Há significativas diferenças entre liderança espiritual e administração secular
A busca de líderes espirituais efetivos remonta aos primeiros relatos da história do povo de Deus. Na verdade, o esforço nesse sentido ainda continua nos dias de hoje; agora, em um mundo dominado por organizações governadas por complexas estruturas de gerenciamento. Tais estruturas são freqüentemente impostas sobre a igreja por pessoas bem-intencionadas. Essa imposição induz a uma reaplicação, para a igreja, do incômodo desafio apresentado por John Kotter, professor da Universidade Harvard, segundo o qual as instituições seculares, em sua maior parte, são “supergerenciadas e sublideradas”.1
Como podemos saber quando a igreja está sendo liderada, em contraste a ser gerenciada? Qual é a diferença existente entre as duas coisas? E, entre as duas atitudes, qual deve ser adotada pelo pastor verdadeiramente guiado pelo Espírito?
Diferenças básicas
A diferença fundamental entre liderança e gerenciamento, mesmo no ambiente secular, reside na qualidade dos relacionamentos em uma determinada organização. Gerenciamento implica o exercício de controle para conquistar obediência. Liderança está fundamentada sobre relacionamentos interdependentes que geram compromisso sincero. As duas coisas têm objetivo e foco semelhantes, mas se dirigem ao destino final através de caminhos diferentes. Para liderar, especialmente no âmbito espiritual, o pastor deve evitar depender das estruturas de controle que estão disponíveis e são usuais na maior parte do cenário gerencial.
O conceito bíblico de mordomia é muito equivalente ao gerenciamento. Mordomia e gerenciamento envolvem responsabilidade conferida, e autoridade para controlar recursos humanos e materiais. Dessa forma, o mordomo é beneficiado com estruturas de gerenciamento apropriadas que lhe permitem o necessário controle sobre aquilo pelo que ele é responsável.
Eliezer, mordomo de Abraão, tinha a responsabilidade de gerenciar os negócios domésticos do seu senhor, e foi incumbido de tomar pesadas decisões, entre as quais foi incluída a busca de uma noiva para Isaque (Gênesis 24). Sua autoridade gerencial era limitada apenas por Abraão e as fronteiras que cercavam a casa do seu patrão.
Semelhantemente, no Novo Testamento também encontramos a figura do mordomo, ou oikonemos (Luc. 16:2 e 3; I Cor. 4:1 e 2; Tito 1:7; I Ped. 4:10), como sendo um gerente (nemo) da casa (oikos). Isto é, alguém que cuida ou gerencia a casa do seu patrão. “A palavra é usada para descrever a função de responsabilidade delegada, como nas parábolas do trabalhador e do servo infiel.”2 O conceito de gerenciamento assume um relacionamento transacional que permite aos que são gerenciados permutar seu tempo e habilidades por recompensa financeira ou de outro tipo. Gerentes são investidos de autoridade coercitiva, direcionada a conduzir eficientemente as operações da instituição. Esse relacionamento de troca é contratual, em sua natureza, e geralmente é limitado por prescrição de horas e descrição de trabalho formal.
Russ Moxley observa, em seu livro Leadership and Spirit [Liderança e Espírito], que tal relacionamento, governado por leis e regulamentos, busca conformidade e pode, ou não, envolver o compromisso daqueles que são gerenciados.3 A liderança pode, ou não, acontecer no contexto de um ambiente gerenciado; ou pode ocorrer muito facilmente no contexto de livre associação. Liderança não depende de estruturas coercitivas, e somente é vista dessa forma por causa do modo como o gerenciamento é conhecido.
O modelo relacionai de liderança (distinto do modelo coercitivo) envolve pessoas livremente associadas em um esforço comum. Além disso, tal relacionamento não é transacional, ou seja, nesse processo, não existe o elemento “dar para receber”. Ao contrário, existe uma ação comprometida e firme do grupo ou comunidade, para promover o incentivo ao envolvimento. Assim sendo, um administrador que faz a opção de liderar, em lugar de gerenciar, deve colocar-se acima das estruturas organizacionais que forçam a conformidade. Ele deve, ao contrário disso, estabelecer relacionamentos pessoais fundamentados no respeito, confiança e capacitação.
Limites do pastor
O que dizer a respeito do pastor? Foi ele chamado, ou estabelecido, como líder ou gerente? Há estruturas de controle disponíveis que lhe permitem gerenciar? Está o pastor investido com autoridade pessoal destinada a lhe conferir um comportamento gerencial direcionado a produzir conformidade a uma série de regras, regulamentos e padrões? Porventura, as pessoas que ele tenciona motivar estão ligadas a qualquer contrato transacional que permite controle sobre o comportamento delas? Não. O membro da igreja se une a ela por livre escolha. Não há relacionamento gerencial aqui. A exceção é o pastor que foi designado para administrar pessoal em uma igreja com empregados. Porém, mesmo nesse caso, o gerenciamento não vai além desse grupo.
O pastor não tem poder pessoal sobre os membros. Ele pode escolher estender sua influência em favor de um determinado fim ou objetivo, mas o corpo eclesiástico é que tem realmente o poder de decisão; e, Conseqüentemente, tem autoridade. Em suas tentativas para influenciar a congregação, o pastor deve respeitar as pessoas. Ele não é um gerente; não possui mandado para conduzir ninguém sob seu controle.
Evidentemente, o pastor é parte de um processo de liderança, mas seu êxito como líder depende da construção de relacionamentos saudáveis. Ignorar essa realidade e assumir controle sem a necessária autoridade resultará em frustração e desvirtuamento do processo. A manutenção de relacionamentos é fundamental para a boa liderança pastoral. Ela não pode crescer em um contexto de coerção.
O desejo alimentado por alguns clérigos profissionais de administrar através de poder pessoal tem contribuído negativamente para a história da Igreja. Posições doutrinárias tais como o purgatório e o fogo eterno do inferno deram aos clérigos medievais grande poder sobre um grupo que, de modo geral, era ignorante. Esses e outros ensinamentos similares, baseados no temor, serviram para construir as estruturas coercitivas desejadas por uma Igreja fundamentada no gerenciamento. A história da Igreja ilustra a tendência para implantar métodos de administração eclesiástica baseados no controle, o tipo que marginaliza o indivíduo, a pessoa, que é um bloco vital na construção da igreja viva mencionada por Pedro.
Modelo espiritual
A liderança no contexto de uma igreja baseada no Espírito difere do modelo corporativo. Para que seja mantida a diferença entre os dois aspectos, é necessário o exercício de cuidado intencional pelo ser humano. O modelo corporativo, mesmo o tipo mais amoroso e cuidadoso, permanece embebido no ambiente de controle. A igreja, que, nesse caso, não deve ser confundida com a estrutura institucional da denominação, opera fora dos parâmetros da estrutura corporativa. Foi nascida do Espírito Santo e existe em grande parte como um meio de influenciar o espírito humano.
Jesus chama Seus seguidores para um relacionamento de transformação que demanda o abandono de muitas coisas. O processo de transformar os discípulos foi caracterizado pela simples disposição deles para seguir o Mestre e aprender. Jesus nutriu seu espírito humano através de um relacionamento íntimo. Eles O seguiram espontaneamente, experimentaram a transformação e, então, foram capacitados pelo Espírito Santo a liderar no contexto de um corpo igualmente chamado e capacitado. Cristo liderou, não gerenciou, Seus discípulos.
E fez mais: ensinou os discípulos a serem líderes, em vez de gerentes. A disposição de Pedro para lançar mão da espada (Mat. 26:51), o relato de João sobre a proibição que ele e os outros discípulos impuseram ao homem que expulsava demônios em nome de Jesus (Mar. 9:38) e a atitude de impedirem que as crianças se aproximassem do Mestre (Luc. 18:16) são fatos que sugerem controle coercitivo como algo natural entre os discípulos. Mas, em cada um desses exemplos, Cristo apontou um curso diferente. Era preciso ter o coração transformado, a fim de que abandonassem a mentalidade reguladora e adotassem um modelo de liderança baseada na comunidade.
Liderança espiritual tem uma profunda dependência de quem é o líder, em oposição ao que ele faz. A palavra-chave é “caráter”. Embora a relação de gerenciamento às vezes possa tratar o caráter como item secundário, contanto que a conformidade e a produtividade sejam conseguidas, a liderança espiritual não pode acontecer sem um caráter semelhante ao de Cristo. Na ausência de caráter transformado, o comportamento administrativo se resume a dar ordens e controlar. Isso pode até funcionar em uma instituição secular, mas não na igreja.
O Espírito Santo provê cada membro do corpo com o que é necessário a fim de participar no processo de liderança eclesiástica. Embora nosso modelo comum de liderança enfatize uma pessoa, ou no máximo leve algumas pessoas em conta, o modelo espiritual destaca a liderança como função de uma comunidade cheia do Espírito, com cada membro transformado e capacitado para contribuir com o processo.
A função do líder (administrador, departamental, pastor, etc.) é uma parte importante no processo de liderança, mas é apenas uma parte do grande todo. O modelo de gerenciamento está tão enraizado em nossos conceitos de liderança, que é difícil separar em nossa mente o legislador ou líder individual e aceitar o incrível conceito de liderança inclusiva do Novo Testamento.
Em geral, a liderança requer a fusão de dois elementos básicos: 1) relacionamento de compromisso com uma ou mais pessoas e 2) competências necessárias para o cumprimento da missão. A liderança espiritual é marcada pelo seguinte: 1) relacionamento de compromisso governado pelo fruto do Espírito e 2) competências partilhadas pelo Espírito Santo a fim de equipar a igreja para o serviço efetivo.
Fruto do Espírito
A transformação espiritual do caráter cristão é evidenciada pelo fruto do Espírito: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gál. 5:22 e 23). Essas qualidades de caráter, ou comportamentais, são combinadas com as competências ou dons escolhidos e distribuídos pelo Espírito, os quais provêem os meios pelos quais a pessoa transformada contribui para a missão da Igreja e o funcionamento total e harmonioso do corpo.
O fruto do Espírito toma-se um padrão pelo qual todo comportamento da liderança cristã é medido. Líderes espirituais, cuja vocação está sendo praticada em um contexto de gerenciamento, são advertidos pela Palavra de Deus a administrar de modo consistente com as virtudes do Espírito, mesmo quando têm de tratar questões disciplinares. Nunca existirá uma situação que permita ao líder espiritual desconsiderar a expectativa de servir conforme os padrões comportamentais descritos como “fruto do Espírito”.
Da mesma forma como acontece com os dons espirituais, que são distribuídos entre os membros do corpo de Cristo, tendo em vista a capacitação de todos os crentes, o fruto do Espírito em sua plenitude é o padrão para todo aquele que participa no processo de liderança. A saúde relacionai do corpo é mantida através da consistente demonstração dessas qualidades.
Todos os frutos são relacionais em sua natureza e brotam de um coração transformado. Esse princípio já foi codificado por Jesus Cristo: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mat. 22:37-39).
Comportamento amoroso, como demonstrado através do fruto do Espírito, não é uma opção para o líder espiritual; é uma expectação. Nenhuma circunstância justifica que as atitudes identificadas no fruto do Espírito sejam descartadas, nem mesmo temporariamente. Repito, um comportamento amoroso, mesmo sob as circunstâncias mais adversas, identifica o caráter transformado do líder cristão.
Líderes-servos
O pastor é chamado para a liderança espiritual na mesma base com que são chamados os membros: 1) um caráter transformado, que demonstra o fruto do Espírito e 2) dons específicos de liderança que lhe permitem dar uma contribuição efetiva ao crescimento e sucesso da igreja. Os dois os aspectos têm sua fonte na obra graciosa do Espírito Santo. Em virtude de que o “eu” é descartado no processo de transformação, o foco do pastor está centralizado nos outros, ao invés de em si mesmo. O caráter do seu ministério na igreja espelha o modelo de Cristo em Seu relacionamento com os discípulos.
Como padrão de liderança espiritual, Jesus demonstrou uma vida que nutriu e moldou Seus seguidores em uma comunidade de líderes espirituais. Seu serviço nunca foi dirigido a Si mesmo. Em lugar disso, Ele demonstrava compassivo amor por todas as pessoas sob Seus cuidados. Não é sem razão que Jesus chama pastores, hoje, a desempenhar o mesmo papel de líderes-servos. O pastor disponibiliza os dois aspectos da liderança espiritual aos membros de sua congregação, ajudando-os no processo de transformação de caráter que, por sua vez, leva a claras demonstrações do fruto do Espírito e à implementação dos dons conferidos por Ele a cada crente. Através do seu ministério, o pastor encoraja a contínua transformação e preparação da igreja no processo inclusivo de liderança espiritual comum.
Em suma, liderança espiritual é algo que diz respeito à participação em um processo de mudança, com os que foram chamados para o serviço do Mestre. Contribui para esse processo de um modo que atrai as pessoas à comunidade de fé e lhes assiste em sua assimilação pelo corpo simbólico de Cristo. Capacita outros crentes a tomarem o manto da liderança espiritual e unirem-se no processo de construção do reino de Deus. Sim, liderança espiritual faz de uma pessoa um “paracleto” agindo em parceria com o Espírito, que está construindo uma comunidade global de líderes espirituais, não apenas gerentes.
Referências:
1 J. Thomas Wren, The Leaders Companion (Nova York: The Free Press, 1990), pág. 114.
2 D. R. Wood e I. H. Marshall, New Bible Dictionary, 3a ed. (Downers Grove, 111: InterVarsity Press, 1996).
3 Russ S. Moxley, Leadership and Spirit (San Francisco: Jossay-Bass, 2000), págs. 51, 58 e 100.
Stanley E. Patterson, Secretário ministerial associado na Associação Geórgia-Cumberland, Estados Unidos