ENTRE os leitores de O Ministério haverá, talvez, quem se lembre de uma pequena publicação trimensal, de efêmera existência, sob a expressiva denominação que encabeça estas colunas. Após dois anos de vida atribulada, exalou o último suspiro: morreu de inanição, porque as poucas dezenas de assinaturas que alcançou, a dois mil réis cada uma, deixaram o editor com as finanças abaladas. . . Solução única: suspender a publicação, após completar o segundo ano, saldando todos os compromissos com a impressora e com os assinantes e, penalizada, di-zer adeus aos amigos que — justiça lhes seja feita — eram poucos, mas seletos!

Convidados agora, por quem de direito, para manter em O Ministério uma página sôbre questões de nossa língua, é com prazer que voltamos à liça. Nestas colunas procuraremos ventilar os pontos mais difíceis e ingratos de nosso idioma, êsses em que mais freqüentemente cochilamos, assinalando a ma-neira correta e elegante de nos exprimirmos. Elegante, dizemos, o que absolutamente não quer dizer difícil, rebuscada, preciosa, mas sim clara, simples e escorreita.

Comecemos nossas considerações com um dos pontos em que mais transgredimos os cânones da língua: o uso do imperativo negativo.

Tempos atrás vimos, num jornal, o seguinte anúncio de conhecido produto farmacêutico: “Não esperais que a espada vos fere traiçoeiramente. Curais em tempo vosso estômago e intestino se quereis evitar males piores. Pedis ao vosso farmacêutico a ver-dadeira [e seguia o nome do produto].”

Antes de tratarmos da forma imperativa negativa, digamos duas palavras sôbre o simples imperativo. Êste modo, como sabemos, só tem um tempo, e êste só duas pessoas: tu e vós. Para qualquer outra pessoa gramatical, tem que se usar o subjuntivo. Exemplo:  êle embora e fiquemos nós aqui; morra eu e viva a Pátria; paremos aqui, João; continuem, Pedro e Mário.

A mesma substituição se faz nas sentenças imperativas negativas. Notemos bem — nas sentenças em que mandamos uma pessoa não fazer, dizer, etc. uma coisa. Assim, diremos: Ama teu inimigo (afirmativa); não ames o mal (negativa). Amai vossos inimigos; não ameis o mal. Seria errado dizer: Não ama, ou não amai o mal. Isso, como vemos, só na segunda pessoa, do singular e do plural. Mas na primeira e terceira pessoas, do singular e do plural, não há alteração, porque essas pessoas não existem no imperativo e portanto, seja a senteça negativa ou seja afirmativa, emprega-se o subjuntivo: não ame eu o mal; não ame êle, não ame você, não amemos nós, não amem êles o mal.

Note-se, de passagem, que você, o senhor, vossa senhoria, vossa excelência, pertencem todos à terceira pessoa. De maneira que se dirá: Você não faça (terceira pessoa) isso; o senhor não faça isso; vossa senhoria não faça isso; vossa excelência não faça isso. Aliás, a imperativa negativa é mais difícil e mais maltratada nas duas segundas pessoas que existem no imperativo positivo: tu e vós.Esta última pessoa (segunda do plural) é de tôdas a mais difícil de usar, sendo, como é, empregada em estilo cerimonioso, nos sermões (preferindo) ou outras orações solenes. A segunda pessoa do singular (tu) também não é muito usada no Brasil. Tende cada vez mais a desaparecer, dando lugar à terceira pessoa (você).

Façamos, pois, um pouco de exercício. Corrija o leitor as seguintes frases do imperativo negativo, segunda pessoa singular (tu): Não ama, não jornadeia não visita, não salva; não perde; não mente; não cai. (Deve ser: Não ames, não jornadeies, não sites, não salves, não percas, não mintas,não caias.

Corrija agora, sòzinho, estas outras (segunda pe soa, plural): Não falai aqui; não andai tão depressa, não mastigai tão mal a comida; não matai os passarinhos; não cessai de fazer bem; não vos escusai ao convite; não ficai aqui; não criai porcos; não correi tanto; não comei entre as refeições; não fazei mal a ninguém; não crêde a qualquer doutrina; não dizei o que aconteceu; não perdei a confiança; não devei nada a ninguém; não trazei; não vêde; não descei; não tende mêdo; não parti sem me dizer adeus; não agredí; não construí; não menti uns aos outros; não acudi; não medi;não ouvi; não ride; não vinde; não ide; não servi; não feri; não ponde; não vos queixai; não vos arrependei; não vos ride; não vos ponde em perigo.

Corrija mais estas, que são simplesmente afirmativas: Façais o bem; sejais bem-vindos; faleis de vagar; mastigueis bem; creiai em Deus; digais tudo; ouçais o que vos tenho a dizer.

Faça o leitor êsses exercícios tanto com tu como com vós, e acrescente outros verbos ainda, das quatro conjugações, e nunca mais dirá, junto ao púlpito: ‘Não permite, Senhor, que tal aconteça”; “irmãos, não sêde nunca negligentes, não abandonai vossas reuniões, não ide nunca a diversões duvidosas, não fazei caso do que os outros dizem, não dai, não dizei, não ponde, não pagai com a mesma moeda.. .

E a esta altura, todos estaremos, sem dúvida, habilitados a pôr em português correto, num abrir e fechar de olhos, aquêle malfadado anúncio, que deveria dizer: “Não espereis que a espada vos fira”, etc., etc.                                            — L. W.