Não faz muito, foi lançada no Brasil a tradução de uma biografia do papa João Paulo II, na qual o autor, Tad Szulc, um polonês correspondente do New York Times, expõe a participação do pontífice católico nos eventos que culminaram com a derrocada comunista. A revista Veja, por sua vez, comentou o lançamento da obra original, num artigo com um título bastante revelador: “No centro da História”. Pois é justamente essa participação central da Igreja Católica, especificamente nos eventos que fizeram a História do Brasil, como uma instituição que tem oscilado entre um maior ou menor grau de conscientização e compromisso com a sociedade, que será abordada neste artigo.

Analisando de forma panorâmica a marcha da Igreja Católica em nosso país, ao longo dos grandes períodos históricos, é necessário compreender que o catolicismo que aqui se instalou possuía as características específicas do catolicismo ibérico, especialmente português.

Assim sendo, uma instituição peculiar do catolicismo, no período colonial, foi o chamado Padroado Régio, por meio do qual a Santa Sé reconhecia aos reis de Portugal o direito aos governos civil e religioso. Dessa forma, a partir de D. Manuel, o Venturoso (1495-1521), a coroa exercia um controle quase completo sobre a Igreja em Portugal e suas colônias. Na verdade, a colonização foi um grande processo histórico em que a união de esforços da monarquia nacional, da nobreza e da burguesia mercantil, não teria sido suficiente para viabilizá-lo sem a adesão e a participação ativa da Igreja Católica. Cada navio que partia da Península Ibérica, em direção ao novo mundo, trazia um sacerdote católico, invertido de grande autoridade para zelar pelos costumes e vida religiosa da tribulação.

Colonização, missão e escravidão

Os portugueses acreditavam que, ao fundar um império colonial, estavam, na verdade, cumprindo uma missão religiosa.

No seu primeiro livro de caráter histórico, América Latina: Da Conquista à Nova Evangelização, publicado em 1992, quando foram comemorados os 500 anos do Descobrimento da América, Leonardo Boff afirma: “O cristianismo que chegou à América Latina é gerado na matriz européia greco-romana-alemã. Veio transplantada no nosso continente uma instituição religiosa que fazia parte do imenso projeto colonial de ocupação militar e aproveitamento econômico dos mundos a serem dominados. Não foi uma evangelização no estrito senso.”

Dessa forma, o caráter da primeira obra católica no Brasil Colônia, a catequese, é posto em dúvida, tendo em vista suas ligações com o Estado, pois até os nomes dos missionários a serem enviados ao Brasil, dependiam da aprovação do rei. A tarefa de evangelizar passava a ser uma empreitada política. A Igreja era o organismo que assumia a responsabilidade de impor a cosmovisão européia sobre as populações nativas.

A ação missionária católica nos primeiros tempos da colonização se fez através das várias ordens religiosas que estiveram presentes no Brasil desde logo após o descobrimento. Embora os franciscanos tenham sido os primeiros a chegar ao Brasil, foram os jesuítas que mais se destacaram na catequese e no ensino do Brasil colonial.

O historiador Eduardo Hoornaert apresenta a ação dos missionários católicos no Brasil, seguindo as grandes etapas ou diferentes momentos da própria colonização. Num primeiro momento, os missionários ajudaram na conquista e povoamento do litoral, incluindo a “costa do pau-brasil” e o Nordeste canavieiro. Um segundo ciclo missionário acompanhou o povoamento do sertão através da pecuária, seguindo o curso dos rios, especialmente do São Francisco. O terceiro ciclo cooperou para a penetração da região Norte, destacando-se a atividade dos “droguistas”. Finalmente, o quarto movimento missionário, que foi promovido diretamente pelos leigos na região das Minas Gerais, através das irmandades.

Apesar da ambiguidade em que se encon­travam, engajados num projeto de evangelização inseparável do projeto português de colonização pela força e sem maiores compromissos morais, os jesuítas souberam em muitos casos transformar-se, pela dignidade de seu comporta­mento, em cristãos perseguidos, mas que não ce­deram. E isso não parece simples dentro de um contexto em que
a evangelização era tida como um processo que só seria consumado pelo medo.

É o próprio superior da primeira leva de jesuítas, Manuel da Nóbrega, chegado em 1549 com Tomé de Souza, quem o diz: “Talvez por medo se converterão mais de­pressa do que o não farão por amor.”1
Os jesuítas executavam um plano de aldeamentos para evangelizar os índios. Aí, tanto buscavam evitar que os índios caíssem nas mãos dos portugueses que pretendiam escravizá-los, como lutavam para que cada vez mais perdessem sua identidade e se tor­nassem “verdadeiros cristãos”. Assim, uma das críticas que os historiadores fazem ao trabalho dos jesuítas é a de terem destruído a cultura nativa. “Os missionários não conseguiam ser abertos diante dos valores inerentes destas culturas, e somente percebiam que eram idó­latras e atrasadas.

Alguns jesuítas, como Gonçalo Leite, Miguel Garcia e Gabriel Malagrida, se levantaram contra a escravização de Guaíra, no século XVII, onde os jesuítas reuniram cerca de 150 mil índios guaranis. Nas fronteiras entre o território colonial português e o espanhol, formou-se uma verdadeira “República dos Guaranis”, destruída pelos bandeirantes, que desejavam contar com os índios para o trabalho escravo.

Todos foram finalmente expulsos, sendo Malagrida queimado pela Inquisição em Portugal, em pleno século XVIII, causando revolta por toda a Europa. O exemplo máximo do trabalho dos jesuítas com os índios foi nas chamadas reduções da região de índios e negros, e, em geral, contra os métodos dos colonizadores, denunciando inclusive “a multidão de escravos que tinha a Companhia de Jesus no Brasil”.

Se os jesuítas se destacaram na sua luta contra a escravidão do nativo, com relação à escravidão do negro eles se calaram e chegaram a ter muitos escravos. Nos colégios, dizia-se, os negros eram escravos “dos santos”, não dos padres. Obviamente, a importante e lucrativa função comercial do tráfego negreiro para o colonialismo impedia as consciências dos jesuítas de despertarem contra a escravidão negra, sendo desculpada por eles com o argumento de que os negros já eram escravos em suas terras, o que não acontecia com os índios.

Tidos como “criadores de nosso ensino, de nosso teatro e, de certo modo, de nossa medicina e de nossa arquitetura; preservadores das línguas indígenas…”,3 os jesuítas, no século XVIII, já não se constituíam modelo de caridade e trabalho. A Companhia de Jesus enriquecera em poder e fazendas, e muitas acusações foram acumuladas pela administração do Marquês de Pombal contra eles, sendo a principal a de que a Companhia se tomara em um Estado dentro do Estado português, culminando esse processo na expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias, em 1759.

Com relação ao clero secular do período colonial, o testemunho historiográfico é por demais negativo. Eles são descritos como ambiciosos, intrigantes, possuidores de maus costumes, cometendo abusos. Ficou historicamente marcada a intriga do primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha com o segundo governador geral, Duarte da Costa. Isso demonstra o poder da Igreja Católica, nos séculos XVI e XVII, quando os bispos podiam até mesmo atuar como juízes, desfazer as sentenças dos magistrados e castigá-los.

“Seja por meio das ordens religiosas ou do clero secular, a Igreja Católica teve uma enorme influência no Brasil colonial. Junto com os colonos e sacerdotes portugueses, transferiu-se para a nova terra muito do fervor religioso que caracterizava a Europa da época da Reforma e da Contra-Reforma…

A Igreja Católica era a única forma de serviço social que se conhecia. Amparava velhos, órfãos e enfermos. Cuidava da educação de crianças e organizava a maioria das festas populares.

“A Igreja era também a única forma de serviço social que se conhecia, dando amparo aos velhos, órfãos e enfermos, cuidando da educação das crianças e organizando a maioria das festas populares.”4

Terra prometida

Até agora, apresentamos as faces mais conhecidas da atuação católica no Brasil. Além da evangelização, da disseminação da ideologia eurocêntrica e das atividades assistenciais, o clero estava encarregado também de garantir a perpetuação da estrutura ideológica. Para tanto, fazia-se uso do Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição.

“Juridicamente, as autoridades eclesiásticas exerciam domínio sobre cristãos, e, portanto, dela se excluíam os não cristãos, inclusive árabes e hebreus. Mas esses, se cristianizados, ficavam sujeitos ao regime jurisdicional reconhecido pelos monarcas, de modo que suas heresias, tanto quanto as dos demais cristãos, subordinavam-se à disciplina dos inquisidores. Os falso-convertidos chamavam-se ‘marranos’; e os efetivamente conversos, ‘cristãos novos.’”5

Na Península Ibérica, a Inquisição prolongou-se por mais tempo do que no resto da Europa, tendo em vista que nessa região havia uma grande concentração semita e os interesses econômicos da nobreza, em apoderar-se da riqueza dos judeus, fizeram dos marranos e/ou cristãos novos as vítimas preferidas da Inquisição em Portugal.

A perseguição aos cristãos novos fez com que muitos fugissem para a Holanda. Mas o principal ponto de atração para os cristãos novos, no final do século XVI, era o Novo Mundo, o Brasil, chamado por muitos deles de “terra prometida”. Na realidade, a imigração de judeus ou cristãos novos para o Brasil, ocorreu a partir do descobrimento e intensificou-se após o reinado de D. João III, que não teve forças para resistir à pressão da nobreza e do alto clero, desejosos que estavam de apoderar-se dos capitais dos judeus que compunham boa parte da burguesia mercantil portuguesa, forçando o rei a solicitar à Santa Sé a criação de um tribunal da Inquisição em Portugal, o que ocorreu a partir de 1536.

E, como diz Jânio Quadros, em sua História do Povo Brasileiro, se vieram judeus, ou melhor, cristãos novos, para o Brasil, veio também a Inquisição. Apesar do Tribunal do Santo Ofício nunca ter se estabelecido diretamente no Brasil, esteve aqui através da figura dos “Visitadores”, ou seja, inquisidores credenciados para representar o Santo Ofício na Colônia, que deveriam contar com toda ajuda do representante local da Coroa portuguesa para desempenhar suas funções.

Economicamente, as visitações trouxeram prejuízos para a Colônia, uma vez que afastava cristãos novos possuidores de riquezas, temerosos de perseguição. Calcula-se que o número de moradores da colônia que foram remetidos a Portugal pela Inquisição brasileira e lá pereceram nos “autos-de-fé”, foi em tomo de 500, sendo um número bem maior os que tiveram os seus bens confiscados pelos inquisidores.

No século XVIII, com o apogeu do ciclo aurífero, surgiu um processo de urbanização no Brasil, que contribuiu para o desenvolvimento do trabalho leigo entre os católicos, através das ordens terceiras e das irmandades. Algumas se tornaram bem ricas e construíram igrejas e capelas no estilo barroco, utilizando o ouro em larga escala.

Movimentos políticos

Nesse século, também assinalamos a influência do pensamento iluminista sobre o clero católico no Brasil, gerando a participação ativa de religiosos católicos em movimentos políticos nativistas, como a Inconfidência Mineira de 1789, na qual participaram o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, “vigário de São José Del Rei, rico minerador”, e o Cônego Luís Vieira da Silva, “possuidor de biblioteca de excepcional interesse para o conhecimento das leituras habituais dos conjurados de maior cultura”, que deu origem a um livro escrito pelo professor Eduardo Frieiro, intitulado O Diabo na Livraria do Cônego.

No início do século XIX, ainda era forte a participação de padres em movimentos políticos no Brasil. “Mas esclarecidos, mais críticos e com maior acesso às informações, cumpriam os padres, então, uma tarefa de liderança política”,6 sendo muitos executados pelas autoridades coloniais.

“Os frades eram engenheiros, astrônomos e matemáticos disponíveis, e tinham acesso ao que se chamava então de mistérios democráticos, ou ciência oculta da liberdade. Do seminário, as idéias do iluminismo europeu transferiram-se para as academias, que reuniam padres e maçons.”7

Dentro desse processo, destacou-se o Seminário de Olinda, em Pernambuco, que foi o ambiente para a gestação de movimentos como a Revolução Pernambucana de 1817, chefiada pelo Padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. Ela ficou conhecida como a “Revolução dos padres”, uma vez que cerca de 15 religiosos, entre padres, freis, subdiáconos, monsenhores, e outros, estiveram envolvidos ativamente, desempenhando papel de liderança no movimento.

Entre os sobreviventes desse levante estava o frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei Caneca, que posteriormente teve participação importante na Confederação do Equador, em 1824, durante o Primeiro Império. Pela Constituição do Império, de 1824, o catolicismo era a religião oficial do Brasil, tendo continuidade o padroado, e sendo instituído agora o placet, ou seja, a necessidade de aprovação por parte do imperador para o funcionamento de qualquer bula papal no Brasil.

Durante o período imperial, surgiu um movimento de renovação dentro do clero católico, que pretendia dar uma nova face à Igreja nacional. A partir dessa ideia de renovação, duas correntes se formaram dentro da Igreja. A primeira, liderada pelo Padre Feijó, chamada de Regalistas Radicais, tinha como proposta mais revolucionária o fim do celibato clerical, além de defender a continuidade da união da Igreja com o Estado.

A outra corrente era doutrinariamente ultraconservadora, acabou sendo rotulada de Grupo Ultramontano, e defendia a observância absoluta da orientação papal. Desejava ver a Igreja dissociada do Estado.

Os ultramontanos foram organizados a partir de 1844, sob a liderança de D. Antônio Viçoso, bispo de Mariana. Essa época de reação ultramontana coincidiu com a condenação do Liberalismo, por parte da Igreja, e também com a declaração dogmática da infalibilidade papal de 1870.

Assim, na Igreja Católica desse período opuseram-se papistas e liberais até à desembocadura do conflito na chamada “Questão Religiosa” que abalou o Império no período de 1872 a 1875. Na realidade, a Questão Religiosa nasceu do conflito da Igreja com a Maçonaria, que havia sido condenada pelo papa Pio IX (1846 a 1878).

Tendo em vista que a maioria do ministério de D. Pedro II era formada por maçons, dois incidentes, um no Rio de Janeiro e outro no Recife, levaram as autoridades eclesiásticas a exigirem medidas contra a participação dos maçons na Igreja. Estes recorreram ao imperador, alegando que as bulas papais condenando a Maçonaria não tinham validade no Brasil, pois aqui, nunca haviam obtido o placet imperial. A decisão do imperador foi favorável aos maçons, o que gerou protestos e a recusa dos bispos de Olinda, Dom Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, e do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa.

Ambos foram submetidos a julgamento no Supremo Tribunal de Justiça e foram condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados, apesar de serem anistiados posteriormente. Tal fato contribuiu para afastar a Igreja do Império, além de ferir a religiosidade popular.

Reação e socialização

Com o advento da República, ocorreu a separação entre Igreja e Estado, a partir de 1890, quando a Igreja procurou redefinir a sua atuação no Brasil, isolando-se das questões sociais e políticas e recebendo forte influência européia. Foi a vitória da corrente romanista.

O Brasil sofreu a influência do materialismo prevalecente no mundo ao final do século XIX, especialmente do positivismo de Comte, acarretando o afastamento das elites da Igreja. Do outro lado da pirâmide social, a vinda de imigrantes para o Brasil que haviam tido contato com as idéias socialistas e anarquistas na Europa, trouxe o germe dessas ideologias materialistas das classes operárias para o país, especialmente nas zonas urbanas.

“A persistente religiosidade dos nordestinos era impressionante, se for levada em conta a situação de abandono dos rebanhos religiosos. Em 1887, das 190 paróquias existentes no Estado da Bahia, 124 não tinham padres permanentes. Para fazer frente à falta de pastores, a Arquidiocese de Salvador recorria aos chamados estrangeiros, missionários jesuítas, franciscanos ou capuchinhos vindos da Europa, que nada conheciam da realidade sertaneja, e muito mal falando o português.”8

A partir do Concilio Vaticano II (1962-1965), a Igreja Católica assumiu a chamada opção preferencial pelos pobres, numa época em que os militares chegaram ao poder.

No sertão nordestino, a crise social agravada com o advento da República, encaminhou a massa desassistida social e religiosamente para o messianismo de um Antônio Conselheiro, que conseguiu reunir por volta de 1896, cerca de 20 mil habitantes no sertão baiano, na localidade denominada Arraial de Canudos, à margem do rio Vaza-Barris.

O Exército republicano mobilizou a metade de seu contingente para, com o apoio da Igreja, no dia 5 de outubro de 1897, esmagar a comunidade de beatos que ali esperavam construir uma cidade santa, Belo Monte. Só nesse dia foram degolados oito mil beatos, não havendo nenhum sobrevivente no Arraial de Canudos. Até que ponto uma Igreja pode estar distante da compreensão da realidade social do povo a quem deve ministrar o evangelho!

Essa foi a situação do catolicismo no Brasil, no final do século XIX. No entanto, desde 1891, o papa Leão XIII lançara a Encíclica Rerum Novarum, na qual definia a doutrina social da Igreja Católica.

Foi no sentido de uma reaproximação da Igreja com o povo, que no início deste século tiveram destacada atuação os Padres Júlio Maria e D. Sebastião Leme, arcebispo de Olinda e, posteriormente, do Rio de Janeiro. Nessa função, a partir de 1930, Leme iniciou uma reaproximação com o Estado, inserindo as “reivindicações católicas” na Constituição de 1934, sendo a principal delas a legislação familiar pautada pelos princípios católicos. A partir da década de 40, começou a se destacar o Padre Helder Câmara, que alimentava a idéia da criação de um órgão que congregasse todos os bispos do país, mais tarde concretizada com a formação da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, CNBB, em 17 de outubro de 1952.

Durante os anos 50, a Igreja esteve comprometida com programas sociais do governo de Juscelino Kubitshek, especialmente no Nordeste, colaborando na criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, Sudene. Apoiou-se também na estratégia de mobilização do laicato, através da criação da Juventude Agrária Católica, JAC, Juventude Estudantil Católica, JEC, Juventude Universitária Católica, JUC, e outros movimentos jovens.

Como fruto dessa mobilização, e sob a influência da Revolução Cubana de 1959, surgiu a esquerda católica, sobretudo devido à evolução da JUC, que buscava inspiração nas encíclicas do papa João XXIII, as quais dirigiram o pensamento da Igreja para os pobres, os países do Terceiro Mundo, os marginalizados.

Assim, a partir do Concilio Vaticano II (1962-1965), com os núcleos pioneiros das Comunidades Eclesiais de Base e com a Teologia da Libertação, a Igreja Católica brasileira assumiu a chamada “opção preferencial pelos pobres”, numa época em que os militares chegaram ao poder através da Revolução de 31 de março de 1964, com o objetivo de integrar definitivamente o Brasil no capitalismo internacional.

Coincidindo com o movimento militar de 64, D. Helder Câmara foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife, e se tomou então a figura mais destacada do chamado clero de esquerda no Brasil, como também o pivô do início da repressão ditatorial contra a Igreja, sendo considerado subversivo pelos militares. A partir de 1968, vários padres foram presos e expulsos do país, bispos foram processados, levando a igreja a uma ruptura com o sistema político em vigor.

Fracionamento

Dentro desse contexto histórico, sob a influência da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, Ceiam, realizada em Medellin, Colômbia, em 1968, e a III Ceiam, realizada em Puebla, México, em 1979, a Igreja Católica brasileira entrou em crise, dividindo-se em três alas antagônicas: a dos progressistas, representando 15% dos bispos; a dos conservadores, representando 20%, e a dos flutuantes, atraindo 65% dos bispos brasileiros. Na realidade, essa crise foi vista por alguns “como uma espécie de cabo-de-guerra em que, de um lado da corda, se coloca o poder central da Igreja Católica – o Vaticano – e, do outro, as tendências em defesa de uma maior autonomia”.9

Havendo-se articulado primeiramente, a ala progressista, adepta da Teologia da Libertação, tem tido preponderância sobre a CNBB e participado intensamente da vida político-social do país, através do apoio à luta sindical, ao Movimento dos Sem-Terra, à luta em defesa da cultura das terras indígenas, à luta em defesa dos direitos humanos, ou denunciando as condições de miséria da população nordestina e também mediante apoio explícito ao Partido dos Trabalhadores.

Enquanto isso, a ala conservadora se deteve em aprimorar a espiritualidade, através de movimentos como o de Renovação Carismática, realização de cursilhos, treinamento de liderança para jovens, e também se empenhando em obter junto ao Vaticano o arrefecimento da ala progressista, conseguindo punições sucessivas para Leonardo Boff, desmembramento da Arquidiocese de São Paulo e fechamento de sois seminários progressistas na Arquidiocese de Olinda e Recife.

Sobre a situação da Igreja Católica no Brasil hoje, caberia uma análise muito mais profunda e detida, levando em conta o crescimento do Movimento Carismático, a reação geral ao crescimento do protestantismo e do pentecostalismo, as mais recentes tendências no seio do catolicismo, e outros fatores que a limitação deste espaço não permite abordar.

Tendo em vista que o Brasil está prestes a se tomar também o país com maior número de adventistas em todo o mundo, cabe, a esta altura, a pergunta: Não haveriam importantes lições a serem tiradas da reflexão histórica sobre o catolicismo no Brasil? Não seria o momento de maior conscientização de nossa parte, no que diz respeito à inevitável relação da Igreja com a sociedade?

Interrogações dessa natureza podem se multiplicar. Algumas delas encontrarão uma resposta até na conformação de nossa estrutura.

Referências:

  • 1. Marcos de Castro, Igreja e Estado no Brasil, pág. 216.
  • 2. Earle E. Caims, O Cristianismo Através dos Séculos, pág. 306.
  • 3. Hélio Vianna, História do Brasil, vol. 1, pág. 103.
  • 4. Saga, A Grande História do Brasil, vol. 15, pág. 30.
  • 5. Jânio Quadros & Afonso Arinos de Melo Franco, História do Povo Brasileiro, vol. 3, págs. 67 e 68.
  • 6. Nilson Lage, Ao Encontro do Povo de Deus, pág. 30.
  • 7. José Oscar Beozzo, História da Igreja no Brasil, pág. 156.
  • 8. Superinteressante, novembro de 1993, pág. 59.
  • 9. ISTOÉ, 01/08/1990, pág. 20.