O quadro intitulado Caminho da Vida foi mostrado pela primeira vez a Tiago White, pelo Dr. M. G. Kellogg, no início de 1870.1 O autor original é desconhecido, mas Tiago White atestou que aquele trabalho deveria ser como “uma vivida representação do plano da salvação” ao lhe fazer referência, em 1874, mencionando-o na Review and Herald como um “quadro alegórico, mostrando o caminho da vida e salvação através de Jesus Cristo, desde o Paraíso perdido ao Paraíso restaurado”.2 Dois anos mais tarde, em outubro de 1876, mil cópias de uma nova e melhorada edição, com uma brochura explanatória, foi publicada.3
O que é mais surpreendente em relação à estampa de 1876, é a centralização dos Dez Mandamentos pendendo do tronco da “Árvore da Vida”. Embora a cruz esteja evidente, não o é tanto quanto a Lei. Passados quatro anos, Tiago White começou a planejar um novo quadro com uma mudança de ênfase. A esse respeito ele escreveu à Ellen White, em 1880:
“Eu tenho um esboço… de uma nova gravura ‘Eis o Cordeiro de Deus’. Esse quadro difere do Caminho da Vida nos seguintes aspectos: a árvore da lei é removida. Cristo sobre a cruz está mais destacado e colocado no centro. O restante permanece como sempre foi, exceto a cena do batismo e a cidade que foi aperfeiçoada.”4
Durante o restante de 1880 e início de 1881, o Pastor White trabalhou nessa nova e aperfeiçoada edição, tendo em vista expandir o projeto a fim de levar a impressão desse quadro a outros países, incluindo a publicação de um livro que o acompanharia, ampliando a explicação da própria gravura. Sua ideia era intitulá-la “Cristo o Caminho da Vida. Do Paraíso Perdido ao Paraíso Restaurado.”
Entretanto, Tiago White veio a falecer em 6 de agosto de 1881, sem completar o plano. Ellen White, com a ajuda dos seus filhos, acabou cumprindo o desejo do seu esposo em 1883, quando copiou um novo quadro numa placa de aço, colocando Cristo crucificado como o centro dominante do plano da salvação.
Por que a mudança?
O que levou Tiago White a mudar de ideia em relação ao destaque dado inicialmente à Lei, nesse exemplo de arte adventista?
Embora não haja uma ligação direta entre sua exposição teológica o Caminho da Vida, em qualquer de suas cartas, houve significativo desenvolvimento no pensamento do casal White no período de 1876 a 1883, responsável por uma profunda conexão entre as duas coisas.
Antes de 1883, Ellen White tinha muito pouco a dizer, no sentido de ênfase teológica, a respeito da justificação pela Fé. Embora sua concepção sobre justificação era a de que tal experiência seja “absolvição” e “perdão”, e isso estava sempre bem claro, não foi até 1880 que começou a surgir uma mais aguçada focalização, digamos assim, uma compreensão mais “luterana” de justificação “somente pela fé”.
De fato, a primeira mostra dessa ligação entre Lutero e a justificação, apareceu em Signs of the Times de 31 de maio de 1883, provavelmente em virtude de suas pesquisas para o quarto volume de The Spirit of Prophecy (1884) que se tornou o precursor do clássico The Great Controversy (O Conflito dos Séculos), em 1888. Esse trabalho dividiu espaço considerável com Lutero e a Reforma, em sua histórica e providencial interpretação dos assuntos sobre “O Grande Conflito entre Cristo e Satanás”.
Em adição ao seu trabalho sobre a Reforma, três outras tendências cruciais na experiência e no ministério do casal White, durante esse período, devem ser notadas:
1. Durante aqueles anos, Ellen White tinha experimentado algumas agudas confrontações com os defensores da ideia “crer, somente crer”, os quais acusavam os adventistas do sétimo dia de ensinarem salvação pela observância da Lei. Provavelmente a mais notável dessas experiências ocorreu durante uma viagem para o Oregon, no verão de 1878, na qual ela foi desafiada por um tal Pastor Brown o qual apregoava ser “impossível para qualquer pessoa chegar ao Céu pela observância da Lei”. Ele declarou, então, em um duro ataque pessoal, que “a Sra. White é toda lei, lei; ela crê que nós devemos ser salvos pela Lei, o que é impossível para qualquer pessoa. Agora, eu creio em Cristo. Ele é meu Salvador”.5
Enquanto ela respondia rapidamente que tal afirmação era uma “falsa” representação de sua posição sobre o assunto, tal desafio indubitavelmente contribuiu para avivar a sua compreensão e expressão do que realmente significa “crer”. Historicamente jamais houve qualquer fator tão eficiente para chamá-la a uma verdadeira clarificação teológica.
2. Ellen White também aparentava ter sentido que havia um involuntário legalismo se arrastando entre as fileiras do adventismo. Ela estava inquieta no sentido de que uma preocupação com a observância da Lei estivesse obscurecendo a segurança da aceitação, em muitos casos (incluindo pregadores adventistas). Provavelmente a mais importante expressão dessa preocupação foi vista na reunião da Associação Geral realizada em 1883, em Battle Creek. Na verdade, eu até poderia dizer que, para Ellen White, essa assembleia foi uma “Mineápolis teológica”, cinco anos antes da histórica Assembleia de Mineápolis, em 1888. Notemos sua profunda preocupação sobre o assunto:
“Tenho ouvido testemunhos parecidos com este: ‘não tenho a luz que desejo; não possuo a segurança do favor de Deus’. Tais testemunhos expressam tão-somente descrença e escuridão. Estais vós expectantes de que vossos méritos vos recomendem ao favor de Deus, e que devais ser livres de pecado antes que poderdes confiar em Seu poder salvador? Se é essa a luta que travais em vosso íntimo, eu temo que não obtereis forças, e finalmente sereis desamparados. …
“Alguns parecem sentir que devem estar sob provação, e que devem provar ao Senhor que estão transformados antes que possam suplicar Suas bênçãos… Jesus aprecia que nos acheguemos a Ele da maneira como somos — pecadores, desamparados, dependentes. Nós clamamos para ser filhos da luz e não das trevas; por que temos de ser descrentes?’’6
3. Esta forte ênfase sobre justificação, em 1883, foi seguramente inspirada pela exposição dos pensamentos de Tiago White. A evidência, refletida na mudança que ele procurou fazer no Caminho da Vida, indica que sua experiência, bem antes de sua morte, tinha causado um profundo impacto na esposa.7
No início de 1881, o Pastor White começava a analisar a perigosa direção que a igreja parecia estar inconscientemente perseguindo. Ele informou aos leitores da Review sobre seu “inexprimível anseio da alma por Cristo’’ e instou aos ministros a que “pregassem mais a Cristo’’. Então, partilhou seu propósito de mudar o foco da mensagem: “sentimos que temos um testemunho a dar a nosso povo, para este tempo, relacionado ao exaltado caráter de Cristo, e Sua disposição e poder para salvar.” 8 Que ele realizou muito bem esse ideal, foi percebido por um ministro de destaque, o qual declarou: “Onde quer que ele pregasse nos últimos meses, insistia longamente sobre a fé em Cristo e o ilimitado amor de Deus”.9
O impacto sobre Ellen White foi visível: um mês depois da morte do esposo, ela contou, numa carta escrita ao filho Willie, um sonho no qual Tiago relatava:
“Nós temos cometido um engano. Sempre estamos prontos a atender convites que os irmãos nos fazem para reuniões importantes. Não os temos recusado. … Mas devemos também escrever sobre assuntos a respeito dos quais temos luz que os outros não têm.”10
Falando a estudantes da Escola Bíblica da Associação Geral, no início de 1890, em Battle Creek, ela renovou os votos tomados diante do leito de morte do seu esposo, no sentido de apoiá-lo “acrescentando um elemento ao seu trabalho, que ainda não fizemos”.12 Esse “elemento” aí referido é a Justificação pela Fé. Isso está bem claro no contexto da própria , Escola Bíblica: ela foi especialmente resultado da Assembleia de Mineápolis em 1888, estabelecida para promover uma clara compreensão do tema. Além disso, na mencionada reunião da Escola Bíblica foram feitas algumas de suas mais poderosas declarações sobre Justificação pela Fé.12
Profundas alterações teológicas
Assim as mudanças incorporadas na gravura Caminho da Vida, não eram exatamente um retoque artístico, mas refletiam as profundas alterações teológicas no pensamento e ministério de Tiago e Ellen White. Tais alterações tiveram suas mais enfáticas expressões em Mineápolis e seus resultados.
Para Ellen White, a elevação da cruz e uma renovada ênfase na Justificação pela Fé não eram matérias de superficial interesse ou mera curiosidade teológica, mas o próprio coração da proclamação adventista. Parecia haver uma linha direta de influência e desenvolvimento entre o período da gravura Caminho da Vida e o grande reavivamento antecipado pelo casal. Tal reavivamento da pregação centralizada em Cristo, deveria iluminar a Terra com sua glória, no estabelecimento da proclamação da Mensagem do Terceiro Anjo de Apocalipse 14.
Também está muito claro que as conclusões evidentes no Caminho da Vida eventualmente se tornariam um fator preponderante na crise de Mineápolis e seus controvertidos resultados: para Tiago e Ellen White, a questão não estava resumida à falta de piedade ou ausência de amor nas discussões teológicas. Suas preocupações certamente envolviam tais matérias, mas também compreendiam uma ausência de ênfase cristocêntrica na pregação adventista e uma falta de compreensão teológica sobre Justificação pela Fé, que acabaria retardando o trabalho da Chuva Serôdia e a chegada do longamente esperado Alto Clamor.
1. A “História da gravura Caminho da Vida” (de autor desconhecido) está disponível como documento do Centro de Pesquisas E. G. White. O que se segue nas páginas seguintes é um resumo desse documento.
2. Review and Herald, 13/02/1874.
3. L. E. Froom, Movement of Destiny, Washington, D.C., R&H Pub., 1971, pág. 183.
4. Carta, 31/03/1880.
5. Signs of the Times, 18/07/1878.
6. Esses comentários foram direcionados a ministros da Associação Geral e foram publicados na R&H, 22/04/1884.
7. Bert Haloviak, From Righteousness to Holy Flesh: Judgmente at Minneapolis, especialmente o capítulo 1, intitulado Centrality of Justification.
8. Review and Herald, 08/02/1881.
9. Ibid., 30/08/1881.
10. Carta 17, 12/09/1881.
11. Manuscrito 9, 03/02/1890.
12. Especialmente Manuscrito 36, incluído na compilação Faith and Works, Nashville: Southern Pub. Assn., 1979, págs. 15 a 28.
WOODROW WHIDDEN, Professor associado de Religião, na Andrews University, Berrien Springs, Michigan, EUA.