Existem algumas teorias quanto ao que significa “o dia do Senhor”, de Apocalipse 1:10. A que o considera como a parousia parece ter mais fundamento.
As opiniões sobre o ‘‘dia do Senhor” a respeito do qual fala o apóstolo João em Apocalipse 1:10, se continuam divididas, tiveram pelo menos o mérito de levar as pessoas a examinarem com profundidade o assunto. Como resultado, diversas têm sido as contribuições apresentadas; para benefício daqueles que gostariam de saber a verdade.
Como é do nosso conhecimento, João diz em Apocalipse 1:10 o que aconteceu com ele, enquanto se achava prisioneiro na ilha de Patmos. Conforme lemos na edição Revista e Atualizada da Versão Almeida, declara ele: “Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi por detrás de mim grande voz, como de trombeta”.
Na tentativa de interpretar o que João quis dizer pela expressão “dia do Senhor”, estudiosos há que dizem tratar-se do primeiro dia da semana, o domingo, enquanto outros são de parecer que o apóstolo se referia ao sábado dos dez mandamentos. Os primeiros supõem que o autor de Apocalipse tinha como “dia do Senhor” aquele em que Cristo ressuscitou, ao passo que os últimos consideram mais lógico pensar que, sendo conhecedor do Antigo Testamento, o vidente de Patmos estava familiarizado com a linguagem nele existente, que considera o sábado como o dia do Senhor.
Não surpreende, por exemplo, que num esforço por fazer com que o seu ponto de vista prevaleça, os defensores da observância do domingo tornem a linguagem bíblica cada vez mais afoita, em prejuízo daquilo que pretende o texto no original.
A Bíblia de Jerusalém, uma das versões modernas mais conceituadas das Escrituras, acompanha essa tendência de considerar o domingo como sendo “o dia do Senhor” de que fala João. “No dia do Senhor”, diz ela, “fui movido pelo Espírito”. E a Bíblia Viva afirma até que João estava adorando, quando teve a revelação. “Era o dia do Senhor e eu estava adorando”, afirma esta versão. A Bíblia Sagrada, das Edições Paulinas, porém, vai mais longe, quando declara: “Num domingo, caindo eu em êxtase, ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta”.
Um terceiro grupo, contudo, fundamenta-se na linguagem do próprio livro do Apocalipse, para argumentar que João não se referia a nenhum dia da semana, especificamente, mas à parousia e ao dia do juízo, embora seja este o único lugar em que, excepcionalmente, a expressão aparece escrita dessa forma, em grego. João, de acordo com essa espécie de interpretação, teria recebido um conjunto de revelações a respeito do dia em que nosso Senhor Jesus deverá retornar a este planeta a fim de dar a recompensa a cada um conforme os seus feitos.
Defensores do domingo
De fendem a tese de que o exilado de Patmos se referia ao domingo, primeiramente os católicos, pioneiros em ligar a ressurreição com a guarda de um dia. Depois, o protestantismo de um modo geral. Logicamente, na falta de um texto bíblico mais explícito, que lhes favorecesse a defesa do primeiro dia da semana como dia de guarda, utilizaram-se de Apocalipse 1:10, imaginando assim ter justificado a observância dominical.
Enquanto isso, têm-se feito incursões a fontes históricas do segundo século da era patrística, como Didaquê, Epístola aos Magnisianos de Inácio, e o Evangelho de Pedro, entre outras, pretendendo que essas obras dêem a pista, quem sabe, o “elo perdido” de que se precisa, para chegar ao domingo.14 O exame detido dessas fontes, porém, revela que também elas nada podem fazer para justificar a observância do domingo.
Alguns, na ânsia de levar o domingo às eras mais recuadas do cristianismo, chegam a fazer uma analogia entre as palavras de João e o “dia do imperador”, expressão usada nos dias do apóstolo para designar o dia de veneração ao imperador romano. João estaria usando a expressão “dia do Senhor”, com referência a Cristo, para caracterizar sua desaprovação ao culto do magistrado romano, possibilidade descartada por Bacchiocchi.15
Outra possibilidade, preferem alguns, seria a de que a expressão do autor do Apocalipse refere-se ao Domingo de Páscoa, celebrado anualmente; e não, ao domingo semanal. Embora veja “algum mérito” nesse esforço de estabelecer ligação entre o “dia do Senhor” e a Páscoa, Bacchiocchi mostra os pontos falhos dessa argumentação.16
O “dia do Senhor” seria o sábado
Os que acham que Apocalipse 1:10 se refere ao sábado, pensam dessa maneira com base em expressões de outras partes das Escrituras, que consideram o sábado como dia do Senhor.
Numa apostila de sua autoria, traduzida para o português em 1961, Edwin R. Thiele declara, referindo-se ao sábado: “A palavra traduzida por ‘do Senhor’ neste texto não é um substantivo, mas um adjetivo ‘kuriakee’, no caso dativo. — Como não há nenhuma forma adjetiva adequada do substantivo ‘Senhor’ em inglês, a forma possessiva ‘do Senhor’ é usada. Ela significa ‘pertencendo ao Senhor’. Nos tempos do Novo Testamento o imperador começou a ser chamado ‘Senhor’ e ‘Filho de Deus’. O termo ‘kuriakos’ era comum no Egito e na Ásia Menor, durante o período imperial, e significava ‘imperial’. Havia, assim, um tesouro imperial, e um serviço imperial…. A significação era, ao que tudo indica, algo semelhante ao ‘dia do Imperador’. O uso de João deste título ‘dia do Senhor’ para distinguir o sábado de Deus era sem dúvida um pretexto consciente contra o crescente culto imperial com o seu ‘dia do Imperador’.”17 Essa hipótese de ligação entre o dia do Senhor e o dia do imperador é descartada no livro de Bacchiocchi.18
Outra contribuição em defesa do sábado, vem de C. Mervyn Maxwell. Como o autor da citação anterior, também ele é de parecer que Apocalipse 1:10, ou melhor, a expressão “dia do Senhor” se refere ao sábado. Sobre o assunto, diz ele: “Era apropriado que ele visse o Senhor no dia do Senhor. A visão pegou João de surpresa, pois sabemos que a escolha do dia não foi sua. O Senhor escolheu dar-lhe a visão de Si mesmo em Seu próprio dia.”19
O dia escatológico
Há, contudo, boas razões para se admitir que o apóstolo João não estivesse tratando de um dia da semana, fosse ele o sábado ou o domingo. O Prof. Bacchiocchi, que já citamos neste trabalho, defende o ponto de vista de que o autor do Apocalipse se referia à ocasião do retorno de Cristo a este mundo. “O contexto imediato que precede e segue Apocalipse 1:10 contém referências inequívocas ao dia escatológico do Senhor”,20 diz ele.
O autor citado diz ainda que “um estudo temático do conteúdo do livro do Apocalipse confirma que o dia da parousia constitui o ponto focal de toda a visão e o tema fundamental em torno do qual gira todo o livro”.21 Entre os muitos argumentos que mostram não se tratar de um dia de vinte e quatro horas, ele cita a opinião de J. F. Walvoord, que considera “questionável em todo caso que a espantosa revelação concedida em todo o livro possa ter sido transmitida a João em um dia de vinte e quatro horas; e é mais provável que ela tenha consistido de uma série de revelações”.22 23 *
Bacchiocchi faz inúmeras outras considerações, à luz das quais, diz ele, “parece muito improvável que a expressão ‘dia do Senhor’ de Apocalipse 1:10 se refira ao domingo. Ela parece antes ser uma variação da expressão ‘o dia do Senhor’, comumente empregada nas Escrituras para designar o dia do juízo e da parousia”.11
Mas, perguntará alguém, não diz a Sra. White que “foi no sábado que o Senhor da glória apareceu ao exilado apóstolo”?24E que “o sábado era tão religiosamente observado por João em Patmos como quando estava pregando ao povo nas cidades e vilas da Judéia”?25
De fato, ela faz esta afirmação. Contudo, não significa que estivesse afirmando que o Senhor apareceu a João, baseada no texto grego. Nada impedia que João fosse visitado num dia de sábado. Naturalmente, ele teria que ser visitado em um dia da semana, e é melhor que esse dia tenha sido o sábado. A Sra. White, contudo, deve ter feito uso do dom de profecia, de que fora investida, para fazer a afirmação; por inspiração, achou-se ela autorizada a dizer que João recebeu a visita no dia de sábado.
Não se deve inferir, contudo, que Ellen White estivesse fazendo a declaração por considerar “o dia do Senhor”, de que trata Apocalipse 1:10, como sendo o sábado. Nada impedia que a visão tivesse ocorrido no sábado, repetimos, mas não significa que o dia fosse sábado porque João estava usando a expressão “dia do Senhor”. Ele podia perfeitamente ter recebido a visita de seu Senhor num dia de sábado e, todavia, estar falando do dia em que Cristo há de voltar.
A preposição, o artigo e o verbo
O emprego do DATIVO, e a regra com relação aos verbos de movimento, contribuem para esclarecer que não se trata de um dia da semana, e, sim, de um dia no futuro, o da vinda de Cristo. Trata-se de um fato escatológico. do entre outros, pelos verbos sair, passar, chegar, vir, subir a, etc.26
De fato, onde se lê hoje, nas edições mais modernas da versão Almeida “achei-me em espírito” (Apoc. 1:10), lê-se na Edição Revista e Corrigida a expressão “fui arrebatado em espírito”, o que indica movimento. É a mesma ideia que Paulo dá, ao falar sobre o seu arrebatamento ao paraíso (II Cor. 12:2 e 4), embora seja outro o verbo empregado para arrebatamento, neste texto bíblico. Ora, ninguém diz que Paulo foi arrebatado “no paraíso”, mas ao paraíso, e certamente porque o verbo arrebatar é verbo de movimento.
A respeito de tais verbos, dizem os gramáticos: “Não devemos usar a preposição em com verbos de movimento, porquanto em indica lugar onde: ‘Vou ao colégio’ — e não: ‘Vou no colégio’. — Só se emprega em com os verbos de movimento, quando se associa a idéia de lugar onde’, assim é que se pode dizer ‘lançar no mar’, ‘ingressar no seminário… — Note-se que o verbo chegar não admite a preposição em. Deve-se dizer ‘chegar a um lugar’, e não ‘chegar em’. Chegamos ao Rio”27
Dessa maneira, com sua frase egenómene ev pneumati ev tn kuriaké hemera (fui arrebatado em espírito ao dia do Senhor), João quer dizer que foi levado ao dia em que o Senhor estará voltando a este mundo, em cumprimento da promessa daquilo que o apóstolo Paulo chama de “a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e salvador Cristo Jesus”.28
- 1. Samuelle Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday, pág. 113.
- 2. Ibidem, pág. 115.
- 3. Ibidem, págs. 118-129.
- 4. SDABC, vol. 7, págs. 735 e 736.
- 5. Edwin R. Thiele, Apocalipse — Esboço de Estudo, 1961, pág. 27.
- 6. Bacchiocchi, op. cit., pág. 116.
- 7. C. Merwin Maxwell, God Cares, vol. 2, pág. 82.
- 8. Bacchiocchi, op. cit., pág. 123.
- 9. Ibidem, pág. 124.
- 10. Ibidem, pág. 125.
- 11. Ibidem, pág. 130.
- 12. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 581.
- 13. Ellen G. White, op. cit., pág. 581.
- 14. Isidro Pereira, S. J., Dicionário Grego-Português e Português-Grego, Livraria Apostolado da Imprensa, pág. 110.
- 15. Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica da Língua Portuguesa, 14ª edição, 1962, págs. 292 e 293.
- 16. Tito 2:13.