À semelhança de outros trabalhadores, o ministro evangélico é constantemente submetido a estímulos externos e internos, acumulando-os gradativamente. Essa retenção causa um acúmulo no aparelho psíquico, podendo produzir uma carga de sentimentos de desprazer e tensão. Assim, especialmente nessa atividade vocacional, há necessidade de se encontrar vias de descarga, sendo a psíquica uma das mais importantes.1
Psicodinâmica do trabalho
A abordagem da psicodinâmica do trabalho tem como núcleo a relação entre o sujeito e a organização do trabalho, e como essa relação pode determinar o prazer ou o sofrimento psíquico.2
Se o trabalhador dispõe de liberdade e de autonomia sobre sua tarefa, tende a realizar-se ao cumpri-la e ser revitalizado por ela. Nessas situações, o trabalho geralmente oferece vias de descarga mais adaptadas às suas necessidades, favorecendo sua homeostasia. Esse tipo de atividade é denominado pela psicodinâmica do trabalho como um trabalho equilibrante.
Em contrapartida, quando em determinada atividade não existe a possibilidade de utilização da via de descarga psíquica, a energia pulsional acaba por acumular-se, passando a ser uma fonte de sofrimento, tensão e desprazer. Assim, a relação homem-organização do trabalho fica dificultada, e o sofrimento, antes ocasional, torna-se dominante.3
Por essa razão, é fundamental compreender a maneira como se elaboram os dois lados da organização do trabalho, isto é, aquele que é fonte de sofrimento e o que é fonte de prazer. Tal análise é indispensável para se tentar uma interpretação mais específica dos laços entre trabalho e saúde e, também, para se encontrar alternativas satisfatórias.
Trabalho e sofrimento
Os líderes religiosos são especialmente afetados pelas pressões do cotidiano. Diversos autores têm suscitado discussões que envolvem a saúde física e emocional dos pastores. Embora trabalhem para uma instituição religiosa, as incertezas, os medos e as angústias presentes em seu espaço de trabalho, e até o desenvolvimento de algumas doenças, aproximam os ministros cada vez mais de outros trabalhadores de contextos diferentes.4
Uma vez que o ministério é geralmente reconhecido como uma atividade estressante, sua natureza intrapessoal não apenas proporciona oportunidade para alegre intercâmbio com outras pessoas, como também acarreta ocasiões de lutas e tristezas. Apresentar-se diante de um público cada vez mais exigente, liderar administrativamente um número crescente de igrejas, atender aos doentes e enlutados, obrigar-se a ter um exemplo de família ajustada – tudo isso contribui para o estresse. Por isso, conhecer os próprios limites e contar com um acompanhamento emocional adequado é vital para um ministério eficaz.5
Uma reflexão sobre as tensões emocionais que cercam o trabalho pastoral
Um estudo apresentado no Guia para Ministros Adventistas do Sétimo Dia mostrou que 75% dos pastores vivenciaram períodos de grande esgotamento, caracterizados por um conjunto de reações físicas, emocionais e mentais resultante de reiterada agitação emocional derivada do constante envolvimento com as questões espirituais das pessoas. O pastor, de modo geral, tem mais coisas para fazer do que é capaz, pois se espera que seja habilidoso em um maior número de áreas do que lhe é possível. Além de ter menos recreação do que a maioria das pessoas, o ministro fica entre as expectativas de sua congregação e de sua liderança administrativa e, infelizmente, tais expectativas nem sempre coincidem. No fim, tal situação provoca um efeito ampulheta, levando o pastor a se sentir pressionado de todos os lados.6
Alguns textos da Bíblia confirmam essa tendência para a dor e o sofrimento no exercício do ministério (At 9:15-16; Rm 5:3-5; 8:35-39). Contudo, não parece coerente que se deixe o pastor a mercê dessa amargura, sem um alento que o motive a continuar inspirado na execução resiliente de sua vocação.
Trabalho e prazer
Por outro lado, estudiosos também se referem às experiências de prazer vivenciadas por muitos ministros no convívio alegre com a família e suas igrejas; na valorização e no reconhecimento de seu trabalho; no cumprimento da missão em transformar vidas; em ajudar os casais em seu relacionamento conjugal; em ver sua igreja crescendo em dons e atividades espirituais e em seus dias de folga bem aproveitados.7
Pastores adventistas, por exemplo, são incentivados a usar as manhãs para estudar. Além disso, recebem auxílios que lhes permitem uma vida digna. Muitos deles, em função de suas habilidades, recebem bolsas de estudos em cursos de pós-graduação, para que ampliem sua esfera de utilidade na igreja.
Diferentemente de outras denominações, na Igreja Adventista há equidade em relação aos salários, que são pagos de acordo com uma escala padrão. Assim, não existe diferença significativa entre a remuneração do pastor geral de determinada Associação e o salário do pastor da igreja mais humilde de seu Campo, desde que estejam com a mesma pontuação na escala. Os líderes espirituais dos pastores, os secretários ministeriais, são orientados a fornecer-lhes importantes serviços, tais como visita pastoral, aconselhamento e assistência espiritual.
Ellen White, cofundadora da Igreja Adventista, defendia a ideia de que a recreação é necessária aos que se acham ocupados em esforços físicos e, mais ainda, àqueles cujo trabalho é especialmente mental. Ela dizia que manter a mente em contínuo e excessivo trabalho, mesmo sobre temas religiosos, não agrada a Deus. Além disso, a autora destacava que é privilégio e dever de todo ministro procurar revigorar a mente e fortalecer o corpo por meio de boas recreações.8
O mosaico de alegrias, consolações e desafios observado neste artigo também pode ser encontrado nos alertas do apóstolo Paulo aos seus discípulos Tito e Timóteo (Ef 4:10-13; 1Tm 6:11-12; Tt 2:7-8).
Parece claro que cuidar da igreja de Deus e lidar constantemente com o pecado das pessoas é um ofício que envolve o pastor em circunstâncias muitas vezes estressantes. Assim, o ministério contemporâneo proporciona o alegre intercâmbio com outras pessoas, mas também ocasiões de lutas, decepções e tristezas.
Acompanhamento psicológico
Muitos pastores que estão se afundando nas profundezas do mar do desânimo ou saindo do ministério por variadas razões poderiam ser resgatados ou ter seu sofrimento atenuado se pudessem ser ajudados, em seu ministério e em suas relações de trabalho, por um acompanhamento psicológico adequado.
Para Hernandes Dias Lopes, há pastores emocionalmente doentes no ministério. Entre eles, muitos deveriam estar sendo pastoreados, mas estão pastoreando. Infelizmente, esse é um sofrimento comum a muitos. Além disso, a solidão e a própria natureza do ministério pastoral podem impedir o pastor de compartilhar seus desafios, suas dores e lutas, mesmo com alguém que tenha bagagem suficiente para ajudá-lo como amigo ou conselheiro.9
Uma pesquisa feita por Francisco Lotufo Neto mostra que há grande índice de doenças mentais entre pastores protestantes, se comparados à população mundial.10 Pérsio Ribeiro Gomes de Deus, ao pesquisar sobre a incidência de depressão entre pastores evangélicos, constatou que, em sua amostra de estudo, 26% do total de pacientes atendidos eram ministros protestantes. Quanto às causas do adoecimento deles, alguns relacionaram sua doença ao estresse do exercício da vida pastoral, aos problemas de relacionamento conjugal, ao pecado e à falta de fé.11
Uma pesquisa feita com pastores adventistas revela certa similaridade com os resultados dos estudos mencionados.12 As pressões identificadas interferem na vida emocional do ministro de tal maneira que, sem ajuda psicológica, ele tende a comprometer sua saúde física e psíquica, prejudicando, consequentemente, suas funções ministeriais.
Em resumo, os depoimentos dos pastores apontam como elementos de prazer em sua atividade pastoral a valorização e o reconhecimento da igreja por seu trabalho, a conversão de pessoas, as famílias auxiliadas, as manhãs livres para estudo e os concílios de família. Por outro lado, o olhar dos ministros revela que são comuns as diversas vivências de sofrimento, como a sensação de despreparo, a impotência diante das demandas complexas do trabalho, a sobrecarga de atividades, o intenso desgaste físico e psíquico e, especialmente, a falta de um acompanhamento psicológico no desempenho da função.13
O frequente trabalho com as adversidades psicossociais da igreja e da comunidade, as exigências morais por todos os lados e a dedicação exclusiva ao ministério proporcionam tremenda carga psíquica ao pastor. É preciso entender que a religião é um campo complexo de atividade para qualquer profissional. Por isso, a denominação, o psicólogo cristão, a família, os amigos e o próprio ministro têm importantes papéis nesse processo, pois os pastores são labaredas de fogo e vasos escolhidos para preservar e levar o nome de Cristo, sob quaisquer circunstâncias, perante todas as pessoas (Sl 104:3-4;
Pv 27:23-24; At 9:15-16).
Referências
- 1 Christophe Dejours, Dominique Dessors e François Desriaux. “Por um trabalho, fator de equilíbrio”, Revista Administração de Empresas, v. 33, n. 3, p. 98-104.
- 2 Christophe Dejours, A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho (São Paulo, SP: Cortez, 1992).
- 3 Ibid.
- 4 Ibid.
- 5 Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, Guia para Ministros Adventistas do Sétimo Dia (Tatuí, SP: CPB, 2010),
p. 27, 28. - 6 Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, Guia para Ministros (Tatuí, SP: CPB, 1995), p. 37
- 7 Mike Murdock, O Ministro Fora do Comum (Rio de Janeiro, RJ: Central Gospel, 2007); Samuel Costa, Psicologia Pastoral (Rio de Janeiro, RJ: edição do autor, 2005); J. MacArthur, Ministério Pastoral (Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2007).
- 8 Ellen G. White, Ministério Pastoral (Tatuí, SP: CPB, 2015).
- 9 Hernandes Dias Lopes, De Pastor a Pastor (São Paulo, SP: Hagnos, 2010).
- 10 Francisco Lotufo Neto, Psiquiatria e Religião: A Prevalência de Transtornos Mentais entre Ministros Religiosos (tese de livre-docência). Faculdade de Medicina da USP, 1996.
- 11 Pérsio Ribeiro Gomes de Deus, “Um Estudo da Depressão em Pastores Protestantes”, Ciências da Religião – História e Sociedade, v. 7, n. 1, p. 189-202.
- 12 Felipe Mancilha Gondim, Fabiano Andrade Lyra e Luiz Carlos Lisboa Gondim, “Vivências de Prazer e Sofrimento no Trabalho de Líderes Religiosos: Um Estudo com Pastores da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, Revista Brasileira de Psicologia, v. 3,
n. 1, p. 173-188 - 13 Ibid.