O coração humano anela por uma constante reafirmação do perdão divino, aceitação e salvação. Queremos saber: “Será que Deus realmente me perdoou e me salvou?” Na Bíblia, a reafirmação do perdão e da salvação é comunicada não só verbalmente, mas também através de tipos e símbolos. Circuncisão, sistema sacrifical, batismo, santa ceia e sábado, são todas instituições simbólicas estabelecidas por Deus para ajudar os crentes a conceitualizar e vivenciar a segurança da salvação.

O sábado ocupa um lugar especial entre as diversas instituições concedidas por Deus. É especial quanto à origem, natureza, sobrevivência e função. Essa unicidade do sábado em termos de origem deriva do fato de ter sido a primeira instituição estabelecida por Deus para convidar Seu povo a entrar no gozo do Seu descanso e comunhão (Heb. 43-10). Por natureza, o sábado é único por não estar relacionado a objeto material ou lugar acessível a poucos, mas é um dia (tempo) à disposição de qualquer pessoa. Sendo um tempo, o sábado convida os adoradores a vivenciarem a comunhão divina, não através de “objetos sagrados”, mas em um tempo que pode ser compartilhado.

O sábado é especial também quanto à sobrevivência em virtude de ter sobrevivido durante os séculos apesar das repetidas tentativas de destruí-lo. E em termos de função o sábado se destaca por ajudar os judeus e os cristãos a conceitualizar, compreender e vivenciar a realidade da obra criativa e redentiva de Deus.

Neste artigo, dividido em duas partes, desejo verificar como o sábado se relaciona com a salvação no Antigo e no Novo Testamentos. A primeira parte examina as tipologias sabáticas da redenção messiânica no Antigo Testamento e na literatura judaica. A segunda parte (a ser publicada posteriormente) vai tratar do significado redentivo e função do sábado no Novo Testamento.

No Antigo Testamento

Nos tempos do Antigo Testamento, o sábado serviu não apenas para prover o descanso pessoal e a liberação da dureza do trabalho e injustiças sociais, mas também para alimentar a esperança de uma futura paz messiânica, prosperidade e redenção. Essa última função do sábado foi aparentemente inspirada no papel do sábado na criação original de Deus.

O Gênesis não dá informações sobre a observância do sábado por Adão e Eva, antes de sua expulsão do jardim do Éden. Todavia isso fica evidente no quadro de satisfação e perfeição (note as sete repetições da frase “isso era bom”, em Gênesis 1) que ele retrata. Especialmente a divina bênção e santificação do sétimo dia (Gên. 23) poderiam oferecer ao fiel a base para uma visão da era messiânica.

Os paralelos e equivalências entre o sábado do Gênesis, o primeiro dia de Adão após sua criação e os últimos dias da era messiânica, embora nem sempre bem explícitos, estão implícitos nas fontes bíblicas e extrabíblicas.

Paz e harmonia

A paz e harmonia que existiam entre Adão e os animais no sábado da Criação são restauradas na era messiânica, quando “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará” (Isa. 11:6). Nesse tempo, de acordo com o mesmo profeta “a Terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isa. 11:9; cf. Isa. 65:25: Osé. 2:20). Essa visão de uma Terra cheia de paz e do conhecimento de Deus nos últimos dias bem pode ter sido inspirada pela visão dos primeiros dias, dos quais o sábado é o resumo e amostra.

Isso também fica evidente naqueles regulamentos rabínicos sobre o sábado que proibiam matar insetos ou carregar armas nesse dia, pois ele deve representar uma antecipação do mundo por vir. Portanto, essa visão do mundo futuro era inspirada pelo sábado primordial, um dia de paz e harmonia entre as criaturas humanas e subhumanas. 1

Deleite

O deleite e alegria do sábado edênico também serviram de inspiração para a vi-são profética da era messiânica. Teodore Friedman destaca que “em duas das três passagens nas quais Isaías se refere ao sábado, o profeta as relacionou com os últimos dias (Isa. 56:1-7: 58:13 e 14; 66:20-24)… Não é mera coincidência que Isaías empregue ‘deleite’ (oneg) e ‘honra’ (kavod) em sua descrição tanto do sábado como dos últimos dias (58:13: ‘se chamares ao sábado deleitoso e… digno de honra’: 66:11: ‘e vos de-leiteis com a abundância da sua glória [honra]’). A implicação é clara. O deleite e alegria que vão caracterizar o fim dos dias já está disponível, aqui e agora, através do sábado.2

O deleite do sábado é expresso na tradição judaica pelo brilhar de luzes nesse dia, aliás uma função da dona da casa. A função redentiva do sábado primordial na tradição judaica é impressionante. Visto como um símbolo da redenção primordial, a transformação do caos no cosmos perfeito, o sábado eficientemente tipifica a futura restauração pelo Messias. A tradição das luzes acesas no sábado estava simbolicamente relacionada, tanto com a luz sobrenatural que brilhou durante o primeiro sábado sobre Adão, quanto com a segurança da salvação e a extraordinária luz da era messiânica.

Os profetas divisaram a aparição de uma luz fulgurante no futuro: “A luz da Lua será como a do Sol, e a do Sol, sete vezes maior, como a luz de sete dias.” (Isa. 30:26). A comparação com a “luz de sete dias” é certamente uma alusão aos sete dias da Criação, os quais foram, de acordo com o Midrash, distinguidos por uma luz extraordinária, mais brilhante que a do Sol.3

A visão profética da extraordinária luz da era messiânica (Zac. 14:7) deriva mais provavelmente da noção da luz sobrenatural percebida por Adão no primeiro sábado – luz essa que, de acordo com a tradição judaica, desapareceu no final do sábado da semana da Criação, por causa da desobediência, mas que devia reaparecer na era messiânica.4                        

Descanso

O tema do repouso sabático (menu-hah), o qual “dentro da maneira bíblica de pensar”, como explica Abraham Joshua Heschel, “é o mesmo que felicidade e tranqüilidade, paz e harmonia”5, tem servido como um eficiente símbolo da era messiânica, geralmente conhecida como “últimos dias” ou “mundo por vir”.

No Antigo Testamento, a noção de “repouso” é utilizada para expressar tan-to as aspirações nacionais quanto messiânicas. Como uma aspiração nacional, o descanso sabático servia para tipificar uma vida pacífica na terra do repouso (Deut. 12:9; 25:19; Isa. 14:3) onde o rei iria conceder ao povo o “descanso de to-dos os seus inimigos” (II Sam. 7:1) e on-de Deus encontraria “repouso” no meio do Seu povo, e especial-mente em Seu santuário em Sião (II Crôn. 6:41; I Crôn. 23:25; Sal. 132:8, 13 e 14: Isa. 66:1).

A relação entre o descanso sabático e o descanso nacional é também encontrada em Hebreus 4:4. 6 e 8, onde o autor fala do repouso do sábado da Criação como um símbolo da promessa de entrada na terra de Canaã. Por causa da desobediência, a geração do deserto “falhou em entrar” (verso 6) na terra do descanso tipificado pelo sábado.

O fato de as bênçãos do repouso sabático jamais terem se realizado como uma condição política de estabilidade e paz representava um desafio ao povo de Deus para ansiar pelo seu futuro cumprimento quando e através da vida do Messias. Na literatura judaica encontramos numerosos exemplos nos quais o repouso sabático e a divisão dos dias em sete são usadas para representar o descanso, a paz e a redenção da era messiânica.

Por exemplo, o Talmude

Babilônico diz: “Nossos Rabis ensinavam: Na conclusão do sábado, virá o filho de Davi. R. Joseph contestou: Mas quantos [sábados] já passamos e ele ainda não veio!”6 A era do Messias é geralmente descrita como um repouso sabático. No final do Mishnah Tamid, lemos: “Um salmo, um cântico para o dia de sábado, um cântico para o tempo que virá, para o dia que é um completo descanso de sábado na vida eterna.” A experiência do descanso sabático serviu para nutrir a esperança da futura paz e futuro repouso messiânico. A redenção messiânica veio para ser vista, conforme está no Mishnah Tamid, como “um completo descanso de sábado na vida eterna”.

Liberdade

A liberdade, libertação e liberação que os sábados semanais e anuais deviam conceder a cada membro da sociedade hebraica também têm servido como uma tipologia eficaz da redenção através do Messias.

No quarto mandamento que aparece em Deuteronômio, o sábado está clara-mente relacionado com a libertação provida pelo Êxodo, através da cláusula de lembrança: “porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o Senhor, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado.” (Deut. 5:15).

A relação entre o sábado e o livramento do êxodo pode explicar por que o sábado se tornou ideologicamente relacionado com a Páscoa, a celebração anual da libertação do Egito. Em certo sentido, o sábado se tornou uma “pequena páscoa”, da mesma forma que alguns cristãos vêem o domingo semanal como uma “pequena páscoa cristã”.

O sábado era um verdadeiro libertador da sociedade hebraica por oferecer o livramento da dureza da vida e das desigualdades sociais, não apenas a cada sé-timo dia, mas também a cada sete anos, no ano sabático e a cada “sete semanas de anos” (Lev. 25:8). Essas instituições anuais do sábado se tornaram verdadeiros libertadores dos oprimidos na sociedade hebraica. A terra devia descansar e ser deixada apenas para fornecer graciosamente os produtos para quem vivia na miséria e para os animais. Os escravos eram emancipados e as dívidas dos cidadãos eram remidas. Embora raramente observados, esses sábados anuais serviram para anunciar a futura libertação e redenção que seria trazida pelo Messias. Uma razão para a função messiânica dos anos sabáticos pode ser encontrada em seus traços messiânicos.

No Velho Testamento, os sábados semanais e anuais serviam para exemplificar e alimentar a esperança da futura redenção messiânica.

Por exemplo, os sábados anuais prometiam libertação dos débitos pessoais e da escravidão. Tal libertação provia um eficiente símbolo para o livramento que o Messias traria (Isa. 61:1-3 e 7; 40:2). Em sua tese sobre a teologia jubilar do evangelho de Lucas, Robert Sloan mostra como o conceito de perdão (aphesis) do Novo Testamento se derivou largamente da libertação dos débitos financeiros e das injustiças sociais que fazia parte das celebrações dos sábados anuais.7 Isso era chamado de “remissão”, “remissão do Senhor”, “ano da remissão” ou “ano de jubileu” (Deut. 15:1, 2 e 9: 31:10; Lev. 25:10). Na Septuaginta, o termo hebraico para “remissão” (deror) é traduzido como aphesis, que é a palavra do Novo Testa-mento para “perdão”. A frase da Oração do Senhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas” (Mat. 6:12) deriva da remissão das dívidas financeiras nos sábados anuais. A libertação sabática das dívidas financeiras e das injustiças sociais chegou a ser vista como prefiguração da futura libertação messiânica da dívida moral do pecado.

Um exemplo é Isaías 61:1-3, onde o profeta emprega a figura da libertação sabática para descrever a missão do Messias, que traria a anistia jubilar e a libertação do cativeiro. Na segunda parte deste artigo, vamos ver como Cristo utilizou essa compreensão para anunciar e explicar a natureza de Sua missão redentora.

Estrutura do tempo

As características messiânicas especiais dos anos sabáticos inspiraram o uso da estrutura sabática do tempo para medir o tempo da espera pela redenção messiânica. Alguns estudiosos têm chamado a isso “messianismo sabático” ou “cronomessianismo”.8

Uma localização clássica do messianismo sabático pode ser encontrada em Daniel 9, onde dois períodos sabáticos são apresentados. O primeiro consiste da profecia dos 70 anos (Jer. 29:10) caracterizados co-mo o tempo para a restauração nacional dos judeus (Dan. 9:3-19) e corresponde a 10 anos sabáticos (10 X 7). O segundo período consiste de “setenta semanas” (shabuim), tecnicamente “setenta ciclos sabáticos”, que nos levam à redenção messiânica (Dan. 9:24-27). Esse messianismo sabático é encontrado com freqüência na literatura judaica de períodos posteriores. Por exemplo, o Talmude diz: “Elias disse à Rab Judá… ‘O mundo não vai existir mais depois de 85 jubileus, e no último jubileu o filho de Davi virá.’” 9

Redenção messiânica

Esta breve pesquisa do tema do sábado no Antigo Testamento demonstrou que, nos tempos do Antigo Testamento, os sábados semanais e anuais serviam não apenas para prover o descanso físico e libertação das injustiças sociais como também para exemplificar e alimentar a esperança da futura redenção messiânica.

O Rabino Heschel captou vividamente a tipologia do Antigo Testamento a respeito do sábado quando escreveu: “Sião está em ruínas, Jerusalém jaz no pó. Durante toda a semana, não há mais do que esperança de redenção. Mas quando o sábado entra no mundo o homem é tocado imediatamente pela redenção: como se, nesse momento, o espírito do Messias Se movesse sobre a face da Terra.”10 A tipologia sabática do Antigo Testamento acerca da redenção messiânica irá nos ajudar a compreender, na continuidade deste estudo, a relação entre o sábado e o Salvador.

Referencias:

  • 1 Ver. por exemplo, Talmude Babilônico. Shabbath 12a, 12b.
  • 2 William G. Braude, trad.. The Midrash on Psalms (New Haven: Yale University Press. 1959), vol. 2. pág. 112.
  • 3 Ver Bereshith Rabbath, 3:6; 11:2.
  • 4 Ver The Midrash on Psalms. vol. 2, pág. 112.
  • 5 Abraham Joshua Heschel, The Sabbath: Its Meaning for Modern Man (New York: Farrar, Starus and Giroux, 1951), pág. 23.
  • 6 Sanhedrin 97a.
  • 7 Robert B. Sloan, The Favorable Tear of the Lord: A Study of Jubilary Theology in the Gospel of Luke (Austin: Texas, 1977).
  • 8 Ver Bem Zion Wacholder, “Chronomessianism: The Ti-ming of Messianic Movements and the Calendar of Sabba-tic Cycles”, Hebrew Union College Annual 46 (1975): 201.
  • Sanhedrin 97b.
  • 10 Heschel. pág. 68.