, 6 (1943), págs. 55-60.
  • (12) C. J. Gadd, The Fall of Nineveh (Londres, 1923); a última tradução dêste texto é de autoria de A. L. Oppenheim, em Ancient Near Eastern Texts, págs. 303-305.
  • (13) G. Hölscher, Hesekiel, Der Dichter und das Buch, Beihefte zur Zeitschrift der Alttestamentrichten Wissenschaft, Vol. 39 (Giessen, 1924), pág. 1.
  • (14) C. C. Torrey, Pseudo Ezekiel and the Original
  • Prophecy (New Haven, 1930), págs. 17,  18, 59-61.
  • (15) Albright, The Archaeology of Palestine (Penguin Books, 1949), págs. 141 e 142.
  • (16) Albright, “The Seal of Eliakim and the Latest Preexilic History of Judah. With Some Observations on Ezekiel”, Journal of Biblical Literature, 51 (1932), págs. 77-106.
  • (17) Albright, “King Joiachin in Exile”, The Biblical Archaeologist, 5 (1942), págs. 49-55.
  • (18) Ibid., págs. 53 e 54.
  • (19) Harry Torczyner et al., Lachish I, The Lachish Letters (Londres, 1938), pág. 223.
  • (20) Lachish Ostracon IV. A última tradução dêste texto é de autoria de Albright, em Ancient Near Eastern Texts, pág. 322.
  • (21) Lachish Ostracon III, ibid.
  • (22) T achish Ostracon IV, ibid.
  • (23) Torczyner, op. cit., págs. 28-30, 198, 214 e 215.
  • (24) H. L. Ginsberg, “An Aramaic Contemporary of the Lachish Letters” Boletim 111 (Outubro de 1948), págs. 24-27; John Bright, “A New Letter in Aramaic, Written to a Pharaoh of Egipt” The Biblical Archaeologist, 12 (1949), págs. 46-52.
  • (25) Ver os artigos “The Aramaic Problem of the Book of Daniel”, The Ministry, 23 (Maio, Junho, Julho, 1950), N°s. 5-7.
  • (26) Raymond P. Dougherty, Nabonidus and Belsahaz-zar (New Haven, 1929), págs. 199 e 200.
  • (27) Robert H. Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (New York, 1941), págs. 758 e 759.