(Heb. 9:12)
Conheceis os fatos fundamentais: Cristo, nosso Sumo Sacerdote, Se ofereceu a Si mesmo como vítima expiatória no Calvário, e com a eterna redenção que esse fato nos garantiu — a virtude do Seu sangue — penetrou no santuário celestial após Sua ascensão. Este santuário, como o terreno que era sua cópia, consta de duas divisões, e nosso Intercessor passou da primeira para a segunda, ou lugar santíssimo, no ano de 1844 de nossa era, para ocupar-Se da primeira fase do juízo divino — a “purificação do santuário” aludida em Dan. 8 e 9.
Tal o descobrimento dos pioneiros do movimento adventista, guiados manifestamente pelo Espírito de Deus no estudo consciente da Bíblia. Esta a doutrina mais peculiar da igreja consagrada a difusão do “evangelho eterno”. Daí a surpresa de que deve ter ficado possuído o leitor ao dar com este texto (Heb. 9:12), assim redigido na Almeida Revista [o autor utiliza a Bíblia igualmente revista na versão Reina-Valera]: “Por Seu próprio sangue [Cristo] entrou uma vez no santo dos santos”.
O apóstolo Paulo, escrevendo no primeiro século de nossa era, refere-se aqui sem qualquer dúvida como a um fato consumado, à redenção e à entrada “uma vez para sempre” no santo dos santos — pelo menos assim reza a versão por nós citada. Portanto, nada poderia ter acontecido em 1844. Mas deve ter parecido curioso também ao leitor, se consultou outra versão, tanto em português como em alguma outra língua, não ter encontrado essa idéia de “lugar santíssimo” nessa passagem. A idéia mais freqüentemente expressa em outras versões, incluindo-se a Almeida não revista, é “santuário”, ou “lugar santo”, ou “o santo”.
Outro erro de tradução? Dificilmente. No mesmo capítulo a Almeida Revista [como a de Valera Revista, mencionada pelo autor] traduz corretamente as expressões gregas hagion — santuário (9:1), ta hagia — lugar santo (9:2) e ta hagia toon hagion — lugar santíssimo [ou santo dos santos, Alm.] (9:3). Literalmente essas expressões significam respectivamente “o santo”, “os santos lugares”, e “os lugares santos dentre os santos”. A compreensão da linguagem original é, pois, muito simples. A que se deve então a diferença da Almeida Revista de outras versões? É provavelmente um problema de escolba de texto — o que passamos a explicar:
Quando dizemos “os originais”, referimo-nos não a algum manuscrito saído diretamente das mãos dos apóstolos (o que seria então autógrafo), porque naturalmente o que existe agora são cópias no idioma original. Também não são esses manuscritos cópias tiradas diretamente do autógrafo, mas cópias, de cópias, de cópias. . . . Decorreram pelo menos três séculos entre os autógrafos dos apóstolos e as cópias completas mais antigas que chegaram até nós. Apesar do cuidado com que em geral eram feitas essas cópias, é natural que com o tempo hajam passado pequenos erros involuntários, que só afetam a detalhes, e que além do mais podem ser corrigidos com razoável segurança, baseando-se na comparação de diferentes manuscritos.
No caso de que nos ocupamos, há numerosas cópias que se podem comparar. Dos três mil manuscritos do Novo Testamento em seu idioma original de que dispomos, uns trinta são suficientemente antigos (anteriores ao Século X de nossa era) para que seu testemunho seja autorizado. Sobrevive inclusive um papiro (conhecido como o “p46, da coleção Chester Beaty, conservado atualmente em Dublin) que foi escrito no século terceiro — somente uns dois ou três séculos separados do autógrafo apostólico. Este papiro contém a epístola aos romanos, a primeira aos tessalonicenses e a aos hebreus. Como quase todos os outros trinta, em Heb. 9:12 traz “lugar santo” — ta hagia. O “quase” vai por conta de um único manuscrito (o “porfiriano”, P, conservado em Leningrado), muito tardio, portanto, pois pode ser datado com segurança do Século X de nossa era, isto é, no limite do que se considera autorizado. Este único manuscrito dissidente traz ta hagia toon hagioon — lugar santíssimo. Um copista acrescentou, sem dúvida, involuntariamente as palavras toon hagion por influência do versículo três, que havia copiado recentemente. A autoridade deste único manuscrito é por isto, neste caso, ínfima, e para diminuir-lhe mais esta autoridade, ele pertence a uma “família” de manuscritos realizados em Constantinopla na Idade Média, conhecidos como tendo sido afetados por numerosos erros de cópia, sobretudo adições de palavras.
Por que os revisores da Versão Reina-Valera [em nosso caso, Alm.] abandonaram o testemunho dos outros trinta manuscritos antigos e das versões antigas e modernas, em favor de um testemunho isolado e tão duvidoso? É difícil saber, pois as Sociedades Bíblicas não informaram até agora, que saibamos, qual o critério adotado na escolha do texto para esta revisão. Seria desejável que o fizessem, pois há outras curiosidades que vamos descobrindo à medida que estudamos a Versão Revista Reina-Valera [Almeida Revista, para nós].
Muito mais difícil de explicar lhes será por que colocam “lugar santíssimo” no verso 8, onde nenhum manuscrito grego o apóia. Evidentemente aqui tiveram de ignorar o texto original para que harmonizasse com a adição de texto que fizeram para o verso 12. Assim fazem Paulo dizer que antes da morte de Cristo não estava pronto o caminho do lugar santíssimo do santuário celestial — o que equivale a dizer que imediatamente depois, sim, preparando deste modo o caminho para o verso 12, onde se diz que entrou no lugar santíssimo. Novamente aqui a expressão original é uma forma de ta hagia — os [lugares] santos. O que Paulo diz, em realidade, é que não tínhamos acesso, antes da morte de Cristo, ao “maior e mais perfeito tabernáculo” (v. 11), por falta de intercessor no santuário celestial. Com Sua ascensão chegou ali os méritos de Sua morte expiatória. Também “a primeira parte do tabernáculo”, ao final do verso 8, devia ser “o primeiro tabernáculo”, como antes da revisão, o que vale dizer, o santuário terrestre neste ponto, corretamente na Almeida Revista, pois em nossa revisão o verso em sua parte final não sofreu alteração mencionada pelo autor em sua Reina-Valera. Enquanto os serviços deste tabernáculo eram válidos, ou seja, antes da morte de Cristo (recorde-se que o rompimento do véu do templo indicou o fim dos serviços do templo), Ele não havia assumido Suas funções no Céu. No santuário celestial as funções são reais, e não simbólicas, como o eram no terrestre; por isto a redenção devia efetuar-se antes de ser aplicada aos pecadores.
Que fazer no caso de ser alguém confortado com estas passagens revistas em nossa Bíblia? Parece-nos que o mais sensato seria apelar para outras versões no idioma que o interessado conheça, sem necessidade de entrar em explicações sobre os manuscritos, exceto se se deseja um estudo mais aprofundado, em cujo caso esperamos que os dados aqui providos sejam de alguma ajuda. ▼