Fuja da tentação de roubar a honra que pertence a Cristo

O evangelista Glenn Conn inicia seu livro The ABC’s of Bible Prayer (O ABC da Oração Bíblica) com as seguintes palavras, escritas por Mildred Hill:

“Senhor, faze de mim um prego bem preso na parede. E nessa coisa tão comum e tão pequena, pendura um quadro de Tua face, para que os viajantes cansados da jornada possam fazer uma pausa a fim de contemplá-lo. Então, em cada face radiante fique gravada, de tal modo que nada consiga apagar, a imagem de Tua glória e Tua graça. Senhor, não permitas que ninguém pense em mim. Que eu seja, apenas, um prego na parede, mostrando a Tua face.”1

Essa é uma bela mensagem. Porém, a grande tentação no ministério pastoral é fazer de Jesus o prego na parede, e de nós, pastores, o quadro.

O dilema de Barth

Ao completar 80 anos, o teólogo Karl Barth mexia-se na cadeira, enquanto ouvia uma pessoa após outra esbanjar elogios a ele por todas as suas conquistas. O palavreado causava em Barth sensação dupla: Uma, de gratidão; outra, de alarme. Ele havia experimentado a mesma sensação nas últimas semanas anteriores, quando seu nome apareceu em jornais de todo o mundo. Na véspera de seu aniversário, ele foi saudado como o maior teólogo do século 20, e foi comparado aos pais da igreja.2

Finalmente, quando chegou a vez de falar, naquela celebração, ele expôs a razão do seu espanto. Ele tinha consigo uma cópia de sua obra Epistles to the Romans. No início do livro, havia uma dedicatória que ele havia feito para si mesmo: “De Karl Barth para seu caro amigo Karl Barth.”3 O que se seguia eram algumas frases do volume 63 de Martin Luther’s Works:

“Se você pensa que é invulnerável, tem essa opinião e se deleita com seus livros, sermões e seus escritos; se você pensa que tem brilhantismo e prega esplendidamente, se lhe agrada ser louvado por outros; sim, se você quer ser elogiado a fim de não se entristecer e desistir, então, meu amigo, se você é suficientemente homem, coloque as mãos nos ouvidos e encontrará um lindo par de grandes, longas e toscas orelhas de jumento. Não poupe o custo de decorá-las com sinos dourados, para que, aonde quer que for, possa ouvir as pessoas dizendo: ‘Olhem! Olhem! Ali vai um homem esplêndido, que prega maravilhosos sermões e escreve livros extraordinários!’”4

Orelhas de jumento

Refletindo sobre essa parte do discurso de Barth, Brian Williams ressalta que Lutero e Barth conheciam a tentação que nós, pastores, temos de atrair a atenção das pessoas para nós mesmos.5 Fazer de Jesus um prego que sustente nossa imagem, ou como disse Lutero, decorar nossas orelhas de jumento com sinos dourados, para que as pessoas nos percebam, é uma das maiores ciladas.6

Essa tentação é ressaltada durante reuniões de pastores, por exemplo, quando começamos a propagandear os batismos que realizamos. Enfatizar o número dos nossos feitos alimenta o desejo pecaminoso de nos compararmos com outros, e nossa compulsão humana é dizer: “Olhem para mim!”

Deus não nos chamou para competir com outras igrejas nem outros pastores. Deus nos chamou para que sejamos fiéis e frutíferos onde Ele nos colocar. Não é por acidente nem por acaso que você está onde está. Deus o colocou aí. Quer esteja em uma grande ou pequena igreja, seu papel é o mesmo: revelar Jesus às pessoas.

Muito frequentemente, ministramos para nossa autoglorificação, não para a glória de Deus e a redenção daqueles cujo cuidado pastoral Ele nos confiou. Nosso anseio por glorificação própria nos leva, como apropriadamente declarou Paul Tripp, “a ser mais direcionados à posição do que à submissão”.7

O desejo de glorificação própria, muitas vezes, desperta em nós inveja do trabalho de outros. Vemo-nos como sendo mais dignos do que eles de pastorear grandes igrejas, ou ocupar funções no escritório da Associação. Assim, nos tornamos irados pelo fato de que eles conseguem o que, acreditamos, devia ser nosso. Em nossa inveja e ciúme, até mesmo começamos a questionar a imparcialidade e justiça de Deus. A inveja, não raramente, nos leva à amargura. Perdemos a motivação para fazer o que é certo, porque estamos mais interessados na posição do que na submissão.

“O foco na posição nos transformará em políticos, quando devemos ser pastores. Fará com que exijamos ser servidos, quando devemos querer servir. Contribuirá para que façamos aos outros o que não desejamos para nós mesmos. O foco na posição nos levará a buscar privilégios quando devemos estar prontos a renunciar direitos. Estaremos mais concentrados em como as coisas nos afetam do que com a maneira pela qual elas refletem a Cristo; buscaremos estabelecer nossa agenda, em vez de alegremente nos submetermos à agenda de Deus.”8

Celebridade

Pregar também pode alimentar nossa autoglorificação. “A pregação pública apresenta contínua oportunidade para o pregador se mostrar. Em alguns casos, é como se ele dissesse: ‘Observem meus conhecimentos! Veja como impressiono vocês com o grego”, e também hebraico, ou com minha apresentação.9 Richard Baxter aprofunda esse ponto:

“Quando o orgulho toma o sermão, ele nos acompanha ao púlpito, molda nossa entonação, impulsiona a apresentação, tira-nos daquilo que algumas vezes pode soar desagradável e nos leva a buscar aplausos inúteis. Em suma, isso nos leva a estudar e pregar a fim de glorificar a nós mesmos e negar a Deus, enquanto devemos negar a nós mesmos e glorificar a Deus.10

Satanás pode usar o ministério para instilar em nós um ridículo desejo pelo status de celebridade que pode viciar.11 Nesse ponto, ficamos à porta da igreja, no fim do sermão, esperando ouvir o louvor e a adulação das pessoas, enquanto as despedimos. Aliás, esse desejo também pode se manifestar por meio do receio de que o pastor associado, ancião da igreja, ou mesmo outro membro da igreja preguem, porque eles podem fazer isso tão bem ou até melhor do que nós. Em vez de utilizarmos o dom dessas pessoas para a glória de Deus, receamos que elas nos superem.

Na verdade, não é apenas na pregação que o desejo de fama nos leva a diminuir e sufocar os dons de outros colaboradores. Às vezes nos recusamos a delegar tarefas, porque o orgulho não nos permite usar os dons espirituais das pessoas. É preciso humildade para buscar, afirmar e utilizar os dons existentes na congregação e compreender o ministério não como tarefa de uma pessoa, mas da comunidade cristã.

É muito sedutora a tentação de adornar as orelhas de jumento com um sino, talvez uma fita, depois sair a trotar em busca de aplausos. Tornamo-nos tão absortos nesse desfile que nos esquecemos de que o ministério não é centralizado em nós, mas em Cristo. É apenas para Ele e para que as pessoas O vejam.12

Novamente Barth

No fim de seu discurso, Barth comparou sua vida e seu ministério ao de outro jumento, utilizando-o como metáfora do ministério:

“A Bíblia mencionou um jumento de verdade; um ao qual foi permitido carregar Jesus para Jerusalém. Se eu tiver feito qualquer coisa de mim mesmo, nesta vida, fiz isso como parente daquele jumento que trilhou seu caminho levando uma importante carga. Os discípulos haviam dito ao proprietário daquele jumento: ‘O Senhor necessita dele.’ Então, parece-me que Deus Se agradou de me usar neste tempo, apesar de mim mesmo, apesar de todas as coisas desagradáveis que possam ser ditas corretamente a meu respeito. Assim, fui usado… Foi-me permitido ser o jumento da preciosa carga.”13

Quem de nós será suficientemente bom para carregar o Messias, por entre ruas, caminhos, valados, grandes e pequenas cidades, igrejas, a fim de que Ele, não nós, seja visto? Que Deus nos ajude em nosso ministério, a chegar ao ponto em que nosso maior desejo seja ser um prego sustentando um quadro de Jesus, ou um jumento que simplesmente O carrega pelas ruas!

Referência:

  • 1 Glenn Coon, The ABC’s of Bible Prayer (Hargerstown, MD: Review and Herald, 1972), p. 1.
  • Karl Barth, Fragments Grave and Gray (Londres: Collins, 1971), p. 111, 112.
  • 3 Ibid.
  • 4 Ibid.
  • 5 Brian Williams, The Potter’s Rib: Mentoring for Pastoral Formation (Vancouver: Regent College Publishing, 2005), p. 169.
  • Ibid.
  • 7 Paul Tripp, The Gospel Coalition (blog), http://thegospelcoalition.org/blogs/tgc/2012/12/09/5-more-signs-you-glorify-self/. Acessado em 15/02/2013.
  • 8 Ibid.
  • 9 Peter Mead, http://biblicalpreaching.net/2011/06/24/preaching-and-pride-a-deadly-terrain/. Acessado em 24/96/2011.
  • 10 Richard Baxter, The Reformed Pastor (Glasgow: William Collins, 1829), p. 209.
  • 11 Peter Mead, Op. cit.
  • 12 Brian Williams, Op. cit., p. 169.
  • 13 Karl Barth, Op. cit., p. 116, 117.