O cultivo da voz resulta em mais saúde, melhor comunicação e mais poderosa pregação do evangelho
A habilidade de produzir sons é o primeiro sinal de vida. E, ao longo de toda a existência de um ser humano, os sons servirão para transmitir idéias, distinguindo-o como pessoa, um ser inteligente. Mais do que merecer a caracterização de século da máquina, nosso século marca também a redescoberta do valor da voz. A comunicação falada voltou a ser o grande instrumento de divulgação do pensamento. O telefone tomou o lugar das cartas, na comunicação à distância; o rádio e a televisão suplantaram a comunicação escrita.
O mecanismo vocal humano merece compreensão e respeito por ser o instrumento que permite produzir um tipo de som qualitativamente distinto; a voz é uma identidade da pessoa, tal qual uma impressão digital. Para o cristão, entretanto, merece ainda maior atenção o cultivo da voz, por se tratar de um instrumento fundamental para a divulgação do evangelho, no púlpito ou através do contato pessoal.
Diz Ellen White que “a fala é um talento. De todos os dons concedidos à família humana, nenhum outro deve ser mais apreciado do que o dom de falar”1; e acrescenta: “Com a voz convencemos e persuadimos; com ela elevamos orações e louvores a Deus, e também falamos a outros do amor do Redentor.”2
Talvez a idéia mais completa sobre todos os conselhos que transparecerão neste artigo seja a de Paulo, o grande orador da Igreja cristã primitiva, ao escrever aos cristãos Colossenses: “A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como deveis responder a cada um.” (Col. 4:6).
Mas antes de saber como temperar as palavras, é bom verificar como funciona a voz humana. O aparelho vocal pode ser comparado a um simples órgão de tubos de uma igreja. Esse instrumento compõe-se de três partes: um fole, uma palheta e um tubo ou caixa de ressonância. Especificamente, no caso do aparelho fonador, a comparação pode ser feita dividindo-se em três partes: uma que exerce a função de fole, envolvendo a caixa torácica, os pulmões e o diafragma, sendo este o principal músculo. Outra parte que corresponde ao vibrador, abrangendo a laringe e, especialmente, as cordas vocais; os ressoadores, compostos pelas narinas, boca e faringe. Finalmente, os articuladores, que são os lábios, a língua, os dentes e palatos.
Respiração
O primeiro passo para a produção da fala é a respiração, o movimento do ar que possibilita a vibração das cordas vocais. Ao contrário de músculos como o do coração, os músculos do pulmão não se contraem por si mesmos, e sim quando recebem sinais dos nervos. Daí a necessidade de se buscar o desenvolvimento e a educação no sentido de se praticar a respiração de forma correta. Apesar de a respiração ser um ato inconsciente, seu aprendizado correto requer atenção consciente.
Há muito tempo, Ellen White disse como deveria ser a respiração: “Muitos que têm morrido poderiam ter vivido caso lhes tivesse sido ensinado como fazer uso da voz, de maneira correta. O devido uso dos músculos abdominais no ler e falar, mostrar-se-á remédio para muitas anomalias da voz e do tórax, e meio de prolongar a vida.”3
Quando o ar expande os pulmões, o diafragma é empurrado para fora e para baixo. Ao voltar à posição normal, para dentro e para cima, ele espreme os pulmões, que expelem o ar e se esvaziam. Uma boa respiração, no falar em público, envolve uma expiração controlada, o problema não é respirar maior quantidade de ar, mas controlar o seu uso.
De acordo com Ilion Jones, uma boa maneira de praticar a respiração diafragmática é respirar fundo e começar a falar cada palavra com o ar sob bastante pressão, cuidando para não exagerar. Então, descobrir a quantidade ideal de ar para dizer a frase até a pausa natural.4
“A educação da voz ocupa um lugar importante na cultura física, visto que ela tende a expandir e fortalecer os pulmões, e desta maneira afastar as moléstias.”5
Fonação
O segundo aspecto da fala é a fonação.
Uma vibração é produzida pelo ar expelido pelos pulmões ao encontrar as cordas vocais. O som emitido por essas cordas ressoa, num processo que envolve a laringe, a boca e o nariz. A ressonância deve ter uma participação equilibrada desses órgãos, caso contrário, a voz terá deformações.
Na produção da voz, duas características especiais devem ser lembradas:
Volume. É a força da compressão do ar contra as cordas. Obviamente, para que alguém se tome um pregador, há necessidade de falar alto o bastante para ser ouvido. O volume do som emitido resulta de três fatores: “quanta energia você usou para produzir o som, a distância entre o pregador e a congregação e a acústica do lugar onde se está falando.”6
Como outros aspectos da oratória, aqui também é preciso variação. Tanto a ênfase como a suavidade são maneiras de salientar. Uma grande variação no volume da voz adicionará enorme interesse à congregação.
2. Timbre. É a cor do som produzido pela faringe. Ele será mais agudo ou mais grave, de acordo com a tensão nas cordas. A questão do timbre, assim como o volume, é de extrema importância no relacionamento orador-congregação. As vozes agudas são menos atrativas para o ouvido humano que as graves. Uma vez que não é possível alterar o timbre da voz, pode-se alterar o seu tom.
Comunicadores eficientes são normalmente caracterizados pelo uso de uma grande inflexão da voz. “Eles fazem o uso máximo das suas vantagens vocais, evitando estabelecer um monótono zumbido que põe as pessoas a dormir.”7 Como já ensinava o príncipe dos pregadores, Charles Spurgeon, “trovão não é relâmpago”.
Dicção
Aparte final da produção da voz é a dicção ou articulação, isto é, a transformação dos sons em palavras. Tem a ver com a clareza e distinção com que elas são pronunciadas.
Funcionalmente, a articulação é feita pela boca, língua, pelos dentes e lábios, parando, obstruindo ou modificando o ar vibrado. Nas palavras, a vogal é um som conseguido pela livre e desobstruída passagem de ar, enquanto a consoante é um som formado por uma ou mais interrupções causadas pelos órgãos articulativos.
“A rigor, elas [as consoantes] não constituem sons em si, mas sim modificações introduzidas nas vogais. Por exemplo, é impossível dizer as consoantes ‘b’ ou ‘p’ desacompanhadas de vogais. Além disso, é essencial interpor um obstáculo à passagem do ar, para que as consoantes possam ser emitidas. No caso de ‘b’ e de ‘p’, o obstáculo dos lábios é indispensável. Já 1, ‘s’ e ‘z’ dependem da língua. Outras, como ‘d’ e ‘t’, são modificadas pelos dentes. Por outro lado, as consoantes guturais, como ‘q’, são bloqueadas no fundo do palato, na garganta. As cavidades nasais, por sua vez, também colaboram nesse trabalho. As consoantes ‘m’ e ‘n’, por exemplo, encontram obstáculo nos lábios, mas são modificadas pelas narinas.”8
A cura para a articulação defeituosa, entretanto, não é o excesso de precisão cansativa e pedante que leva os ouvintes a prestar atenção nas manobras linguais, dentais e labiais do orador, mas a enunciação simples e natural das palavras e frases. “Se o orador resmunga ou emenda as palavras, sua platéia terá que lutar para compreendê-lo. Rapidamente eles cansarão de se esforçar, tomar-se-ão frustrados e cessarão de tentar entender.”9
Em termos de dicção, ainda é necessário atentar para dois itens:
- 1. Velocidade. É preciso evitar os extremos no aspecto da velocidade. O nervosismo tende a fazer com que o pregador fale muito rápido; mas uma dicção muito lenta é pior ainda. A velocidade com que o pregador fala deve variar, assim como o volume e o timbre, para que a mensagem não seja cansativa e enfadonha.
- 2. Pausas. As pausas são um recurso a mais na oratória, o qual deve ser utilizado. Fisicamente elas têm importância, uma vez que precisamos respirar. Mas, na pregação, as pausas são a pontuação do discurso oral. Para a congregação não existe crase, ponto, vírgula, hífen, etc. Esses efeitos são indicados pelas pausas.10
É imprescindível a atenção para lutar contra alguns vícios. Por exemplo, a mania de completar esses períodos de silêncio com “é…”, “hum…” ou “ah…”; ou criar pausas sem intenção, simplesmente pelo fato de os pensamentos não fluírem livremente devido ao nervosismo ou esquecimento.
Ellen White aconselha enfaticamente sobre a dicção: “Os ministros e mestres devem disciplinar-se para uma pronúncia clara e distinta, fazendo soar perfeitamente cada palavra. Os que falam rapidamente, da garganta, misturando as palavras entre si, e elevando a voz a um diapasão fora do natural, dentro em pouco enrouquecem, e as palavras proferidas perdem metade da força que teriam se proferidas devagar, com clareza, e não tão alto.”11
Lembremo-nos sempre de que voz, influência e tempo são dons de Deus e devem ser usados para conduzir perdidos a Cristo. “Jesus é nosso exemplo. Sua voz era musical, e nunca a erguia ao agudo, enquanto es-tava falando às pessoas. Ele não falava muito rápido a ponto de as palavras se emendarem umas às outras e se tornar difícil de compreendê-las. Pronunciava distintamente cada palavra, e aqueles que ouviam a Sua voz testemunhavam nunca terem ouvido um homem falar como Ele.”12
As pessoas deleitavam-se em ouvir Jesus falar. O evangelista Marcos diz que “a grande multidão O ouvia de boa vontade”. (Mar. 12:37).
Finalmente, “sob a direção do Espírito Santo, jamais a fala será indistinta. O Espírito utiliza o instrumento humano para apresentar as coisas de Deus às pessoas. Portanto, deixemos que as palavras saiam de nos-sos lábios na mais perfeita forma possível”.13
Referências
- 1 Ellen White, Conselhos Sobre Mordomia, 3* ed., Casa Publicadora Brasileira, pág. 115.
- 2 Ellen White, Parábolas de Jesus, Casa Publicadora Brasileira, pág. 335.
- 3 Citado in Loyd M. Perry, Biblical Preaching for today’s World, pág. 189.
- 4 Ilion T. Jones, Principies and Practice of Preaching, pág. 206.
- 5 Ellen White, Educação, Casa Publicadora Brasileira, pág. 199.
- 6 Duane Litfin, Public Speaking, 2a ed., pág. 327.
- 7 Joel Gregory, Handbook of Contemporary Preaching, pág. 3325.
- 8 Medicina e Saúde, vol. 2, pág. 402.
- 9 Duane Litfin, Op. Cit., pág. 326.
- 10 Antônio Caracciolo, Principi di Omiletica, pág. 88.
- 11 Ellen White, Obreiros Evangélicos, Casa Publicadora Brasileira, pág. 91.
- 12 Ellen White, Review an Herald, 05/03/1895.
- 13 Ellen White, in The Voice in Speech an Song, pág. 189.