Todo líder precisa se examinar continuamente, para determinar se atrai ou repele as pessoas 

Um fenômeno intangível permeia a atmosfera do nosso mundo. Nós o conhecemos como “poder”. Como indivíduos e nações, o assunto do poder caracteriza nossa cultura; e o desejo de poder, como regra geral, domina as massas quer no sentido econômico, político, social ou tecnológico. Expressões familiares atestam as muitas ramificações do poder na vida e experiência diárias: poder político, equilíbrio de poder, poder da mídia, ou indivíduos de poder. Na igreja, frases tais como “o poder dos leigos” ou “o poder da liderançasugerem certa preocupação a respeito do poder. 

Cada uma dessas expressões poderia indicar ser indesejável a falta de poder. Como afirmou Robert Greene, “o sentimento de não ter poder sobre as pessoas e os acontecimentos é geralmente insuportável para nós – quando nos sentimos miseráveis e desamparados. Ninguém quer menos poder; todos querem mais”.

Como devemos nós, os pastores, nos relacionar com esse fenômeno? 

Cinco tipos

Onde quer que um grupo de pessoas se organize para cumprir determinado objetivo, o fenômeno do poder está em pauta. Uma organização inteira é afetada pelo modo como seu líder se relaciona com o poder, junto com uma série de opções para aplicá-lo. Em um extremo, líderes eclesiásticos podem forçosa e autocraticamente impor seu poder, resultando em conflitos, rivalidades e rebeliões. No outro lado, os líderes talvez não apliquem o poder a fim de que possam realizar todas as mudanças necessárias, e dessa forma, nada conseguem cumprir. Revestido da função de contendor, todo líder desempenha o jogo do poder, e quanto a isso, não existe escolha. 

Quase todo membro de igreja pode relatar histórias de congregações feridas por um pastor ou líder voluntário que usou erroneamente o poder, resultando em descontentamento e redução de auto-estima. Tanto o líder se sente desanimado, porque poucos se dispõem a seguir sua liderança, como os membros se sentem inúteis e desmotivados. Em um seminário, o Dr. Arnold Kurtz, professor jubilado do Seminário Teológico da Universidade Andrews, comentando o fato de a baixa disposição de ânimo de uma congregação freqüentemente ser atribuída à chamada condição laodi-ceana, disse que a causa real pode ser o modo como o pastor a lidera. Na verdade, o uso que o pastor faz do poder que lhe é atribuído pode criar a própria condição que ele lamenta. 

Como um líder deve se relacionar com o fenômeno do poder? J. R. P. French e Raven2 identificaram cinco tipos de poder: 

Poder especializado — baseado na percepção que B tem da competência de A.
Poder referente - baseado na identificação, ou amizade, de B com A.
Poder-recompensa - baseado na habilidade de A em recompensar B.
Poder coercivo — baseado na percepção de B no sentido de que A pode aplicar castigos,
caso A seja vítima de falhas por parte de B.

Poder legítimo - baseado na internalização de normas e valores comuns.

Poder especializado

Em nossa época de rápido avanço do conhecimento especializado, temos que confiar em especialistas em todo ramo de aprendizado. Justamente porque o poder especializado está por trás da liderança efetiva, o líder pode se tornar famoso por boas decisões tomadas, são juízo, ou percepções corretas da realidade. Essas são qualidades que aparentemente fazem com que um indivíduo ascenda naturalmente ao poder.

Os seguidores são persuadidos de que o reformador está certo, e um movimento de reforma começa a nascer. Esse cenário é regularmente visto no mundo político, bem como no mundo religioso. Quando alguém observa o poder de revolucionários ou reformadores, parece que esse poder começa com a percepção de habilidade desses indivíduos. Eles usam seu conhecimento ou discernimento para definir os problemas prevalecentes e propor soluções. O ministério de Jesus oferece um exemplo de poder especializado, pois “Ele ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mt 7:29). Havia em Suas palavras uma credibilidade que impressionava os ouvintes com o fato de que Ele sabia o que estava falando.

Nesta época de revolução tecnológica, a disseminação do conhecimento e a facilidade com que os indivíduos rapidamente partilham informações determinam quem tem posição de influência. Com respeito à igreja, muitos membros têm conhecimento de teologia e administração em tal nível que podem até superar o do pastor. A liderança busca preencher um vácuo. Onde o pastor talvez seja deficiente, outros podem ser considerados mais bem-in- formados ou experientes, alterando, assim, o poder do líder da igreja.

Aplicada aos pastores, essa forma de poder demonstra a razão pela qual o preparo no seminário é considerado tão importante. A capacitação extra recebida através de educação contínua permite aos estudantes capitalizar sobre a abundância de informação disponível, para realizar efetivamente o trabalho do ministério.

Poder referente

Fundamentado no desejo que os seguidores têm de se identificar com seu líder e ser aceitos por ele, o poder referente serve de modelo e agente de influência, pelo qual são avaliados seu comportamento e suas crenças. Dentro de uma organização, o poder referente pode ser intenso, pois em toda congregação, nomes, do pastor ou de alguns membros, certamente serão ouvidos e lembrados com grande afeto e respeito.

Alguém poderia indagar: O que é tão notável a respeito desses indivíduos? Por que sua memória é tão reverenciada? Por que as pessoas os consideram tão especiais? Por que são tão poderosos? Com a resposta vem a atração do poder referente. O líder, conhecido pelo carisma de seu amor e maneiras gentis manifesta seu poder. Na maioria das organizações, alguns indivíduos parecem motivar outros meramente pelo respeito que tributam aos seus bem- amados; e os demais também desejam ser identificados com eles.

Líderes-servos tendem a crescer em poder referente. Na visão de Richard J. Foster, “liderança é uma atividade de serviço. Aqueles que vestem o manto da liderança fazem isso para a segurança de outros, não por sua própria segurança. Sua preocupação é preencher as necessidades do povo, não fazer crescer sua própria reputação”.3 Portanto, note como o poder referente cria lealdade e espírito de equipe em uma organização.

Aparentemente, existem duas tendências atuais de poder. Como existem muitos livros e artigos falando a respeito de empreendimentos, status e sucesso, há muitos exemplos desse tipo de poder. Podemos nomear políticos, homens de negócios e líderes militares que escalaram desde níveis inferiores e chegaram à proeminência. Uma vasta literatura destaca pessoas que causaram impacto no mundo de outra forma. Seu poder não foi devido à sua força, posição ou aparência privilegiada, mas devido ao caráter, espírito de serviço, integridade, humildade e preocupação com os semelhantes. Isso nos faz ver o paradoxo de poder que tem sido modelado em vários tempos através da História. Pat Williams se refere a Mahat-ma Gandhi, que influenciou seu país inteiro, embora não tivesse posição de autoridade. Diz Pat:

“Uma das maiores chaves para o poder transformador da liderança de Gandhi foi sua humildade, enraizada num desejo de estar completamente identificado com os pobres e oprimidos a quem ele servia. Quando viajava, fazia isso em trens de terceira classe. Viajantes de terceira classe eram tratados como car

gas, colocados com animais, em miseráveis condições de temperatura, sujeira e mau cheiro. Indagado por que viajava na terceira classe, Gandhi respondia: ‘Porque não há quarta classe’.”4

O exemplo ideal de poder referente é o ministério de Cristo. As Escrituras nos dizem que as multidões se reuniam a Ele e O seguiam. A atração pública e a demanda eram tão grandes que dificilmente Ele podia encontrar descanso. Hoje, os pastores devem examinar sua vida e seu ministério, para determinar se atraem ou repelem o povo. Afinal, trabalhar com pessoas é um dever diário do pastor.

Poder-recompensa

O controle dos recursos disponíveis determina a base do poder-recompensa. Por exemplo, os líderes de uma igreja têm elevado grau de poder-recompensa, considerando que eles são dotados de autoridade para determinar quantos empregados serão contratados e assalariados, ou não. Na tentativa de motivar, os líderes também podem recompensar servidores cujo desempenho seja expressivo, e negar qualquer recompensa àqueles que não trabalhem bem.

Em muitas congregações, o real poder para conceder promoções e prêmios pertence à comissão administrativa. Entretanto, a única maneira de os membros dessa comissão saberem o que acontece no dia-a-dia é o pastor, que se torna um elo-chave com a fonte de recompensas. Freqüentemente, apenas a recomendação do pastor é suficiente para prover qualquer recompensa ou benefícios financeiros para serviços meritórios.

Outro exemplo de poder-recompensa é o reconhecimento público, habitualmente feito pelo pastor. Muitas pessoas que trabalham para a igreja são voluntárias, e a habilidade para recompensar seu serviço e dedicação diante da igreja pode ser um tremendo impulsionador para a auto-estima pessoal e a qualidade dos serviços prestados à igreja.

Entretanto, esse modelo de poder tem seus perigos. De acordo com Alfie Kohn,5 o poder-recompensa tem efeitos motivacionais, mas, em longo prazo, ele induz ao desenvolvimento de uma opinião fixa que realmente impede o desempenho de um indivíduo, a menos que ele seja recompensado. Alfie ainda sugere algumas razões pelas quais o poder-recompensa pode causar problemas: ele pressupõe castigo, pode quebrar relacionamentos, ignorar motivos, desencorajar a disposição para correr riscos, reduzir a motivação intrínseca, revelar-se controlador quando exercido na forma de elogio, sendo, desse modo, ineficaz. Todo líder precisa usar esse tipo de poder com muito cuidado, consciente de suas potenciais desvantagens. 

Poder coercivo

O líder que usa o poder coercivo controla a concessão ou negação de valiosas recompensas ou penalidades temidas. Como forma de poder, a coerção é aparente no exercício do governo, no mundo dos negócios, na família e na vida eclesiástica. Blaine Lee descreve sua natureza: 

“O poder coercivo reside na premissa do controle e uso do temor como seus instrumentos. Quando usamos o poder coercivo, não fazemos isso para influenciar outros, mas para forçá-los a obedecer. Conquistamos aquiescência através de ameaças, bajulação, intimidação ou força física – o que for necessário – para causar medo naqueles que estamos procurando controlar.”

Quando consideramos quão efetivamente o temor tem mantido muitos entre a população mundial sob repressão e regimes cruéis, não nos surpreendemos, porque a coerção tem sido considerada “o tipo de poder que a maioria das pessoas compreende melhor”.7 Como Célia Hahn observa, “o controle da cultura provê um refúgio confortável para a personalidade autoritária. Em um mundo estruturado pelo controle e pela hierarquia, a personalidade autoritária se sente segura. Na hierarquia do poder, ela tem seu próprio nicho. Enquanto se submete aos que lhe são superiores, ordena aos que estão abaixo para que façam o mesmo”.8 

Pesquisas revelam que o poder coercivo tem um impacto óbvio, pois afeta a auto-estima de uma congregação, de modo exatamente oposto aos tipos anteriores de poder (especializado, referente e recompensa). Respostas dadas durante uma pesquisa, em determinada igreja, refletem a angústia de membros cujo pastor exerce poder altamente coercivo.9 Um dos entrevistados respondeu: “As coisas não vão bem. Já perdemos muitos membros, e eu estou tentando me segurar lá.” Outro respondeu: “Nossa igreja se tornou o reino do pastor. Estamos sendo controlados em lugar de viver numa democracia.” Comentários desse tipo não foram feitos quando o pastor foi descrito como praticante dos poderes especialista e referente. 

Poder legítimo

O modelo legítimo de poder está fundamentado em normas e expectativas que os membros de um grupo mantêm a respeito de comportamentos apropriados de determinados papéis ou posições. Em outras palavras, os membros aceitarão, mais provavelmente, os líderes e sua influência, sempre que eles mantiverem atitudes que se conformam às normas do grupo ou organização. 

Na igreja, os líderes são escolhidos e legitimados através de um processo que envolve escolhas em comissões, votos em assembléias e instalação na respectiva função. Esforços são empreendidos para harmonizar as necessidades da organização com as habilidades e qualificações do líder. Às vezes, algum tipo de cerimônia oficial tem lugar, quando o novo líder assume a função para a qual foi escolhido. Na mente dos membros, esse processo confere legitimidade a quem lidera. Se eles perceberem que as habilidades do líder são insuficientes, que o processo de escolha foi suspeito, ou que os valores do líder diferem dos da organização, a conquista do poder legítimo toma-se difícil. 

O ministério de Cristo foi uma combinação desses cinco tipos básicos de poder. Ele exerceu liderança com a credibilidade e a legitimidade de quem foi enviado por Deus. Confrontou o erro e proclamou a verdade, em amor, com autoridade celestial. Através de Seu poder, a carência foi transformada em plenitude. 

Aos líderes cristãos de hoje, Deus concede o privilégio de usar Seu poder a fim de melhorar a igreja e o mundo. Ao nosso redor, vemos necessidades, vidas e relacionamentos fraturados, confusão e desordem. Líderes sábios estarão sempre conscientes do poder que têm nas mãos, e que deve ser usado para restaurar tudo o que foi arruinado pela ação deletéria do pecado. Empregado dessa forma, o poder pode ser descrito como um instrumento que glorifica a Deus. 

Referências: 

1 Robert Greene, The 48 Laws of Power (Nova York: Viking, 1998), p. 17. 

2J. R. P. French e B. Raven, Studies in Social Power (Ann Arbor: University of Michigan, Institute for Social Research, 1959), p. 150-167. 

3 Richard J. Foster, Money, Sex and Power (San Francisco, CA: Harper and Row, 1985), p. 235. 

4 Pat Williams, The Paradox of Power (Nova York: Warner Books, 2002), p. 207. 

5 Alfie Kohn, Punished by Rewards: The Trouble with Gold Stars, Incentive Plans, A’s, Praise and Other Bribes (Boston: Houghton Mifflin, 1993), p. 49-116. 

6 Blaine Lee, The Power Principle (Nova York: Simon and Shuster, 1997), p. 52. 

7 Michael Korda, Power! How to Get It, How to Use It (Nova York: Random House, 1957), p. 34.

8 Célia Allison Hahn, Growing in Authority, Relinquishing Control: A New Approach to Faithful Leadership (Bethesda, MD: The Alban Institute, 1994), p. 23. 

9 Steven R. Walikonis, “The Phenomenon of Power in the Church: An Investigation and Analisys of the Relational Dynamics Experienced in the Context of the Assertation of Authority” (Tese doutorai, Andrews University, 2004).