ENTREVISTA: AMIN A. RODOR

“Desde Adão até os nossos dias, seria cômico, se não fosse trágico, o resultado da experiência de pessoas que imaginaram poder viver sem Cristo”

por Diogo Cavalcanti

De acordo com John Stott, Jesus Cristo “é o centro da História”, que é dividida em um período anterior e outro posterior a Seu nascimento. “É o eixo das Escrituras”, a respeito das quais Ele mesmo disse testificarem a Seu respeito. É “o coração da missão”, considerando que não existe outro motivo pelo qual missionários “atravessam terras e mares, continentes e culturas”, senão o de compartilhá-Lo. De fato, em geral, as religiões não cristãs têm valores morais, princípios e estilo de vida admiráveis. Mas Cristo é a diferença para a qual não há complementos nem substitutos. Ele é o tudo e o todo da vida e da experiência espiritual de todos quantos O aceitam. Essa singularidade da pessoa do Filho de Deus é apresentada de maneira inspiradora nesta entrevista concedida a Diogo Cavalcanti pelo pastor Amin Américo Rodor.

Nascido no estado do Espírito Santo, o pastor Amin é casado com a enfermeira Rita Rodor, de cuja união nasceram três filhos: Dianne (casada), Luccas e Michel. Conta mais de 40 anos servindo à causa de Deus, boa parte dos quais como professor de Teologia do Unasp, campus 2. Antes de se dedicar ao magistério, pastoreou igrejas no Brasil, Estados Unidos e Canadá. Foi diretor do Departamento de Jovens Adventistas na Bahia e na União Sudeste-Brasileira. Obteve o doutorado em Teologia na Universidade Andrews. É também autor do livro O Incomparável Jesus Cristo, recentemente lançado pela Imprensa Universitária do Unasp.

Ministério: Para o senhor, quem é Jesus Cristo?

Amin: De acordo com a declaração de Ellen G. White, Ele “é um irmão em nossas fraquezas, não em possuir idênticas paixões”. Impressiona-me Sua singularidade – é um conosco, mas não um de nós – é o Monogenes de Deus (Jo 3:16). Impressionamme Seus métodos, que passam por cima de tudo o que nós consideramos importante: aparência, poder, dinheiro, posses, cargos. Nunca Se valeu da propaganda para Se afirmar. Não impõe nada a ninguém. Nunca “dourou a pílula” para ser aceito. Ele dispunha de apenas pouco mais de três anos para executar a maior missão de resgate do Universo, mas esteve sempre disponível para quem O buscasse. Os evangelhos narram que Jesus Se movia com extraordinária majestade e compostura. Não organizou partido político nem Se valeu de estratégias, “vitrines” disfarçadas para Se promover ou criar visibilidade. Em Seus dias, diversas alternativas sectárias estavam à disposição: os fariseus, extremistas religiosos do judaísmo; os sofisticados e acomodados saduceus; os fisiologistas herodianos, parasitas do poder; os zelotes, radicais revolucionários, ou os escapistas essênios. Porém, Jesus não Se filiou a nenhum desses grupos. Manteve-Se distante. Ele tinha Sua própria ética de serviço e amor. Esses mesmos “guetos” continuam disponíveis hoje, com outros nomes. Dos perfeccionistas, defensores de uma noção patológica de santidade, aos revolucionários e subversivos “zelotes dissidentes”. Mas o ensino e a conduta de Cristo nos advertem que essas não são alternativas legítimas. Creio que ninguém que esteve com Ele tenha saído sem ficar intrigado com esse surpreendente Jesus. Ninguém poderia inventar uma pessoa como Jesus Cristo. Ele está acima dos mais altos voos da imaginação humana.

“Jesus Cristo é como o sol: aquece, ilumina e transforma. Sem ele, a vida seria impossível”

Ministério: Em que termos o senhor descreve a maneira pela qual Ele tratou as pessoas?

Amin: Para Jesus, todas as pessoas têm o mesmo valor. Ele trata aleijados, cegos e leprosos como príncipes. Em Seu sermão programático (Lc 4:16-30; 7:22), os necessitados são objeto primário do interesse de Jesus. Ao realizar Seu ministério na Galileia, Ele frequentemente aparecia cercado pelos desclassificados de Seus dias, vistos como “irreligiosos”. Pessoas doentes, mulheres e crianças, e uma enorme formação social, conhecida como “o povo da terra” que Ele viu com grande compaixão, “porque andavam aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9:36). Pense no caráter humano de uma afirmação dessa natureza, que chega a nos comover. Há algo mais: Para Seu núcleo inicial, Ele não escolheu nenhum rabi, fariseu, saduceu ou sacerdote; ninguém do estabelecimento religioso, mas escolheu pescadores, coletores de impostos e camponeses comuns. Isso parece ter sido um golpe devastador no institucionalismo da época, que se havia corrompido bastante. Jesus desmascarou a nobreza religiosa de Seu tempo, declarando-a hipócrita, expôs a apostasia que a caracterizava e repreendeu publicamente os líderes pela bancarrota espiritual de sua religião. Porém, devemos ter em mente que, ao receber os menos prováveis, Cristo deixava claro que todos são convidados. Ele como que dizia: “Se posso trabalhar com esses, posso trabalhar com você também”. Nenhuma pessoa é excluída, a menos que se exclua.

Ministério: Nesta vida, podemos ser perfeitos como Cristo foi perfeito?

Amin: Precisamos ter em mente que a verdadeira justificação não diminui o imperativo da santificação ou perfeição bíblica. A mesma graça que traz salvação permite vitória sobre o pecado. Assim, não paira nenhuma dúvida quanto ao chamado divino à santificação, sem a qual ninguém verá Deus (Hb 12:14). Porém, desde M. L. Andreasen, predomina entre grupos radicais do adventismo a ideia de uma geração que alcançará impecabilidade absoluta; um retorno à condição do Éden, antes da vinda de Cristo. Aliás, essa experiência é vista como condição para a segunda vinda de Jesus. Entretanto, santificação não pode ser confundida com glorificação, porque aí ela se torna patológica. Defende-se essa ideia, usando-se equivocadamente textos de Ellen G. White, fora do contexto histórico e teológico, apontando-se nesses textos significados que eles não apresentam. Muitos parecem estar competindo com Cristo, como se a salvação fosse por imitação. Outros falam sobre “vencer como Cristo venceu”, esquecendo-se de que nós não vencemos como Cristo venceu, mas porque Ele venceu. Há pessoas que julgam dever acumular um excesso de justiça, para um tempo específico, quando estarão dependendo do valor próprio, do próprio poder, independentemente de Cristo. O perfeccionismo transformou o desenvolvimento do caráter num substituto de Cristo. Essa teoria é um grosseiro engano, porque nega um conceito bíblico fundamental, isto é, a essência do cristianismo é ligação com Cristo. Ele mesmo disse: “Sem Mim vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15:5). Desde Adão até nossos dias, seria cômico, se não fosse trágico, o resultado da experiência de pessoas que imaginaram poder viver sem Cristo.

Ministério: Na verdade, essa não é uma tendência nova.

Amin: Exatamente! Nos dias de Cristo, havia no farisaísmo várias expressões desses “santos”. Havia os “fariseus de ombreiras”, vaidosos por causa de seus feitos, ou os “fariseus corcundas”, simulando humildade, mas também vaidosos das próprias realizações. Curiosamente, os antepassados do perfeccionismo consideravam Jesus “liberal” ou “irreligioso”, por desconsiderar todas as regras e minúcias da religiosidade superficial deles. Os fariseus de hoje não são muito diferentes. Eles confundem verdadeira santificação com estilo de vida. De acordo com Ellen G. White, “na vida que se centraliza no eu não pode haver crescimento nem frutificação… Recebendo o Espírito de Cristo – o espírito do amor abnegado e do sacrifício por outros – crescerão e produzirão fruto. As graças do Espírito amadurecerão em seu caráter… seu amor será mais perfeito. Mais e mais refletirão a semelhança de Cristo em tudo que é puro, nobre e amável” (Parábolas de Jesus, p. 67, 68). Ela diz mais: “A perfeição do caráter cristão é alcançada quando o impulso de auxiliar e abençoar outros brotar constantemente do íntimo” (Ibid., p. 384). Ao falar da última mensagem a ser proclamada, Ellen G. White nada mencionou em termos de estilo de vida farisaico. Para ela, “os últimos raios da luz misericordiosa, a última mensagem de graça a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino. Os filhos de Deus devem manifestar Sua glória. Revelarão em sua vida e caráter o que a graça de Deus por eles tem feito” (Ibid., p. 415, 416). Desconcertantemente para os perfeccionistas, reprodução de caráter nada tem que ver com suas ênfases legalistas.

Ministério: De que maneira corremos o perigo de distorcer o conceito de justificação pela fé?

Amin: Temos enfatizado tanto a expressão “justificação pela fé”, que acabamos perdendo de vista que o elemento central da justificação não é a fé, mas a graça. Muitos têm fé na fé, ou pensam que a fé é algo que eles têm que produzir. A fé é apenas o instrumento pelo qual nos apropriamos da justiça de Cristo. Escrevendo aos efésios, Paulo esclareceu: “Vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Ef 2:8). Assim, o fundamento da justificação é a graça, não a fé. A fé não é autogerada, ela também é um dom. A fé não vale por seu tamanho, mas pelo seu fundamento: Jesus Cristo. A fé não é meritória em si mesma. Como Ellen G. White afirmou, “pela fé recebemos a graça de Deus, mas a fé não é nosso salvador”.

Ministério: Fale um pouco mais sobre a liderança serviçal de Jesus Cristo.

Amin: Jesus Se recusou a aceitar as normas mundanas, precárias, de sucesso e grandeza. Em Lucas 22:24-26, Ele respondeu aos discípulos que desejavam ocupar lugares à direita e à esquerda em Seu reino, símbolos de posição e honra, dizendo que são os gentios que se comportam dessa maneira. A palavra “gentio” nesse texto é o termo técnico utilizado para se referir aos “pagãos”. Em outras palavras, a busca de lugares de honra é um princípio pagão. “Mas vocês não serão assim”, é Seu extraordinário desafio. Para Jesus, grande não é quem recebe honras e aclamações, não é aquele que “manda”, mas aquele que serve e ministra. O exemplo e estilo de liderança de Jesus, em Sua breve visita ao planeta Terra, marcaram para sempre a vida de milhões de pessoas que O aceitaram. Em apenas três anos e meio de vida pública, Jesus Cristo modelou os princípios vitais da liderança. Ele não tinha trono, servos, guarda-costas nem exércitos. C. S. Lewis observa que, enquanto permanecermos obcecados por pertencer ao “círculo do poder”, permaneceremos “externos”, fora do reino de Deus.

“Não vencemos como Cristo venceu, mas porque Ele venceu”

Ministério: Qual é sua mensagem especial para os leitores?

Amin: Jesus Cristo é o grande emancipador da História. Ele não apenas nos liberta da servidão da nossa natureza caída, mas dos nossos medos, superstições e receios; liberta-nos das dependências bizarras. Ele nos liberta das tiranias e máscaras humanas, das nossas idolatrias, do governo precário de nossas alegrias incompletas. Cristo nos liberta da cultura, cheia de ídolos e modismos ridículos. Ele nos ajuda a ver o que está por trás de toda sorte de aparências. Perdê-Lo significa ser reduzido ao nível do nada absoluto! Jesus Cristo é o grande referencial. Ele é como o sol: aquece, ilumina e transforma. Jesus é o centro. Sem Ele, a vida seria impossível.