Obstáculos a ser superados para evangelizar as grandes cidades
Aguinaldo Guimarães
O mundo vive um processo de urbanização cada vez mais intenso.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, até 2030 mais de 5 bilhões de pessoas viverão em cidades.1
Nos últimos anos, essa tendência despertou a Igreja Adventista do Sétimo Dia para a importância da missão urbana. Ainda nos anos 80, Neal Wilson, presidente da sede mundial dos adventistas, afirmou que o “desafio das cidades” era uma grande prioridade da denominação.
Na Assembleia Geral de 2005, a igreja voltou a destacar o assunto. Monte Sahlin, especialista em missiologia adventista, declarou que “o desafio das cidades estava novamente na agenda pela primeira vez em 100 anos”.2 Seis anos depois, em 2011, a liderança adventista “aprovou um plano para evangelizar as cidades do mundo, começando em 2013 com a cidade de Nova York”.3 Essa iniciativa se aprofundou, dando forma ao projeto Reach the World, um plano estratégico de missão que, desde 2015, tem norteado ações de missão urbana ao redor do mundo.4
Apesar desses esforços, é possível observar entre alguns membros e até pastores adventistas certa dificuldade em relação às grandes cidades e ao desenvolvimento de estratégias relevantes para alcançá-las. A visão equivocada sobre os grandes centros e o entendimento distorcido a respeito do que Ellen White escreveu sobre eles afetam diretamente a teologia adventista, o envolvimento e o compromisso da igreja com sua comunidade bem como “toda a visão missionária e metodológica” da denominação.
Território negligenciado
De acordo com G. T. Ng, Ellen White citou pelo menos sete “razões pelas quais o povo de Deus não prestou atenção suficiente à missão urbana”.6
Em primeiro lugar, a fé dos líderes era muito pequena. G. T. Ng destaca um sonho que Ellen White teve, no qual Tiago White e um grupo de líderes adventistas deliberavam sobre planos futuros. Ela falou a respeito da necessidade de fazer planos abrangentes, e antes que esses líderes tentassem evitar as grandes cidades, ela concluiu dizendo que “as ideias de nossos irmãos são muito estreitas. Eles esperam pouco. A fé deles é muito pequena”.7
Em outra ocasião, quando Ellen White falou sobre a importância de alcançar as grandes cidades da Inglaterra, ela afirmou: “Se o povo de Deus apenas exercesse fé, trabalharia de maneira maravilhosa para realizar essa obra”.8 Em contrapartida, ao falar de Nova York, observou que as oportunidades se perdiam porque alguns líderes não aceitavam planos mais amplos.9 Certamente, a falta de fé dos líderes da igreja levou a um atraso no cumprimento da missão nas cidades.
Em segundo lugar, havia muita pregação. Ellen White sempre apresentou uma abordagem equilibrada para a missão urbana e enfatizou a necessidade de enviar obreiros qualificados para as grandes cidades. Além disso, indicava a necessidade de um trabalho mais amplo, que não se concentrasse apenas na pregação.
Em 1892, ela escreveu: “Tem sido mostrado a mim que, em nosso trabalho para esclarecimento do povo nas grandes cidades, a obra não tem sido tão bem organizada nem os métodos de trabalho tão eficientes como em outras igrejas que não possuem a grande luz que nós consideramos tão necessária. Por que isso? É que grande número de nossos obreiros está compreendido nos que gostam de pregar (e muitos que não estavam inteiramente qualificados para pregar foram postos na obra), e grande parte do trabalho tem sido despendido em pregação.”10 A missão urbana envolve métodos variados ou muitos ramos de esforço cristão e não pode se concentrar apenas na pregação.
Em terceiro lugar, o número de obreiros era insuficiente. Ellen White pediu que aumentasse o número de obreiros em atividade. Seu desejo era que não apenas ministros, mas também membros consagrados pudessem se envolver ativamente na missão urbana. “O pastor ordenado sozinho não pode fazer frente à tarefa de advertir o mundo. Deus está chamando não somente pastores, mas também médicos, enfermeiros, colportores, obreiros bíblicos e outros consagrados membros leigos de diferentes talentos, que têm conhecimento da verdade presente, para que considerem as necessidades das cidades não advertidas. Devia haver uma centena de obreiros ativamente empenhados em trabalho missionário pessoal onde agora existe apenas um.”11
Em quarto lugar, os obreiros não eram suficientemente treinados. A capacitação adequada, condizente com o trabalho evangelístico nas grandes cidades, tinha um papel importante para Ellen White. “Como povo, não estamos fazendo a quinquagésima parte do que poderíamos fazer como missionários ativos. Se apenas fôssemos vivificados pelo Espírito Santo, haveria uma centena de missionários onde agora há um. Em toda cidade deve haver um corpo de obreiros organizados, bem disciplinados; não meramente um ou dois, mas dezenas e dezenas devem ser postos a trabalhar. […] Mais atenção deve ser dada ao preparo e educação de missionários, tendo em vista de modo especial o trabalho nas cidades”.12
A visão de Ellen White, contudo, não se limitava aos obreiros assalariados da igreja. Em relação aos cristãos adventistas , ela escreveu: “Não deve existir nenhum atraso nesse bem planejado esforço para educar os membros da igreja. Pessoas plenamente consagradas e que compreendem a santidade e importância da Obra devem ser escolhidas para trabalhar nas grandes cidades. Não sejam enviados os que não se acham qualificados nesses aspectos.”13
Em quinto lugar, não havia recursos suficientes. É inegável que a missão urbana exige grande quantia de dinheiro, mas apesar dessa realidade, Ellen White insistiu na necessidade de trabalhar nas cidades utilizando os meios com sabedoria. “Parece que quase ninguém ousa solicitar que um evangelista vá às cidades, por causa dos recursos financeiros que seriam necessários para executar um trabalho forte e sólido. É verdade que haverá necessidade de muito dinheiro para cumprirmos nosso dever para com os que não foram advertidos nesses lugares; e Deus deseja que ergamos nossa voz e façamos sentir nossa influência em benefício do sábio uso de recursos nesse especial ramo da Obra.”14
Em 1874, ela advertiu a liderança da igreja sobre o medo de que o gasto com a pregação do evangelho não trouxesse retorno. “Há um grande temor de aventurar-se e correr riscos nessa grande obra, o receio de que a expensas de meios não traga dividendos. Que importa se os meios são usados e não vemos que pessoas estejam sendo salvas por eles? Que importa que uma parte de nossos recursos seja um capital morto? Melhor é trabalhar e manter-se trabalhando do que nada fazer. Vocês não sabem qual prosperará primeiro, se esta se aquela. Os homens investem em direitos de patentes e sofrem pesadas perdas, e isso é considerado normal. Mas na obra e causa de Deus, temem aventurar-se. Parece-lhes ser o dinheiro um capital morto, que não rende nada, quando investido na obra de salvar.”15
No entanto, Ellen White foi além e acrescentou que, a menos que a verdade chegasse às cidades, os meios não seriam suficientes para a concretização da Obra. “Quem está carregando um fardo pelas nossas grandes cidades? Alguns dirão: Precisamos de todo o dinheiro que conseguirmos para continuar o trabalho em outros lugares. Você não sabe que, a menos que leve a verdade às cidades, haverá um esgotamento dos meios? Quando a mensagem for levada aos que estão nas cidades famintos da verdade, e as pessoas aceitarem a luz, elas trabalharão fervorosamente para levar essa luz a outros. As pessoas que têm dinheiro serão levadas à verdade e darão seus recursos para o avanço da obra de Deus.”16
Em sexto lugar, havia entraves burocráticos. Ellen White notou que alguns líderes costumavam centralizar tudo neles. “Alguns em posição de responsabilidade têm achado que nada deva ser feito sem seu pessoal conhecimento e aprovação.” Como resultado, “eficientes obreiros têm algumas vezes sido obstados e impedidos, e as rodas do carro do progresso têm sido postas a mover-se lentamente na entrada em novos campos”.17
Em último lugar, a obra nas cidades é desafiadora. Ellen White reconhecia que a evangelização em contexto urbano era muito difícil, pois Satanás trabalha arduamente para assumir o controle da mente humana e, como resultado, a maldade está aumentando. Essa condição exige novos e variados talentos para alcançar os moradores das cidades.18
Conclusão
Considerando a demora ou omissão, “o trabalho que a igreja tem deixado de fazer em tempo de paz e prosperidade terá que realizar em terrível crise, sob as circunstâncias mais desanimadoras e difíceis”.19 Apesar das dificuldades, Ellen White afirma que o trabalho nas cidades, visando atingir todas as classes, precisa ser feito, e a igreja tem o dever de encorajar os obreiros e apoiá-los com orações e palavras de ânimo.20
Por fim, nunca o apelo de Ellen White sobre a missão urbana foi tão pertinente, como aponta G. T. Ng ao dizer que, nos dias dela, “provavelmente apenas dois ou três por cento da população mundial vivessem em cidades. Com mais de cinquenta por cento da população mundial vivendo em cidades na virada do novo milênio, seu chamado para uma missão urbana parece mais urgente do que nunca”.21
Assim, o plano de evangelização das grandes cidades aprovado pela Associação Geral indica que a Igreja Adventista está empenhada em levar o evangelho aos centros populosos. A igreja tomou o rumo certo porque “o trabalho nas cidades é a obra essencial para este tempo. Quando as cidades forem trabalhadas como Deus deseja, o resultado será pôr-se em operação um poderoso movimento como nunca foi testemunhado.”22
Referências
1 United Nations Department of Economic and Social Affairs, World Urbanization Prospects: The 2018 Revision. Disponível em <link.cpb.com.br/9f73f0>, acesso em 10/5/2022.
2 Monte Sahlin, Mission in Metropolis: The Adventist Movement in an Urban World (Lincoln, NE: Center for Creative Ministry, 2007), p. 24.
3 Elizabeth Lechleitner, “Adventist world church approves urban focus; New York City is first launch site”. Disponível em <link.cpb.com.br/300880>, acesso em 10/5/2022.
4 Associação Geral da IASD, Reach the World. Disponível em <link.cpb.com.br/20e196>, acesso em 10/5/2022.
5 Gotfried Oosterwal, “How shall we work the cities: From within?”, Ministry, junho de 1980.
6 G. T. Ng. Urban Mission: The Forgotten Frontier. Asia Adventist Seminar Studies, v. 3, 2000, p. 94.
7 Ellen G. White, Christian Experience and Teachings of Ellen G. White (Mountain View, CA: Pacific Press, 1922), p. 218.
8 Ellen G. White, Historical Sketches of the Foreign Missions of the Seventh-day Adventists (Basileia: Imprimerie Polyglotte, 1886), p. 152.
9 Ellen G. White, Life Sketches of Ellen White (Mountain View, CA: Pacific Press, 1915), p. 385.
10 Ellen G. White, Medicina e Salvação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 301.
11 White, Medicina e Salvação, p. 331, 332.
12 Ellen G. White, Ministério Para as Cidades (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 68.
13 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), v. 9, p. 94.
14 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 42.
15 Ellen G. White, Beneficência Social (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 266.
16 Ellen G. White, “A risen Saviour”, The General Conference Bulletin, 22/5/1909.
17 White, Medicina e Salvação, p. 302.
18 White, Evangelismo, p. 25, 31.
19 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), v. 5, p. 396.
20 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 94.
21 G. T. Ng, Asia Adventist Seminar Studies, v. 3, p. 101.
22 White, Medicina e Salvação, p. 304.