Ao nos depararmos com o episódio do batismo de Jesus Cristo, relatado nos evangelhos, poderiamos nos perguntar: Por que foi Ele batizado, considerando que Sua vida não foi contaminada pelo pecado?

Na verdade, ao longo da Era Cristã, diversas tentativas foram feitas para explicar esse ato do Filho de Deus, sendo levantadas algumas teorias a respeito.

Para alguns, Jesus foi batizado apenas para satisfazer os desejos de Maria, Sua mãe, e de Seus próprios irmãos.1 Mas es-se é um argumento pueril, e que foge ao próprio escopo da obra messiânica. Ele nos mostra um Cristo sem decisão própria, controlado por outros seres humanos.

Outra hipótese que tem sido levantada é a de que o batismo de Jesus no Rio Jordão, era uma antecipação do “batismo” que representaria Sua paixão e morte (S. Luc. 12:50). Essa seria uma opção viável; todavia, é preciso mencionar que ela “vai além do que o próprio texto poderia suportar”.2

O grupo herético dos Adocianistas usa o batismo como a ocasião em que Jesus, por ser uma boa pessoa, foi adotado como o Messias, negando-Lhe a filiação divina em sentido próprio. De forma semelhante, temos a posição defendida por Cerinto, herege gnóstico, segundo o qual Jesus era um homem; e Cristo, um divino poder, desceu sobre Ele no batismo, tornando-O Filho de Deus. Tal afirmativa é totalmente fantasiosa, anti-bíblica, e atenta contra um dos pilares da Cristologia — Jesus como ser divino-humano.

A verdade é que se realmente desejamos uma resposta fidedigna para a questão em apreço, temos que buscá-la na Bíblia, nos Evangelhos Sinóticos.

A palavra bíblica

Os Sinóticos relatam o batismo de Cristo de forma semelhante, apenas com algumas ligeiras variações que servem à própria intenção do autor em atingir de forma eficaz o seu público leitor. Um claro exemplo disso está no relato feito por Lucas, onde ele singularmente retrata a Jesus como estando em oração no momento do batismo (S. Luc. 3:21).

Isso pode ser explicado levando-se em conta seu grande interesse em mostrar o Mestre como alguém habituado à oração constante. Veja-se por exemplo, S. Luc. 6:12; 9:18 e 28; 11:2; 22:32 e 41; 23:46.

Mas é no Evangelho de S. Mateus que a questão do significado do batismo de Jesus vem à tona com mais clareza. Em sua narrativa, o evangelista inicia o assunto falando da relutância de João Batista em batizar Jesus (S. Mateus 3:13-17). Com sua humildade característica, o precursor do Messias tenta dissuadi-Lo de ser por ele batizado; pois, o que de fato deveria ocorrer era o inverso — João ser o batizando, e Cristo o oficiante da cerimônia.

A resposta do Mestre vem de forma categórica: “Deixa por enquanto, porque assim nos convém cumprir toda a justiça…” (S. Mat. 3:15).

A fim de entendermos essa declaração, é necessário primeiramente que atentemos para um dos principais objetivos do escritor do Evangelho, qual seja, o de apresentar a Jesus como cumprimento das expectativas do Velho Testamento. Com esse propósito, lançou mão do maior número de citações das Escrituras do Antigo Testamento.

Sabendo disso, podemos concluir que a palavra justiça, empregada na resposta de Cristo “deve ser vista como o total propósito de Deus para Seu povo, e não (tal como é freqüentemente empregada em homilética), como uma qualidade moral apenas… ‘cumprir toda a justiça’ deve ser vista como o cumprimento, não somente das demandas de Deus sobre Seu povo, mas também o cumprimento de todas as Escrituras, nas quais essas demandas estão especificadas: lei, profetas, escritos. De qualquer maneira, o batismo administrado por João era uma direta resposta à vontade de Deus, e desse modo o Messias devia submeter-Se a ele”.3

Considerado por esse prisma, o batismo de Cristo marca o início de um ministério no qual Ele deveria estar plenamente identificado com Seu povo e cumprindo as profecias que falavam a Seu respeito. Além disso, ao Se misturar com “todo o povo batizado” (S. Luc. 3:21), Jesus identificou-Se conosco dando provas reais de Sua natureza humana. Assim, ainda que não necessariamente, o batismo de Jesus representa uma prova de Sua humanidade e uma perfeita identificação com o ser humano.

Prova da divindade

Porém, o significado desse ato vai mais longe do que um simples pertencer ao grupo dos humanos. Em sua significação mais profunda, ele nos leva a concluir pela divindade do Filho de Deus.

Na expressão comum aos três Evangelhos: “Este é o Meu Filho amado em quem Me comprazo”, temos a chave para tal dedução. A frase dita pelo Pai é uma junção do Salmo 2:7, onde o filho é ungido para reinar, e de Isaías 42:1, onde temos a figura do Servo do Senhor. Dessa for-ma, o Pai toma a Jesus como Filho, não em nosso significado simples e ocidental, nem do ponto de vista adocianista, mas para demonstrar a ligação de ambos desde toda a eternidade (S. João 17:5).

A voz ouvida refere-se a uma filiação já existente, e que agora e em outras ocasiões foi ratificada (S. Mat. 17:5; 2:15; S. Luc. 1:32; 9:35).

É importante notar que a expressão “Este é…” fala de algo já existente, e não de um dado novo na conjuntura que aqui se forma. A expressão “filho de Deus”, nos Evangelhos e na história do pensamento teológico, demonstra “a divindade essencial de Jesus Cristo. Ele é o Filho de Deus, ou seja, Deus o Filho, a segunda pessoa da trindade divina”.4

Outro dado a ser levado em conta é a palavra “amado”, adicionada ao termo “Filho”, pois ele nos amplia a visão e confirma a conclusão a que chegamos. O termo grego agapétos (amado) algumas vezes é mencionado como sinônimo de monogenes, isto é, único da sua espécie. Desse modo a frase poderia ser assim traduzida: “Este é Meu Filho único…”5, não no sentido comum, mas único em qualidade, diferente de todos os demais, Único em sua espécie. Divino.

Conclusão

Ellen G. White, ao comentar as palavras dirigidas por Deus, o Pai, a Jesus, diz: “Estas palavras de confirmação foram proferidas para inspirar a fé naqueles que testemunhavam a cena… A voz declarou ser Ele o Filho do Eterno.”Concluímos, pois, que o batismo de Jesus representa para nós bem mais que um exemplo, o que por si só já é deveras significativo, mas vai além. Ele mostra, de um lado, a inconfundível natureza humana; e, de outro, Sua natureza divina como Filho de Deus, e as devidas implicações para a teologia cristã.

Seu batismo nos mostra um Salvador próximo a nós, através de laços que jamais se partirão. Um Salvador identificado com Deus o Pai, sendo Ele também Deus em essência.

Referências:

  • 1. William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, vol. 1, pág. 65.
  • 2. Joseph A. Fitzmayer, The Anchor Bible — The Gospel According to Luke.
  • 3. C. S. Mamm e W. F. Albright, The Anchor Bible — The Gospel According to Matthew, págs. 31 e 32.
  • 4. George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, pág. 15.
  • 5. Sobre esse assunto, ver ainda: Pedro Apolinário, As Testemunhas de Jeová e Sua Interpretação da Bíblia, págs. 145 e 152, e George Ladd, Op. Cit., pág. 156.
  • 6. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 98.