“As maiores vitórias da igreja de Cristo,… são as vitórias ganhas na sala de audiência de Deus,…”

Que tipo de homens e mulheres a igreja necessita hoje? Aqueles que ostentam poder e riqueza? Os que podem encantar pessoas com suas habilidades retóricas? Os que possuem habilidades teológicas e pastorais da mais fina qualidade? E. M. Bounds vai à raiz da questão: “O que a igreja necessita hoje não é mais e melhor maquinaria, novas instituições nem novos métodos de trabalho, mas homens que possam ser usados pelo Espírito Santo – homens de oração, poderosos na oração. O Espírito Santo não flui através de métodos, mas através de homens. Ele não é derramado sobre equipamentos, mas sobre homens. Não unge planos, mas homens de oração.”1

Espiritualidade – extraída de oração e estudo da Palavra de Deus, sob a capacitação do Espírito Santo, comprometida incondicionalmente com Deus e manifestada num espírito de serviço -, eis o que a igreja necessita hoje. Os negócios do reino de Deus não podem ser conduzidos sem tal espiritualidade. O mundo pode olhar as qualificações educacionais e acadêmicas de uma pessoa. Até a igreja pode, às vezes, nomear como líderes mestres e PhDs. Tudo isso é importante, mas, em si mesmo, não é suficiente. Na igreja, o discernimento espiritual de seus líderes é fundamental.

Significado de espiritualidade

No sentido secular, espiritualidade é “uma ânsia por alguma coisa espiritual além do que é simplesmente material”.2 Mas, no contexto cristão, ela é “o conjunto da vida daqueles que responderam ao gracioso chamado de Deus para viver em comunhão com Ele”.3 Ao nos referirmos à espiritualidade como “o conjunto da vida” de uma pessoa, isso significa que ela “não é supostamente uma parte ‘espiritual’”4 da vida dessa pessoa. Ao contrário, a totalidade da pessoa encontra-se sob o controle da espiritualidade; nenhuma parte do seu ser pode escapar ao seu escrutínio. Assim, espiritualidade não é meramente fazer, mas ser. Fazer é resultado de ser.

Além disso, espiritualidade não é uma condição humana per si, mas uma resposta à graça de Deus. Como tal, a pessoa espiritual em sua experiência de salvação agarra-se à justiça pela fé, não pelas obras. Espiritualidade que esteja fundamentada em qualquer outra coisa que não seja a graça de Deus, não é espiritualidade. Nesse caso, é uma manifestação do primeiro pecado, ou seja, orgulho da capacidade de alguém se tornar seu próprio deus. Isso foi o que transformou Lúcifer em Satanás. O orgulho leva alguém a pensar que seu próprio caminho é suficiente para encontrar salvação, a declarar-se mais espiritual que outros, a medir outras pessoas com base em sua própria experiência. E, ao avaliar que elas não se enquadram em seus padrões espirituais, passa a criticá-las e humilhá-las.

Richard J. Foster afirmou que “quando genuinamente nós cremos que a transformação interior é obra de Deus, não nossa, minamos nossa paixão por corrigir outros”.A espiritualidade que está mais preocupada em julgar e condenar outras pessoas, em lugar de olhar o próprio interior, não é diferente da “justiça” e da “espiritualidade” dos escribas e fariseus (Mt 5:20).

O quadro bíblico da pessoa espiritual é o que é “guiado pelo Espírito de Deus” (Rm 8:14) e vive pelo Espírito (G1 5:25). Isto é, a espiritualidade não é fruto do esforço humano ou obra do poder de nossa vontade, mas do Espírito Santo. Nossa parte é cooperar com o Espírito, colocando-nos sob Seu controle, a fim de que ele opere em nós a transformação necessária.

As implicações

O problema que atinge muitos entre nós é que abordamos e percebemos a espiritualidade em diferentes maneiras. De alguma forma temos sido influenciados pelas culturas e tendências do mundo, que enfatiza o sucesso, o reconhecimento público e a imagem que alguém projeta em seus relacionamentos.

Porém, espiritualidade não está focalizada tanto no sucesso à vista dos homens, como no desenvolvimento privado e interior. A devoção particular é algo intensamente pessoal. Esse é o momento em que nos encontramos com nosso criador e somos confrontados por Seus requerimentos. Nada tem que ver com sucesso público, mas com a fidelidade. A espiritualidade não busca ser servida, mas servir. Não se empenha em construir um império para si mesmo, mas construir uma extensão do reino de Deus. O “outro” é sempre o objetivo das ações da verdadeira espiritualidade. Com isso, a pessoa verdadeiramente espiritual experimenta sua devoção através do estudo da Bíblia e da oração, e sai para servir. Nessa experiência, o aplauso dos colegas ou superiores não é preeminente; o que conta é a aprovação de Deus.

Espiritualidade é um caso de relacionamento de dentro para fora, não de fora para dentro. Stephen Covey afirma, com muita propriedade: “A muitas pessoas com grandeza secundária – que é reconhecimento social de seus talentos – falta a grandeza primária, ou bondade em seu caráter”.6 Observe os atores e atrizes. Muitos têm sucesso na carreira profissional diante do público, mas são fracassados nos relacionamentos privados, como no casamento, por exemplo. A mesma coisa é verdade com outros profissionais.

Covey acrescenta: “A abordagem de dentro para fora ensina que as vitórias particulares precedem às vitórias públicas, e que o ato de fazer e cumprir promessas para nós mesmos precede o de fazer e cumprir promessas a outros.”7 Ellen White fez comentário semelhante: “As maiores vitórias da igreja de Cristo, ou do cristão em particular, não são as que são ganhas pelo talento ou educação, pela riqueza ou favor dos homens. São as vitórias ganhas na sala de audiência de Deus, quando uma fé cheia de ardor e agonia lança mão do braço forte da oração.”8 Esse paradigma é o centro de nossa carência de espiritualidade.

Por que necessitamos de espiritualidade

David McKay observou que “as maiores batalhas da vida são travadas diariamente nas câmaras silentes da alma”.9 Ou seja, necessitamos guerrear com nós mesmos, privativamente, exa-minando-nos e a nossos motivos diante do onisciente Deus. Então, o êxito virá. Necessitamos de vitórias particulares, internas, antes de sonhar com vitórias públicas e externas. O sucesso privado vem antes do sucesso em público. Quando menciono sucesso e vitórias privados, refiro-me à devoção e à disciplina espiritual particulares como meios de fazer crescer a espiritualidade. Necessitamos examinar nossos motivos pessoais, apaziguar nossos conflitos interiores e administrar nossas tendências e fraquezas. Essa é a primeira razão pela qual necessitamos de espiritualidade.

A segunda é porque esta é a vontade de Deus para nós. “Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas”, diz Pedro, “deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade” (2Pd 3:11). E mais: “segundo é santo Aquele vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (lPd 1:15). Em terceiro lugar, como disse Morris Venden, “ o cristianismo não é baseado em comportamento, mas em relacionamento. O cristianismo não está fundamentado sobre regras ou credo, mas em uma vida. É envolvimento com uma Pessoa – o Senhor Jesus Cristo”.10

Vida eterna, segundo João 17:3, é conhecer Deus e Seu Filho. Esse tipo de conhecimento não é obtido apenas com a teoria, mas através de relacionamento profundo. Não podemos ter esse relacionamento pessoal, a menos que invistamos tempo em estudo, meditação e oração. Não podemos nos contentar em conhecer a Bíblia somente. Mais importante é que conheçamos seu Personagem central – Jesus, nosso Salvador. Daí, a resolução de Paulo: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e Este crucificado” (1Co 2:2).

Conhecer pessoalmente Jesus, viver em íntimo e constante relacionamento com Ele, e servi-Lo com extrema devoção formam a base da verdadeira espiritualidade. Essa é a maior necessidade da igreja e seus pastores hoje.

Referências:

  • 1 Edward M. Rounds, Power Through Prayer (Grand Rapids, Ml: Baker, s/d), p. 5, 7.
  • 2 David J. Atkinson, editor, New Dictionary of Christian Ethics & Theology Pastoral (Downers Grove, II: InterVarsity, 1995), p. 807.
  • 3 Ibid.
  • 4 Ibid., p. 808.
  • 5 Richard J. Foster, Celebration of Discipline: The Path to Spiritual Growth (Londres: Hodder & Stoughton, 1987), p. 9.
  • 6 Stephen R. Covey, The 7 Habits of Highly Effective People: Restoring the Character Ethic (Londres: Simon &. Schuster, 1989), p. 22.
  • 7 Ibid., p. 43.
  • 8 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 203.
  • 9 Citado em Stephen R. Covey, Op.Cít., p. 294. 
  • l0Morris Venden, Morning Manna; How to Begin Each Day With God (Boise, ID: Pacific Press Publishing Association, 1987), p.9