Paulo e o paradigma ministerial

Clodoaldo Tavares dos Santos

O nome do apóstolo Paulo certamente se destaca entre os primeiros líderes da igreja cristã. Convertido ao cristianismo de maneira impressionante, o perseguidor passou a ser perseguido, e todos os seus esforços passaram a se concentrar na pregação das boas-novas da salvação em Jesus e contribuição para que a igreja pudesse triunfar diante das necessidades. Basta considerar o conteúdo de suas 14 epístolas para se certificar disso.

De fato, Ellen White afirma que Paulo “foi uma pessoa designada por Cristo para uma importantíssima obra, alguém que devia ser ‘um vaso escolhido’”.1 Por sua vez, Udo Schnelle lembra que o apóstolo “foi, sem dúvida, o missionário e pensador teológico proeminente do cristianismo primitivo”.2

Diante desse currículo, é interessante pensar nas seguintes perguntas: Podemos estabelecer um paradigma ministerial a partir do exemplo de Paulo? Até que ponto podemos considerar o paradigma paulino como parâmetro para o ministério pastoral adventista contemporâneo?

O evangelista

O primeiro aspecto a ser considerado é o trabalho de Paulo como evangelista, conforme se encontra no livro de Atos e nas epístolas paulinas. Mauro Pesce considera o evangelismo “como atividade primária do apóstolo, consistindo no anúncio (o querigma) e na fundação de novas igrejas”.3

A ideia missiológica que transparece nos relatos é que Paulo, no cumprimento da missão, utilizava estratégias adequadas à realidade em que estava inserido. Em alguns momentos, sua proclamação e seu ensino ocorriam em ambientes públicos (At 13:14-43; 14:14-18; 17:19; 20:17-38; 22:1-21; 23:1-10; 24:10-21; 26:1-32). Em outros, no contexto privativo, das casas (Rm 16:15; Cl 4:15; Fm 2; At 2:46; 1Co 16:19). Em síntese, ele se envolvia em evangelismo público e pessoal, à semelhança de Jesus. Os evangelhos mostram Cristo em ação, fazendo evangelismo público (Mt 7:28; 9:36; Mc 7:31; 10:1; Lc 5:17; 12:54; Jo 8:2) e pessoal (Mt 9:6; 12:10, 15; Mc 1:29; 2:14, 15; Lc 8:51; 19:5; Jo 3; 4). Dessa maneira, o apóstolo não hesitou ao colocar em prática os métodos do Mestre.4

Além disso, Paulo não participou da missão de maneira individual. Ele atuava em parceria com a igreja local e também com uma equipe missionária. Atos mostra que o apóstolo costumava viajar com vários colaboradores. As epístolas confirmam essa prática. Em Filipos, por exemplo, ele chegou com uma equipe que parece ter sido composta por Timóteo, Lucas e Silas (At 16). Tempos depois, quando Paulo escreveu aos filipenses, mencionou como seus colaboradores Timóteo e Epafrodito (Fp 2:16-30), e ainda Evódia, Síntique e Clemente (Fp 4:2, 3).

De fato, Paulo deixou claro em alguns textos que seu ministério estava entrelaçado com a evangelização: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1:16). Em 1 Coríntios 9:16 ele afirmou: “Pois, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, porque me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!” (ACF). O termo grego traduzido por “imposta” é um verbo médio/passivo depoente. Ou seja, é um verbo que possui voz média ou passiva, porém, com significado ativo. Sua forma de voz é diferente de sua função de voz. Paulo realiza a ação por “obrigação”, palavra que pode ser traduzida também como “necessidade”. Ou seja, algo interior o impulsionava fortemente a realizar esta ação, que brota de uma necessidade intrínseca do apóstolo.

Segundo A. T. Robertson, a frase “porque me é imposta essa obrigação” poderia ser traduzida como “porque esta necessidade me está imposta”.5 Dessa maneira, Paulo reconhecia que a pregação do evangelho era uma necessidade pessoal. Em sua percepção, não havia possibilidade de ele fazer outra coisa nem de receber recompensa alguma por fazê-lo. Em suma, a construção do verso evidencia que o próprio evangelho é o elemento motivador de Paulo para seu compromisso com a missão.

O pastor

O segundo aspecto do paradigma ministerial de Paulo está relacionado com sua atividade pastoral. Esse trabalho era caracterizado pelas visitas do apóstolo às igrejas fundadas, pelos colaboradores que eram enviados por ele às congregações, por seus conselhos diretos aos líderes das comunidades e também pelo envio de cartas.6

Aliás, suas cartas demonstram o cuidado pastoral que ele tinha com a igreja. O uso do termo merimna sintetiza essa ideia. Em 2 Coríntios 11:28, Paulo diz: “Além das coisas exteriores, ainda pesa sobre mim diariamente a preocupação [merimna] com todas as igrejas.” William MacDonald afirma que “Paulo levava a cada dia a carga constante das igrejas cristãs em seu coração. Quão significativo que isto seja a culminação de todas suas outras provas”.7 Tão importante quanto sua preocupação com as igrejas, estava seu cuidado com as pessoas. “Pois não estou interessado nos bens de vocês, e sim em vocês mesmos” (2Co 12:14).

Ao longo da história, um dos grandes perigos enfrentados pelos pastores tem sido alimentar motivos escusos em seu ministério. O exemplo apostólico torna-se referência quando observamos o amor que Paulo nutria pelo povo de Deus, a ponto de declarar: “Eu de boa vontade gastarei e me deixarei gastar em favor de vocês” (2Co 12:15). William MacDonald comenta: “Aqui temos um belo vislumbre da inesgotável busca do apóstolo Paulo pelo bem-estar do povo de Deus em Corinto. Ele estava felizmente disposto a se entregar em serviço incansável e em sacrifício por suas almas, isto é, por seu bem-estar espiritual.”8

Nas cartas, outro detalhe que chama atenção é a maneira pela qual Paulo concluía suas mensagens. O fato de saudar nominalmente os fiéis das comunidades cristãs evidencia o tipo de relação interpessoal que ele tinha com os membros das igrejas. Por exemplo, em Romanos 16, Paulo enviou saudações diretas para pessoas que ele chamava de cooperadores (16:3, 21), amigo (16:8) e até “mãe” (16:13). Ao concluir 1 Coríntios, expressou seu sentimento genuíno dizendo: “O meu amor esteja com todos vocês, em Cristo Jesus” (1Co 16:24). Em Atos 20:28, preocupado com a espiritualidade da liderança da igreja, admoestou: “Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho.”

Outra atividade importante na dinâmica pastoral de Paulo era a visitação. Em Atos 15:36, o apóstolo convidou Barnabé para visitar os irmãos que haviam se convertido nas campanhas evangelísticas da primeira viagem missionária. Observe que não era uma visita impensada. A motivação era a preocupação com o bem-estar integral dos cristãos e, de maneira especial, dos recém-convertidos. A prática ainda é evidenciada, por exemplo, em textos como Gálatas 1:18, 1 Coríntios 16:5 e 2 Coríntios 12:14.

Portanto, para o apóstolo, a relevância de seu ministério não se resumia simplesmente ao “crescimento numérico ou o poder financeiro ou a construção de templos suntuosos”,9 mas estava relacionada à saúde espiritual da comunidade da fé, ao cuidado dos membros e envolvimento de todos na pregação do evangelho. Ele era zeloso com a igreja, a doutrina e a evangelização, mas tinha grande preocupação com o ser humano em suas fragilidades, anseios e temores.

O teólogo

O terceiro aspecto é a imagem de Paulo como teólogo. A importância de suas cartas no Novo Testamento lhe confere um status diferenciado, que ofusca os teólogos cristãos que o seguiram.10 Expressões como “corpus paulino”, “teologia paulina” ou “pensamento paulino” evidenciam a grandeza desse preeminente líder do cristianismo.

Uma análise histórica da influência paulina na teologia é reveladora. Por exemplo, Agostinho elaborou suas ideias teológicas a partir de suas reflexões sobre os escritos de Paulo.11 A Reforma Protestante teve sua origem relacionada às conclusões extraídas das cartas do apóstolo. Teólogos influentes como Karl Barth, Rudolf Bultmann e Emil Brunner se tornaram pensadores reconhecidos por suas incursões nas epístolas paulinas.12 A influência dos escritos de Paulo para o cristianismo ainda desperta o interesse de muitos estudiosos contemporâneos.

A teologia paulina é apresentada em suas epístolas e está inseparavelmente relacionada ao caráter do diálogo que ele tinha com seus destinatários e à análise e contextualização histórica.13 Ou seja, sua teologia participava de uma estrutura de retroalimentação sistêmica com a igreja. Isso é evidenciado pelas situações teológicas abordadas.

Diante de um método de interpretação enraizado na cultura judaica da época e da influência de correntes filosóficas variadas, Paulo é encontrado no desafio de desenvolver um pensamento que sistematize o escopo teológico-doutrinário cristão que prevaleça ante os sistemas concorrentes e discursos cultural-religiosos predominantes,14 preservando sua fundamentação bíblica.

Seu conhecimento teológico é vasto, comprovado pela sua abordagem ampla e profunda. Isso sem falar de sua compreensão a respeito das correntes de pensamentos filosóficos de seu tempo. Por exemplo, em Atos 17, além de dialogar com representantes do pensamento epicureu e estoico, Paulo citou intertextualmente Aratu, Cleandro e Epimênides.

O apóstolo jamais permitiu que a teologia o afastasse de seus irmãos. Afinal, “ser teólogo não significava afastar-se do povo, mas comprometer-se com ele”.15 A abordagem teológica paulina estabelecia uma autêntica convergência entre preceitos da fé cristã como meios para a compreensão individual para a salvação humana, interferindo assim em seu contexto existencial. Segundo Derek Tidball, o objetivo do ensino teológico de Paulo era “fortalecer os crentes, dar-lhes mais conhecimentos sobre a identidade e salvação deles, dar-lhes um grande apreço e confiança em Cristo e Sua obra, incentivar a sua unidade como um reflexo do evangelho de reconciliação e instruí-los na vida ética”.16

Conclusão

Conforme a experiência de Paulo, o ministério pastoral está centrado no evangelho e tem origem nele. É verdade que qualquer anacronismo entre o contexto do ministério paulino e o atual desconstruiria um dos grandes princípios paradigmáticos ensinado pelo próprio apóstolo, o da contextualização (1Co 9:20-22). Entretanto, para responder as perguntas apresentadas na introdução deste artigo, é preciso elaborar outros três questionamentos. Há necessidade atual de evangelização? A sociedade, sobretudo a família da fé, precisa de pastoreio marcado pelo cuidado e pela visitação? Precisamos de teólogos com conhecimento amplo e profundo? Se as respostas forem positivas, então, fica evidente que o paradigma paulino de ministério pastoral, marcado pela evangelização, pelo pastoreio e preparo teológico, são válidos contemporaneamente.

Referências

1 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), p. 120.

2 Udo Schnelle, Teologia do Novo Testamento (Santo André, SP: Academia Cristã, 2010), p. 256.

3 Mauro Pesce, As Duas Fases da Pregação de Paulo (São Paulo: Loyola, 1996), p. 15.

4 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 143.

5 A. T. Robertson, Comentario al Texto Griego del Nuevo Testamento (Barcelona: Clie, 2003), p. 443.

6 Pesce, As Duas Fases da Pregação de Paulo, p. 15.

7 William MacDonald, Comentário Bíblico de William MacDonald: Antiguo Testamento y Nuevo Testamento (Barcelona: Clie, 2004), p. 843.

8 MacDonald, Comentário Bíblico, p. 845.

9 Thomas W. Hill, Roberto Fricke, Edgar Baldeón, Gustavo Sánchez, Comentario Bíblico Mundo Hispano: 1 y 2 Corintios (El Paso, TX: Mundo Hispano, 2003), p. 315.

10 James Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo (São Paulo: Paulus, 2008), p. 27.

11 Aurélio Agostinho, Confissões (São Paulo: Folha de São Paulo, 2010), p. 106.

12 Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo, p. 28.

13 Ibid., p. 37.

14 Schnelle, Teologia do Novo Testamento, p. 257.

15 Kevin J. Vanhoozer e Owen Strachan, O Pastor como Teólogo Público: Recuperando uma visão perdida (São Paulo: Vida Nova, 2016), p. 159.

16 Derek Tidball, Ministério Segundo o Novo Testamento (São Paulo: Cultura Cristã, 2011), p. 139.

Clodoaldo Tavares dos Santos, professor de Teologia na Faculdade Adventista da Amazônia