Uma das mais importantes extensões dos esforços evangelísticos é a obra de educação em evangelismo. Não compreender o alvo central da educação teológica para o ministério pode ser uma tragédia no treinamento ministerial. Da experiência de três grandes evangelistas do século 19, e a extensão do seu ministério através do treinamento ministerial nas escolas por eles iniciadas, podemos tirar importantes lições para hoje.

Charles Finney (1791-1875)

Entre os anos 1857 e 1858, mais de cem mil pessoas foram ganhas para Cristo, pelo trabalho direto e indireto de Finney.2 Em Boston, 50 mil fizeram compromisso de fé em apenas uma semana.3

Muitos dos seus conversos estavam desejosos de ingressar no ministério, e ele percebeu a necessidade de treinamento. Mas, por se recusar a submeter-se à influência da educação teológica tradicional do seu tempo, com profunda convicção, abandonou seu pastora-do em Nova York e aceitou o chamado para lecionar teologia em Oberlin.Seu alvo principal era treinar um exército de evangelistas e, para isso, insistia em que o treinamento ministerial de-veria abranger o ensino de teologia. Os alunos eram enviados a ministrar nas igrejas vizinhas e a conduzir pregações evangelísticas onde fossem solicitados.

Outra força da metodologia de Finney era o relacionamento de alunos com professores. Sua afinidade com o corpo discente era calorosa e pessoal. A vida espiritual e devocional dos alunos era motivo de preocupação de seus professores, que os visitavam nos quartos para conversação religiosa e oração.5

Charles H. Spurgeon (1834-1892)

Enquanto Finney colhia grandes resultados de seu trabalho nos Estados Unidos, outro gigante do evangelismo, Charles Spurgeon, causava inpacto na Inglaterra. Quando faleceu, sua congregação no Metropolitan Tabernacle, em Londres, era a maior congregação independente do mundo.6

Autodidata, acabou sendo um dos homens mais instruídos do seu tempo.Sua filosofia de treinamento pastoral diferia dos demais seminários, e resolveu estabelecer um novo padrão: educação para evangelismo. Para ele, os seminários que deixavam os homens em dúvida acerca da inspiração e autoridade das Escrituras eram inúteis. Observou que, em muitas escolas, os estudantes não eram preparados para o ministério prático. Aprendiam tudo, exceto o que deveriam aprender – a arte de ganhar almas.8

O processo começou em 1856, quando um jovem converso chamado Medhurst começou a freqüentar cada semana a casa de Spurgeon para receber várias horas de instrução teológica. Em 1857, surgiu outro estudante. Pouco tempo depois, já eram oito, 20, e, finalmente, 100 alunos, que recebiam um curso de dois anos no que chegou a ser conhecido como Pastors College.9 Mais tarde, Spurgeon declarou: “esta é a obra da minha vida, à qual creio Deus me chamou e que preciso realizar. Pregar o evangelho e treinar outros a fazê-lo é o alvo e o objetivo da minha vida.”10

Desde o início o desígnio do Pastors College era “treinar evangelistas, e não formar eruditos”.11 Por outro lado, “para serem pregadores eficazes, devem ser teólogos autênticos”,12 repetia Spurgeon aos alunos. Tendo em vista esse objetivo, além das aulas teóricas, os estudantes participavam de cruzadas evangelísticas, visitação de casa em casa, pregação e Colportagem.13

Dwight L. Moody (1837-1899)

A principal figura do evangelismo urbano foi Dwight Moody. O Dr. A. T. Pierson estima que Moody tenha falado a aproximadamente 100 milhões de pessoas em todo o seu ministério.14 Conclamando as pessoas ao arrependimento e à aceitação de Cristo como Salvador, sua mensagem tocava a alma das massas urbanas.15 Sua teologia era simplista e limitada. Mas o elemento comum era a paixão pelas almas. Quanto mais avançava a sua obra evangelística, mais ele percebia a necessidade de treinar outros para o trabalho. Como Spurgeon, Moody teve pouca educação formal; porém, muitos o consideravam um dos homens mais educados de seu país.16 Ellen White o classifica como homem de grande talento.17

Dedicado à carreira evangelística, Moody convenceu-se de que a única esperança para um despertamento reli­gioso nacional estava numa multiplica­ ção de obreiros cristãos que pudessem levar o fogo do avivamento às suas co­munidades. “É melhor colocar dez homens no trabalho do que trabalhar por dez homens”, dizia.18

Foi na primavera de 1879 que ele lançou a pedra fundamental do prédio de aulas do Northfield Seminary, para moças, em Chicago. Moddy adaptou alguns cômodos de sua própria casa e a aula inaugural foi dada na sala de jan­ tar, em 3 de novembro de 1879, para 25 alunas. Logo, ele fundou o Mount Hermon School, para moços, e deu o passo mais importante ao estabelecer uma escola orientada para o evangelis- mo urbano, o Chicago lnstitute, hoje Moody Bible lnstitute.19

A Bíblia era o fundamento do currí­culo escolar. Além de aulas teóricas, ele insistia no treinamento prático para o ministério. Alunos eram designa­ dos regularmente a lugares onde pode­ riam desenvolver suas habilidades. As­ sim, os estudantes eram engajados no evangelismo pessoal, distribuição de li­teratura, testemunhos em hospitais, prisões e na rua.20

Teologia e evangelismo

De acordo com esses exemplos e com sua natureza e propósito, os con­ceitos de evangelismo e teologia devem se apoiar mutuamente. Empreender esforço evangelístico sem possuir conhe­cimento de teologia poderá ser desas­troso para o cristianismo.21

Segundo Finney já detectara, “há um grande defeito na educação de mi­nistros. A educação deve ser tal que prepare os jovens para o trabalho espe­cífico ao qual eles estão destinados… eles dirigem a mente em assuntos irre­levantes… e assim os estudantes tornam-se frios em religião”.22

Era por causa disso que Spurgeon di­vergia do ensino convencional predominante, combatendo o que denominou “idolatria do intelecto”. Em sua época, havia exagerado destaque ao prestígio acadêmico e à respeitabilida­de cultural. Muitos demonstravam ga­nância por alcançar diplomas universi­tários em prejuízo da verdadeira finali­dade ministerial.

Na Igreja Adventista

A primeira escola financiada pelos adventistas abriu suas portas em Battle Creek, em 1872. Doze alunos assistiam às aulas ministradas por Goodloe Bell. Em 1874, essa escola tomou-se o Battle Creek College, tendo como diretor Sidney Browsberger. Seguindo o modelo de então, os estudantes gastavam de quatro a seis anos no estudo de grego e latim, para obter o grau de bacharelado.23

Em 1893, Ellen White foi para a Austrália, onde pôde influenciar o desenvolvimento da Escola de Avondale para obreiros cristãos, com ênfase no espiritual, no programa de trabalho/estudos e orientação para serviços comu­nitários. Esse modelo foi adotado por outras escolas adventistas em todo o mundo. Da Austrália, em 1904, a Sra. White advertia contra certas “escolas mundanas” e seus programas educacio­nais. 24 Recomendava que o trabalho missionário deveria ser a mais elevada disciplina. “Se a escola de Avondale tornar-se um dia o que o Senhor está procurando que seja, o esforço missio­nário dos professores e estudantes dará fruto. Tanto na escola como fora, súdi­tos bem dispostos serão levados à obe­diência a Deus”,’ disse ela.

Enquanto isso, seguindo o modelo de Avondale, E. A. Shutherland e Percy Magan estabeleceram, nos Esta- dos Unidos, escolas tais como o Washington Missionary College, e o Emmanuel Missionary College, atual Univer­sidade Andrews. Em 1939, o seminá­rio da Andrews incluiu a matéria de evangelismo público em seu currícu­lo, designando o evangelista J. L. Schuler como professor e coordena­ dor das cruzadas com a participação de estudantes.26

Assim, como bem coloca George Knight, há um paralelo entre a explo­ são no número de missões adventistas em todas as partes do mundo e o reavi­ vamento da educação. A abertura do primeiro colégio em Battle Creek e o envio dos primeiros missionários acon­ teceram em 1874.2′ E isso não foi coin­ cidência. O propósito do colégio de Battle Creek era treinar para o serviço missionário nos Estados Unidos e nos campos estrangeiros. A grande motivação da educação residia na missão. In- quietações sobre como escapar do darwinismo e do ceticismo eram insignifi­cantes. A escola não deveria ser apenas um refúgio para a juventude, mas um centro de evangelismo dinâmico, para enviar milhares de vozes ao mundo.

O modelo bíblico de educação teológica encontra-se nas escolas dos profetas, organizadas por Samuel. E um dos seus propósitos era servir como uma bar­reira contra a corrupção do mundo e proteção para a juventude. Esse era, no entanto, um propósito secundário. Sua primeira obra era produzir um ministé­rio profético. De lá saíram grandes escri­tores como Oséias, Jeremias, Isaías, e grandes profetas como Daniel. Os que se graduavam nessas escolas eram chama­ dos “filhos de profetas”; porém, a maio­ ria deles nunca se tomou conhecida.

Classe evangelística

Tal visão evangelística depende largamente do compromisso pessoal e dedicação dos professores. Como expressou Roy A. Anderson, a menos que o fogo do evangelismo arda no altar do coração de cada professor, não acenderá a mesma chama no coração dos estudantes.28

“Deus está interessado em cada matéria que ensinamos. Ele é o Autor da ciência. Ele percorre o Universo em precisão matemática. Ele habita em meio à harmonia da música e das artes. E Ele está interessado em nossa história e em nossos cursos de línguas, pois toda história é Sua história, enquanto as línguas são um eco articulado da voz que chamou o Universo à existência.”29 Deus está tão interessado na ciência quanto nas classes bíblicas.

Esta é a filosofia educacional de Ellen White: “Caso seja animado o espírito missionário, mesmo que isso tome algumas horas do programa regular de estudo, serão derramadas muitas bênçãos celestes… o verdadeiro objetivo da educação é habilitar homens e mulheres para o serviço… nossas escolas foram estabelecidas pelo Senhor; e caso sejam dirigidas em harmonia com Seus desígnios, os jovens a elas enviados preparar-se-ão prontamente para empenhar-se nos vários ramos da obra missionária.”30

Cada professor um evangelista

O modelo bíblico para o professor pode ser encontrado na vida do profeta

Eliseu. E a razão é que “fielmente, incansavelmente, através de seu longo e eficaz labor, Eliseu esforçou-se por nutrir e fazer avançar a importante obra educacional conduzida pelas escolas dos profetas”.31 Em vários momentos, nós o encontramos rodeado de fervorosos grupos de jovens, dando instruções e operando milagres. O incidente que neutralizou a “morte na panela” (II Reis 4:38-44) foi operado por ocasião de uma de suas visitas a essas escolas. Eliseu era um professor que se misturava aos alunos não apenas na sala de aula. Em II Reis 6:1 e 2, nós o encontramos participando de atividades fora do campus, junto com os alunos, “encorajando-os com sua presença, dando-lhes instruções e mesmo realizando um milagre para ajudá-los”.32 Nessa situação, ele fez flutuar o machado que o aluno deixara cair no rio.

De certa forma, Ellen White confirma o modelo educacional do Oberlin College, do Pastors College e do Instituto Bíblico de Moody, ao sugerir que os alunos necessitam mais do que a mecânica da mensagem. Eles precisam da dinâmica da mensagem: “Professores, ide com os vossos alunos… Consagrem os professores de nossas escolas o domingo a trabalhos missionários. Levem eles consigo os alunos a celebrar reuniões pelos que não conhecem a verdade.”33

Teoria e prática

Cada um dos evangelistas mencionados deu sua contribuição em termos de metodologia no treinamento evangelístico. Charles Finney ajudou a estabelecer a metodologia do moderno reavivalismo e demonstrou que o intelectualismo e o evangelismo podem andar juntos. Charles Spurgeon foi o mais influente no desenvolvimento do evangelismo pastoral. Centenas de talentosos pastores no século 19 dedicaram-se à obra pastoral de ganhar almas. Dwight Moody é considerado o iniciador do uso da equipe evangelística. Através dessa metodologia, ele demonstrou que a organização, consolidação e a comunicação de massa, combinada com uma simples mensagem bíblica, pode ser usada eficazmente no evangelismo.34

Todos eles influenciaram as gerações de evangelistas, que vieram depois deles, pastores e missionários, através do treinamento evangelístico em escolas orientadas para a missão. Não é à toa que o início da educação adventista es

tá relacionado à explosão do número de missões em todas as partes do mundo. As escolas não apenas supriam obreiros evangelísticos e institucionais para os empreendimentos missiológicos, mas as novas missões logo estabeleciam suas próprias instituições educacionais. Nos anos 1890, o reavivamento da educação está relacionado com as missões.

Hoje, o mundo está carente de líderes espirituais. Esses líderes sairão das modernas escolas de profetas. Que Deus nos capacite na responsabilidade de modelar esses mensageiros, inspirando os futuros evangelistas e treinando as vozes daqueles que levarão a mensagem do advento a todo o mundo, no espírito e poder de Elias.

Referências:

  • 1. C. H. Spurgeon, Um Ministério Ideal (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990), pág. 8.
  • 2. Orlando Boyer, Heróis da Fé (Rio de Janeiro: CPAD, 1985), pág. 126.
  • 3. Ibidem, pág. 125.
  • 4. V. Raymond Edman, Despertamento: A Ciência de Um Milagre (Belo Horizonte, MG: Betânia, 1980), pág. 45.
  • 5. Charles Finney, Lectures on Revivais of Religion (Ober-lin: E. J. Goedrich, 1897), pág. 21.
  • 6. P. S. Kruppa, C. H. Spurgeon, A Preachers Progress (Tese doutorai, Columbia University), pág. 3.
  • 7. Orlando Boyer, Op. Cit., pág. 8.
  • 8. C. H. Spurgeon, O Conquistador de Almas )São Pau-lo: Associação Religiosa Imprensa da Fé, 1978), págs. 97 e 98.
  • 9. Ibidem, pág. 8.
  • 10. Vasili F. Talpos, The Importance of Evangelism in Ministerial Training, (Tese doutorai, Columbia University), pág. 3.
  • 11. Ibidem, pág. 135.
  • 12. C. H. Spurgeon, O Conquistador de Almas, pág. 9.
  • 13. Ibidem, pág. 140.
  • 14. Vasili Talpos, Op. Cit., pág. 186.
  • 15. Justo Gonzalez, A Era dos Novos Horizontes, (São Paulo: Vida Nova, 1983), vol. 9, pág. 45.
  • 16. Ibidem, pág. 187.
  • 17. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 134.
  • 18. Vasili Talpos, Op. Cit., pág. 182.
  • 19. Boanerges Ribeiro, Seara em Fogo (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1979), págs. 134 e 135.
  • 20. Vasili Talpos, Op. Cit., págs. 206 e 207.
  • 21. Autrey, A Teologia do Evangelismo (Rio de Janeiro: Juerp, 1986), pág. 14.
  • 22. Finney in Vasili Talpos, Op. Cit., pág. 73.
  • 23. George Knight, Antecipating the Advent: A Brief History of SDA (Boise Idaho: Pacific Press, 1993), pág. 63.
  • 24. Borge Schantz, Development of S.D.A. Missionary Thought (Tese doutorai, Seminário Teológico Fuller), págs. 552 e 553.
  • 25. Ellen G. White, Conselhos Sobre Educação, págs. 189 e 190.
  • 26. Howard B. Weeks, Adventist Evangelism in the 20ºCentury (Hargerstown, MD, Review and Herald, 1970), pág. 186.
  • 27. George Knight, The Fat Lady and Kingdon (Pacific Press, 1995), págs. 103 e 104.
  • 28. Roy A. Anderson, Report of Evangelistical Council and Ministerial Association Meetings, pág. 169.29. Ibidem.
  • 30. Ellen G. White, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 496.
  • 31. Ellen G. White, Profetas e Reis, pág. 223.
  • 32. Ibidem, pág. 254.
  • 33. Ellen G. White, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 500.