Os evangelhos de Mateus e Marcos afirmam que a morte de João Batista foi perpetrada pelo tetrarca Herodes Antipas (S. Mat. 14:3-12; S. Mar. 6:17-29). Os dois evangelistas apresentam descrição semelhante; nenhum deles, porém, menciona o lugar onde João foi assassinado. Por sua vez, embora relate o encarceramento de João, Lucas não registra em seu evangelho a morte do Batista (S. Luc. 3:19-20). É o historiador judeu, Flávio Josefo, quem afirma que o crime foi praticado nas celas do palácio-fortaleza de Maqueronte, que naquela época pertencia a Herodes. Não obstante, alguns cristãos indicavam Sebaste como o local onde aconteceram tanto a morte como o sepultamento do precursor de Jesus; e, como a corroborarem essa dupla tradição, dois diferentes templos foram ali construídos no passado, os quais a seu tempo foram destruídos, e atualmente um deles pode ser visto em ruínas, ao passo que o outro foi transformado em mesquita.

Onde, pois, foi decapitado João Batista? Eis a pergunta que se tentará responder, indicando com clareza o lugar mais provável da morte do precursor do Messias.

A Dinastia Herodiana

Tanto os evangelistas Mateus e Marcos, como Josefo, estão de acordo em apontar Herodes como culpado pela morte de João Batista. Ele é o mesmo a quem Lucas chama “Herodes tetrarca da Galiléia” (S. Luc. 3:1). É também Herodes Antipas que, sendo filho de Herodes o Grande e de Malthace, uma mulher samaritana, não era sequer “meio judeu” como seu pai. Gomo tetrarca da Galiléia e da Peréia desde o ano 4 AC até o ano 39 DC, ele era o Herodes que governou durante a juventude e o ministério público de Jesus e João. É ele também o governante ao qual o prefeito Pilatos enviou Jesus, e que, depois de zombar de Cristo juntamente com sua corte, “vestiou-O de uma roupa resplandecente e tornou a enviá-Lo a Pilatos” (S. Luc. 23:6-15). O relato bíblico mostra que, como resultado dessas relações mútuas com respeito a Jesus, Pilatos e Herodes tornaram-se bons amigos, apesar de sua rivalidade anterior. (S. Luc. 23:12). Ele é também o mesmo Herodes a quem Jesus chamou de “raposa” (S. Luc. 13:32), quando alguém quis intimidá-Lo com uma suposta ação repressora herodiana. De todos os Herodes que reinaram, é Antipas o mais freqüentemente mencionado no Novo Testamento.

Seus irmãos que, juntamente com ele herdaram o reino de seu pai, reino que por sua vez foi dividido por Augusto, foram: Herodes Filipe, que recebeu o setor leste e noroeste do Jordão, que ia desde o rio Yarmuk até o monte Hermom, territórios conhecidos como Gaulanite, Traconite, Batanéia e Panéias; e Arquelau, que foi designado como tetrarca de Samaria, Judéia e a parte norte da Iduméia.

A dinastia herodiana que começou com Herodes o Grande, caracterizou-se por sua habilidade na realização de empresas construtoras, mas também como artífice de conspirações sangrentas. As atrocidades e as intrigas desta dinastia sanguinária que chegou ao poder mediante a traição e o assassínio, e que se tornou odiada pelos judeus, são descritas reiteradamente nos escritos de Josefo. O relato neotestamentário sobre a matança das crianças belemitas, está em completa harmonia com a conduta herodiana cruel e sanguinária (S. Mat. 2:16).

A descendência de Herodes o Grande foi, no mínimo, infame. As atrocidades de Arquelau foram motivo suficiente para que o imperador o privasse de seu cargo no ano 6 DC, e desde então foram nomeados procuradores romanos para governar a Judéia. A infidelidade escandalosa de Herodes Antipas para com a esposa, repudiando-a para casar-se com sua sobrinha e cunhada Herodias, teve sérias conseqüências para sua carreira política. Em primeiro lugar, viu-se enredado em uma guerra com o ofendido sogro, o rei nabateu Aretas IV; depois, sem dúvida alguma, seus súditos o detestavam por sua conduta imoral; e, por último, foi também a própria Herodias a causa de sua queda final, quando ela o instou a buscar o título de rei. Então, acusado por seu próprio sobrinho e cunhado, de estar tramando uma traição, foi deposto por Gaio Calígula no ano 39 DC. Exilado na Gália, passou os últimos dias com Herodias.

Os Procuradores Romanos

Quando Arquelau foi deposto e desterrado por Augusto, a Judéia foi reduzida à categoria de uma província romana e, portanto, governada por um procurador ou prefeito, designado diretamente pelo imperador.

Os procuradores romanos eram uma classe especial de administradores imperiais, cujo interesse principal era a administração financeira. Eram enviados a regiões onde existiam condições especialmente difíceis ou turbulentas. No aspecto militar, seu dever consistia em manter a província em paz e ser responsável perante o imperador romano, bem como os representantes deste.

Durante seu reinado, Augusto chegou a nomear três representantes para a Judéia. O primeiro deles foi Copônio (6-9 DC), depois Marco Ambívio (9-12 DC) e Anio Rufo (12-14 DC). Os dois seguintes, nomeados pelo imperador Tibério, foram Valério Grato (15-26 DC) e Pôncio Pilatos (26-36 DC).

Ao que parece, nenhum dos procuradores romanos indicados para governar a turbulenta Judéia, foi capaz de manejar os judeus. Muitas vezes a crueldade foi utilizada para sujeitá-los, e essa foi uma das principais causas da guerra judaico-romana dos anos 67-70 DC.

Os procuradores residiam em Cesaréia; não obstante, em casos de emergência e ocasiões especiais, podiam residir temporariamente em Jerusalém. Em ocasiões como as festas judaicas, o procurador ia também a Jerusalém, pois as multidões que se aglomeravam no templo representavam a constante ameaça de um motim, visto que quase sempre nessas reuniões os judeus davam rédea solta a suas expressões físicas de ódio para com Roma. Durante esses períodos, em geral o procurador residia no palácio de Herodes.

Dos quatorze procuradores que governaram a Judéia entre os anos 6 a 66 DC, três deles são mecionados no Novo Testamento: Pôncio Pilatos (S. Marc. 15:1-5; S. Mat. 27:1-26; S. Luc. 23; S. João 18:28-19; I Tim. 6:13), Antônio Félix (Atos 23:24 a 24:27), e Pócio Festo (Atos 27:27).

Embora a execução de João Batista tenha ocorrido durante o tempo em que Pilatos governava, não há nenhuma menção de ligação do procurador com o encarceramento de João, nem com sua morte. Provavelmente, durante esse tempo a inimizade entre o governador e o tetrarca fosse muito acentuada.

De interesse arqueológico em relação com este procurador, são também as moedas encontradas, que datam do segundo ao sexto ano de Pôncio Pilatos. Sendo que elas foram cunhadas nos dias de João, é provável que ele as tenha conhecido, e talvez tenha até gasto algumas moedas semelhantes.

Também é de especial interesse arqueológico a inscrição encontrada no teatro romano de Cesaréia Marítima. Afora o título de “prefeito”, que dá novos indícios da administração das províncias romanas através de procuradores, a inscrição proveu pela primeira vez o nome por escrito de Pôncio Pilatos. Assim, essa inscrição proporcionou a evidência arqueológica necessária para corroborar de maneira direta a historicidade do procurador romano que governava nos dias do martírio do precursor do Messias.

A Tetrarquia de Herodes Antipas

Foi dado a Herodes Antipas o título de Tetrarca da Galiléia e Peréia (S. Luc. 3:1). Estas duas províncias de seu território estavam separadas pelo rio Jordão. A Peréia ficava a leste do Jordão, e a Galiléia a oeste do lago do mesmo nome.

Dessas duas regiões, a Peréia talvez fosse a menos importante, como também a menos povoada. Ao externo sul dessa região estava situada Maqueronte, fortaleza que havia sido construída por Herodes o Grande. Josefo diz que a longitude de Peréia era de Pella até Maqueronte, o qual vai do Jaboque até o Amon; e a largura abrangia desde Gerasa e Filadélfia até o Jordão.

O território de Herodes Antipas reveste-se de importância para os estudiosos do Novo Testamento, pois que nessas regiões tanto Jesus como João Batista desenvolveram grande parte do seu ministério. Jesus passou quase toda a Sua existência e ministério no “território situado a leste do Jordão”, que era a Peréia.

Embora Herodes dispusesse de dois palácios para residir, quando estava na Peréia — um em Julias e o outro em Maqueronte — a capital de Antipas era Tibérias, na Galiléia. Ele resolveu edificar essa nova capital depois que a primeira, Séfores, foi destruída brutalmente pelos romanos no ano 6 DC. A posição estratégica da cidade, na orla do Mar da Galiléia, e a proximidade das fontes termais, davam a essa capital herodiana imensas possibilidades para momentos de ócio. Não obstante, a nova capital nunca foi bem aceita pelos judeus, pelo fato de ter sido construída sobre um cemitério, e, Conseqüentemente, por eles considerada como solo cerimonialmente impuro. Essa última consideração é apresentada por alguns como uma possível razão pela qual Tibérias não é registrada como cenário de algum feito realizado por Jesus durante o Seu ministério. Atualmente, no extremo sul da moderna Tibérias, podem-se ver antigas ruínas. Estas, contudo, são posteriores aos dias de Antipas. Todavia, restos do que poderia ser o palácio de Herodes, existem ainda na colina conhecida como Qasr bint el melek, que significa “castelo da filha do rei’’.

O Ministério de João Batista

João Batista nasceu numa época em que tanto na Judéia como ao longo do vale do Jordão e em volta do Mar Morto, surgiram grupos batistas e messiânicos diversos. Algumas dessas seitas estavam impregnadas de sentimentos e idéias compostos de pretensões messiânicas e agitação política. Entre os mais conhecidos desses grupos messiânicos figurava a comunidade do Qumram, cujo centro se encontrava na área desértica fronteiriça ao Mar Morto, a sudoeste de Jericó.

A descoberta dos denominados rolos do Mar Morto em 1947, e as escavações efetuadas nessa comunidade essênia, proporcionaram um conhecimento maior dos dias, bem como do ambiente em que cresceram tanto Jesus como João Batista.

A menção que os evangelhos fazem do “deserto”, para indicar o lugar, ou melhor, região onde João cresceu (S. Luc. 1:80); o costume essênio de adotar crianças, mencionado por Josefo; o batismo praticado por João, que em certo momento foi equiparado às abluções essênias; mais algumas semelhanças do ensino do Batista com as encontradas na literatura qumrâmica; levaram alguns à conclusão apriorística de que João era essênio.

Verdade é que, como filho dessa época e ambiente, existe a possibilidade de ter João conhecido os essênios, e ter até estabelecido algum contato com a seita do Qumram. A despeito, porém, dessa possibilidade, e embora haja alguns paralelismos notórios entre João e os essênios do Qumram — principalmente em virtude de sua fé enraizada no terreno comum dos escritos antigo (testamentários) é inegável a existência de diferenças maiores e muito mais significativas. Notadamente significativo é o fato de que João reconheceu a Jesus como o Messias anunciado pelos profetas, ao passo que a comunidade qumrâmica, bem como o movimento essênio, jamais reconheceu a Jesus como tal.

Ao tratarmos com todos os movimentos religiosos surgidos nas proximidades do início de nossa era, é notório o fato de que nenhum movimento religioso surgido na Palestina, no alvorecer do cristianismo, foi ou esteve relacionado mais diretamente com a própria cristandade do que o reavivamento surgido com base no ministério de João Batista.

É provável que — de acordo com o computo Siríaco — João tenha iniciado seu ministério entre o dia 1º de outubro de 27 DC e 30 de setembro de 28 DC. Todavia, não é possível conhecer com exatidão a duração do seu ministério. Sua vigorosa pregação instando ao arrependimento encontrou guarida na sociedade corrompida de seus dias, e de todas as camadas sociais vieram pessoas ouvir a mensagem do profeta do deserto. Na longitude e latitude do país foram difundidas as novas de sua pregação, e multidões a ele acorreram para ser batizadas “no rio Jordão, confessando os seus pecados” (S. Mat. 3:6).

João batizou o Messias no auge de sua popularidade (S. João 1:33), para se “cumprir toda a justiça” (S. Mat. 3:13-15). Conquanto, porém, esse ato tenha marcado o início de sua diminuição, foi capaz de reconhecer que Jesus devia crescer enquanto ele precisava diminuir (S. João 3:25-26). Sua total decadência ocorreu alguns meses — talvez um ano ou mais — depois que batizou a Jesus, quando foi encarcerado por Herodes Antipas.

O Encarceramento de João

Embora seja certo que ao iniciar seu ministério João escolheu a parte mais movimentada da região desértica da Judéia, a saber, os vaus do Jordão, ao norte do Mar Morto, onde havia um tráfego constante entre a Judéia e a Peréia, indubitavelmente ele agiu também em áreas mais extensas e afastadas da região palestina, e jamais restringiu suas atividades a um único lugar. A heterogeneidade de seu auditório crescente, prova quão abrangente foi sua influência, bem como o êxito de sua missão (S. Luc. 3:7, 10-14), e de fato não é possível que o Batista tenha passado despercebido, tanto aos tetrarcas como ao procurador romano.

O quarto evangelho apresenta João realizando parte de seu ministério batismal em “Enom, junto a Salim” (S. João 3:22 a 4:3), e alguns acham que a melhor identificação desse lugar é o Wadi Far’ah, situado a leste de Siquém, baseados no testemunho evangélico de que ali “havia muitas águas” (S. João 3:23). Isto, porém, coloca João pregando em território samaritano, fora dos termos herodianos. Embora, porém, tudo pareça indicar que até o momento não foi possível localizar com precisão “Enom, junto a Salim”, onde João batizava, a descrição de suas atividades indica que esta devia ficar em território pereano, e muito próxima dos vaus jordanianos acima mencionados.

Indubitavelmente, João fez excursões pelo vale do Jordão (S. Luc. 3:3), e assim, possivelmente também às regiões fronteiriças de Samaria, mas tudo parece indicar que seu ministério se desenvolveu principalmente no território jordanense de Peréia, que era jurisdição de Antipas.

É bem possível que, quando João foi preso, Herodes estivesse nas proximidades de Enom, residindo em seu palácio de Julias, onde facilmente pode ter chegado a notícia de sua pregação. Para Herodes Antipas, João tinha duas coisas contra si: sua crescente popularidade e seu ardor ao denunciar os pecados do povo e dos governantes (S. Luc. 3:7-14), e em especial os do próprio Antipas (S. Luc. 3:19). Tais coisas suscitaram os ânimos do tetrarca da Galiléia, que colocou João na prisão com o propósito de executá-lo sem demora (S. Mat. 15:5). Contudo, a morte de João foi retardada por alguns meses.

É possível conseguir um quadro nítido das razões que levaram Herodes a investir contra João. Os evangelhos sinópticos nos apresentam como uma das razões a repreensão dirigida a Herodes por causa de sua união ilícita com Herodias, mulher de seu irmão Filipe (S. Mat. 14:3-5; S. Mar. 6:17-18; S. Luc. 3:19). Para Herodes, que queria fazer-se passar por um judeu piedoso — visto que ia a Jerusalém a cada festividade — aquela reprovação era intolerável, e da mesma forma que sua amante, ele desejava ver João morto.

Poderiam, contudo, ter existido razões adicionais de ordem política. Josefo menciona que “Herodes temia que a crescente influência de João sobre o povo pudesse gerar um levante”, de maneira que, antes de qualquer possível insurreição”, ele o levou à prisão.

Em nenhuma passagem dos escritos neotestamentários é mencionado o lugar da prisão de João. É Josefo quem, novamente, menciona que “devido às suspeitas de Herodes”, João “foi levado prisioneiro para Maqueronte”. Não obstante, é impossível saber quanto tempo João esteve “preso na fortaleza de Herodes Antipas”.

Essa fortaleza foi edificada originalmente por Alexandre Janeu, por volta do ano 88 AC. No período asmoneu, transformou-se em uma importante fortaleza contra os romanos, os quais a arrasaram no ano 63 AC. Posteriormente, Herodes o Grande a reconstruiu no aspecto do Wadi Zerka Ma’in — as fontes termais de Galirroche — famosas nos tempos romanos. A mesma fortaleza era uma cidadela situada numa colina assolada, a qual segundo Plínio, era a segunda em importância para os Judeus. Essa fortaleza era conhecida como “o diadema”, ou “a torre negra” e ao mesmo tempo era um palácio magnífico e também a prisão do reino. A atrativa vista do Mar Morto, a posição dominante, com o Alexandrion e o Herodion situados no lado ocidental, bem como a presença das águas termais nas proximidades, faziam daquele lugar um local de residência sem dúvida deleitoso para a saúde do valetudinário Herodes.

Com a morte de Herodes o Grande, a fortaleza passou às mãos de Herodes Antipas, como parte da Peréia. Devido às relações existentes com Nabatéia, Herodes certamente encontrou na fortaleza um lugar estratégico para ele. Posteriormente, no ano 70 DC, quando Jerusalém caiu em poder dos romanos, a Palestina não ficou de todo subjugada. Então as fortalezas de Herodion, Masada e Maqueronte ainda resistiram. Maqueronte foi dominada por Basílio Basos, que com a ajuda de um soldado egípcio chamado Rufo, a serviço de Roma, capturou pessoalmente Eleazar, o líder defensor da fortaleza.

Atualmente, o lugar é ocupado pelas ruínas de Qal’at el-Mishnaga, que se limita com a aldeia árabe de el-Mugawir. Essas ruínas foram repetidas vezes escavadas nas duas décadas passadas. As primeiras sondagens foram feitas por Jerry Vardaman, no início do ano 1968, e segundo os dados recolhidos na ocasião, foi apresentada uma ausência de seqüência cerâmica perto do fim do primeiro século, o que indicava que o local foi abandonado depois do período herodiano. Posteriormente, em 1978, realizaram-se escavações no mesmo lugar, as quais foram dirigidas “por uma equipe conjunta de arqueólogos do Departamento de Antiguidades da Jordânia e do Instituo Franciscano de Estudos Arqueológicos da Terra Santa”. Desde 1978 esse grupo tem escavado sistematicamente a fortaleza e o palácio real, conseguindo até

o momento estabelecer que, em linhas gerais, a descrição de Josefo corresponde ao que foi encontrado até hoje; por outro lado, do ponto de vista arqueológico, observou-se que Maqueronte ilustra com clareza espetacular o período histórico breve e, ao mesmo tempo crucial, que medeia entre os anos 90 AC a 72 DC.

Outro possível local da prisão de João, poderia ter sido a prisão do palácio de Herodes, em Tibérias, e é Kraeling quem situa a prisão e morte de João em Tibérias.

Samaria, poderia ser outro local relacionado com a prisão de João, mas, sendo que durante aquele tempo, tanto a cidade como o território samaritano não se encontravam sob o controle de Antipas, torna-se muito difícil essa possibilidade.

A Morte de João

Há problemas cronológicos relacionados com a morte de João. Os romanos colocam o seu encarceramento no verão de 29 D.C., e sua decapitação durante o aniversário de Herodes Antipas no ano 30 DC, o que se enquadra dentro dos parâmetros aceitáveis.

Tanto Herodes como Herodias procuravam tirar a vida de João (S. Mat. 14:4; S. Mar. 6:19), mas os temores do primeiro adiaram a sentença. Embora o tetrarca mesmo olhasse às vezes a João com bons olhos (S. Mar. 6:20), os acontecimentos foram precipitados em virtude da atenção dada a Herodias. Sendo que ela estava constantemente buscando ocasião para a morte do Batista (S. Mar. 6:19), é possível até que ela mesma tenha ficado responsável pelos entendimentos desenvolvidos durante a festa que precedeu à decapitação de João, prevalecendo-se da vaidade de seu marido.

Marcos comenta que o dia apropriado para Herodias surgiu durante uma data natalícia de Herodes, quando este oferecia um banquete a seus grandes, tribunos e príncipes da Galiléia (S. Mar. 6:21). É possível que, para tornar mais importante a celebração, tenha ele convidado outras personalidades notáveis da elite e do mundo dos negócios da Galiléia, sem omitir toda sua elite governamental.

Enquanto Herodes e seus convivas se divertiam e se embriagavam, Herodias enviou sua filha para diverti-los. O bailado voluptuoso de Salomé a todos agradou, e em sua vaidade, Herodes ofereceu com juramento, à jovem bailarina, qualquer coisa que esta pedisse (S. Mat. 14:7), incluindo metade do seu reino (S. Mar. 6:23). Para Herodias, aquela era a oportunidade que estava esperando, e quando sua filha foi pedir-lhe opinião, ela sugeriu com frieza um pedido macabro. Salomé voltou então a Herodes, dizendo: “Quero que imediatamente me dês num prato a cabeça de João Batista.’’ (S. Marc. 6:25).

O tetrarca foi incapaz de alterar a situação. Ante a alternativa de escolher entre um juramento quebrado ou uma consciência intranqüila, escolheu a segunda. E embora ficasse muito pesaroso (S. Mar. 6:26), ordenou afinal com tristeza a execução de João. Então, prontamente “foi trazida a cabeça de João à presença do rei e seus hóspedes” e ele a entregou a Salomé; esta “a entregou a sua mãe”, que ao recebê-la insultou a cabeça cortada.

Josefo conta que o cadáver do Batista foi lançado sobre o muro do castelo, e ali continuou sem ser sepultado. Todavia, arrematando o acontecimento relacionado com João, o registro evangélico diz que o corpo do Batista foi enterrado em uma sepultura por seus discípulos, os quais, sabedores de sua morte, vieram e lhe levaram o corpo (Mar. 6:29).

A pronta execução, bem como a exibição da cabeça do justiçado, estão em perfeito acordo com os costumes orientais.

O local da sepultura de João é um assunto enigmático. Uns acham que o corpo foi sepultado “nos elevados picos de Moabe”, ou nas encostas judaicas de sua terra natal. Há tradições que indicam que João foi sepultado em Samaria, mas isso não pode ser provado. Deve-se notar que o relato evangélico registra o sepultamento do corpo de João, mas não menciona onde estava localizada a sepultura.

Onde Foi Decapitado João Batista

Foram sugeridos princípalmente três lugares como possíveis locais para a morte de João Batista: Maqueronte, o local mencionado por Josefo; Tibérias, a capital de Antipas; e Sebaste, que tradições posteriores têm insistido em apontar como o lugar certo.

Primeiramente, deve-se descartar Sebaste, pois nem Josefo nem o Novo Testamento a relacionam com os acontecimentos. A História estabelece com toda clareza que Samaria não estava sob o domínio de Antipas, mas de Pilatos, na época (S. Luc. 3:1). Além do mais, sendo que nessa época eles “andavam em inimizade um com o outro” (S. Luc. 23:12), é bastante improvável que Herodes tenha preferido utilizar uma fortaleza romana para guardar seus prisioneiros; ou, também, escolher um palácio situado no território de seu inimigo, como lugar para a celebração de seu aniversário. Embora algumas tradições tenham indicado Sebaste como o local de sepultamento de João, deve-se isto a uma confusão temporária ocorrida nos tempos bizantinos, quando os cristãos confundiram as ruínas do templo de Augusto — edificado por Herodes o Grande — com as ruínas do palácio de Herodes Antipas.

Depois, caso se considere Tibérias como o local indicado, deve-se salientar que é Kraeling quem prefere indicar esse lugar para a morte de João. Ele sugere que a fortaleza mencionada por Josefo poderia ter sido um lugar muito inconveniente para levar seus convidados galileus para a festa de seu aniversário. Mas, embora Tibérias pudesse servir de possível local para a festa fatídica, a total falta de dados torna essa possibilidade apenas uma boa conjetura. Menos provável ainda é uma combinação de ambos os lugares, dando a fortaleza pereana como o lugar da prisão de João, e Tibérias como o lugar de sua execução alguns dias depois do festejo. Sendo que Maqueronte estava longe da capital de Herodes Antipas, deve-se ter em conta que talvez ele tenha posto João Batista em uma prisão distante da Galiléia a fim de evitar uma rebelião dos seguidores do Batista. Deve-se também atentar em especial para o fato de que a História indica que João Batista estava preso em algum lugar do próprio edifício onde estava sendo celebrado o banquete, ou pelo menos muito próximo dele. O pedido de Salomé, bem como a ordem com a qual João foi decapitado, situam a celebração onomástica como sendo realizada num lugar próximo da cela do prisioneiro.

Com respeito a Maqueronte, deve-se dizer que mesmo os relatos de Josefo apresentam alguns problemas de cronologia. Embora ele mencione explicitamente Maqueronte como o lugar da prisão e morte de João, não é claro quando menciona o tempo em que ocorreu o fato. As referências de Josefo, mostram que nesse tempo Maqueronte pertencia ao reino nabateu, cujo monarca — Aretas IV — também estava, nessa ocasião, em desarmonia com Herodes, pelo fato de este lhe haver repudiado a filha — a princesa nabatéia Sha’udat — para casar-se com Herodias. Se isto estiver certo, obviamente haveria o mesmo problema relacionado com Samaria. Apesar dessa discrepância, Maqueronte parece encaixar-se melhor como o possível lugar da 16 O MINISTÉRIO/SET.OUT/1986 morte de João Batista. O esplendor do lugar nos dias de Herodes, parece situá-lo como um lugar adequado para os dignitários galileus que foram convidados para o banquete de aniversário. Herodes, por sua vez, sabia muito bem como agradar seus hóspedes sensuais, e com um convite oficial para uma ocasião como aquela, deve ter sido difícil de ser recusado por um dignitário galileu ou judeu. Deve-se recordar, além disso, que por esse tempo o palácio estava ligado com um excelente sistema de vias que davam fácil acesso ao palácio, bem como aos banhos termais de Zerqa Main, As evidências arqueológicas encontradas em Maqueronte — até o momento — deram indícios relacionados com a própria fortaleza, embora não digam nada com respeito a João. As observações referentes às instalações romanas em Maqueronte, situam-na também como um lugar significativo para a história, tanto romana como bíblica.

Conclusão

De todos os lugares considerados como pontos relacionados com a morte de João Batista, dois apenas podem ser considerados com seriedade. Sebaste fica fora de cogitação, devido principalmente a sua relação política durante aquele tempo, fazendo parte do território governado pelo procurador romano; e também devido à inimizade existente entre o procurador Pilatos e o tetrarca Antipas. Além do mais, a hipótese de Sebaste ser o possível lugar onde João foi sepultado, deve-se a uma interpretação errada das ruínas do templo de Augusto, tidas por um palácio de Herodes Antipas. A esse erro interpretativo, seguiu-se logo suposição óbvia de que Herodias sepultou a cabeça de João nas proximidades do local, e naturalmente também se pensou que ali estivera João encarcerado e aí foi decapitado. — MERLING K. ALOMÍA

NOTA: As referências bibliográficas deste artigo, em número superior a 90, deixaram de ser publicadas por limitação de espaço; mas poderão ser fornecidas a eventuais interessados.