O que levou um pastor a deixar sua igreja e fundar um ministério independente? Por que final mente ele resolveu retornar à ocupação da igreja?

Deixei o pastorado da Igreja Adventista do Sétimo Dia determinado a reformar a igreja. Dei início ao meu próprio ministério independente com a costumeira circulação de cassetes e panfletos, atacando o que eu considerava abusos da igreja.

Por que deixei, você pode perguntar, e por que abandonei a senda do autoproclamado reformador para retornar ao ministério pastoral adventista?

Como poderia eu, nascido em um lar cristão, descendente de um dos fundadores da Igreja Adventista e ministro ordenado, rebelar-me contra irmãos com os quais trabalhei por décadas?

O sábio Salomão declarou: “Todos os caminhos do homem são limpos aos seus olhos, mas o Senhor pesa os espíritos” (Prov. 16:2) — os pensamentos e intenções do coração. Muitas vezes citei que “há caminho que ao homem parece direito” (Prov. 14:12), mas deixei de aplicar isso ao meu próprio caso. E que ministro não conhece o apelo de Isaías ao arrependimento: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos… porque os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os Meus caminhos, diz o Senhor” (Isaías 55:7 e 8)?

Enquanto aplicava estes textos a minha congregação, eu deixava de aplicá-los a mim mesmo. Esta é a natureza do preconceito: deixamos de ver em nós mesmos o que vemos de maneira tão clara nos outros. A admoestação: “Todos os seus atalaias são cegos, nada sabem; todos são cães mudos, não podem ladrar… eles são pastores que nada compreendem” (Isaías 56:10 e 11) era aplicada a meus colegas de ministério que eu sentia claramente não serem tão fervorosos em sua pregação quanto eu.

Onde começa tal senso de justiça própria? Originalmente ele começou na mente de Lúcifer, que o transmitiu a Adão e Eva, os quais, por sua vez o transferiram para as gerações seguintes até cada um de nós que vivemos hoje.

As raízes de meu preconceito

Nascido na Califórnia e criado no nordeste do Pacífico, cresci com a crença de que tinha os melhores pais, pertencia à maior nação sobre a Terra, recebi a mais fina educação cristã, era um verdadeiro membro da igreja remanescente, tinha fé inabalável no Espírito de Profecia e não tinha nenhum preconceito contra outros grupos étnicos.

No começo do meu ministério, cegado por meu fanatismo, eu nutria idéias preconcebidas com relação a várias pessoas, raças e religiões. É surpreendente que eu ministrasse bem o que fazia.

Os conflitos íntimos encontravam expressão crescente em minha pregação. Eu martelava em casa a necessidade de reforma da igreja, desafiando o pobre e fatigado rebanho de Deus a subir cada vez mais alto, de maneira que pudesse encontrar a paz interior e a aceitação de Deus que eu buscava de maneira tão desesperada.

Temendo admitir estas frustrações, eu não ousava revelar a existência de sentimentos de culpa e insuficiência que me afligiam. Reconhecer abertamente tais temores poderia custar meu emprego. Eu era um ministro cuja imagem devia ser preservada. Supunha-se que eu tinha todas as respostas.

Cria eu que o pastor devia ser embaixador de Deus — um exemplo em todas as coisas, que mantivesse elevadas as normas de integridade. Supunha-se que o pastor devia amar a todos, sem levar em conta raça ou classe social; aqueles que o apoiavam, bem como os que a ele se opunham. Ele devia ser honrado e respeitado por todos e apresentar um exemplo de vida firme em Deus.

Acreditava naqueles ideais que, embora considerados como pequenos, eu os praticava. A pergunta que me perseguia, era: Como poderia apresentar a minha congregação alguma coisa que eu não era?

Transferência

Embora não fosse reconhecido como tal na ocasião, eu praticava o que os psicólogos chamam de “transferência”. Os temores e culpas internos eram transferidos para os membros da igreja e o corpo organizado. Isto me trazia uma estranha espécie de paz, pois eu não mais necessitava lidar com o problema; os problemas ficavam com a igreja: eles eram culpados diante de Deus. Por isso, eles deviam reformar-se. Eles deviam mudar. Enquanto eu falava contra a igreja não precisava lidar comigo mesmo.

Como eu gostaria de ter entendido a exortação seguinte: “Surgirão continuamente coisas que causem desunião, afastem da verdade. Esse questionar, criticar, acusar, julgar a outros, não é prova da graça de Cristo no coração. Não produz unidade. Tal obra tem sido desenvolvida no passado por pessoas que professavam ter maravilhoso esclarecimento, quando se achavam afundadas no pecado.”1

Assim era eu! Exigiu muito conflito e o passar dos anos, o reconhecer este fato. De muitas maneiras maravilhosas, meu Pai celestial me tem revelado tais coisas.

Falhas do ministério

Meu ministério não tinha senão cinco anos, quando o véu caiu. Diante da opção de tomar uma licença ou ser interrompido, escolhi a licença. Quando um túnel de trevas sepultou minha família, vivi o horror de que eu existia apenas para censurar. A separação do ministério pastoral parecia tão somente alimentar a frustração. Eu acreditara, desde os 18 anos de idade, que Deus me havia chamado para o ministério evangélico; agora, porém, punha em dúvida este chamado.

Amargura, rejeição, culpa, solidão e fracasso pareciam ter feito um concerto permanecer comigo, contagiando minha esposa e filhos, bem como a mim mesmo. Eu, porém, estava decidido a aprender daquela experiência, por dolorosa que ela fosse. Passaram-se dois anos de sofrimento e busca antes que eu me sentisse pronto para tentar novamente.

Fui chamado para outra associação, apenas para descobrir que enquanto muita coisa havia mudado, muita coisa permanecia inalterada. Deus permitiu que as mesmas questões se me apresentassem. Consistiam em saber se o Senhor me estava provando para ver se eu aprendera a lição e amadurecera.

Um segundo pedido de demissão

Os meses se transformaram em anos e os milagres tomaram o lugar das derrotas. Depois, tão rapidamente como se haviam aberto, as portas se fecharam. Preguei meu último sermão e dei minha última classe bíblica. Eu estava “apagado” aos 35 anos de idade, e tinha apenas alguns meses de vida. Tinha um melanoma maligno.

Conquanto este segundo pedido de licença fosse por questões de saúde, todas as dúvidas e interrogações antigas me inundaram de novo a mente. Sentia-me diminuído pela falta de interesse expressa pela associação. De novo, surgiram as interrogações — a respeito do meu chamado para o ministério; da igreja e seus ensinamentos; até mesmo se afinal Deus existia. Estive realmente na encruzilhada da vida.

Deveria eu agora relacionar-me com minha depressão, frustração e sentimento de culpa desta vez? Transferiria de novo meus temores para os outros, ou os levaria a Jesus e os deporia aos pés da cruz? Eu havia pregado aos outros a teoria de que as pessoas devem deixar seus fardos no Calvário, mas, quão diferente era ao se tratar de aplicar a mensagem a minha vida! A taça parecia cheia demais para ser sorvida — eu ainda não havia aprendido a lição de confiar todos os meus cuidados a Jesus.

Ministério independente

Eu estava certo de que a igreja precisava de reforma. Preparei uma série de sermões de maneira impressa e em cassetes, e os espalhei por toda parte. Todos os problemas encontrados, todas as perguntas não respondidas, todas as dúvidas não dissipadas foram expressas naquelas mensagens. Elas, porém, não ofereciam nenhuma resposta, pois eu não tinha nenhuma. Contudo, as mensagens eram revestidas com a roupagem da piedade religiosa. Uma vez mais eu recorrera ao método de transferir a culpa. Enquanto usava a Bíblia para justificar meus atos, tornara-me tão à vontade com minha técnica, que levou vários anos para que Deus me convencesse dos meus erros.

O Salvador esperou pacientemente durante todo o tempo por mim, a fim de abrir minha mente fechada e justa aos próprios olhos. Pois eu estava sendo usado por outro poder: “É desejo e plano de Satanás trazer para o nosso meio aqueles que irão a grandes extremos — pessoas de mentes estreitas, críticas e mordazes, e muito obstinadas em manter suas próprias convicções do que significa a verdade. Elas serão exigentes e procurarão impor os deveres religiosos, e irão a grandes extremos em questões de pouca importância, enquanto negligenciam os assuntos mais significativos da lei — o juízo, a misericórdia e o amor de Deus. Por meio do trabalho de umas poucas pessoas dessa espécie, todo corpo dos guardadores do sábado será apontado como extremista, farisaico e fanático….

“Deus tem uma obra especial para ser realizada por homens de experiência. Cumpre-lhes defender a causa de Deus. Devem perceber que a obra de Deus não é confiada a homens que consideram ser privilégio seu agir de acordo com seu próprio juízo independente, pregar tudo o que lhes agrade e não dar satisfação a ninguém de suas instruções ou trabalho. Fosse permitido que este espírito de auto-suficiência reinasse algum dia entre nós, e não haveria nenhuma harmonia de ação, nenhuma unidade de espírito, segurança alguma para a obra e nenhum crescimento saudável na causa…. Cristo orou para que Seus seguidores fossem um como Ele e o Pai são um. Aqueles que desejam ver respondida esta oração, deveriam procurar desestimular a mais leve tendência de distanciamento e procurar manter o espírito de união e amor entre irmãos.”2

O espírito mau falou por meu intermédio. Sei que “a mensagem do Mestre deve ser declarada no espírito do Mestre”.3 E estou convencido de que ”… o espírito que manifestamos para com os irmãos revela qual é o nosso espírito para com Deus.”4

Foi difícil admitir que meu espírito estivesse do lado do espírito do maligno, embora lá no íntimo eu soubesse que eram o ressentimento guardado, a amargura e o ódio para com certas pessoas da igreja.

Reconciliação

Foram-me dados seis meses de vida, mas graciosamente o Senhor dilatou a minha vida. Um período de recuperação deu tempo para reflexão. Durante esse tempo, o Senhor colocou-me em contato com três pessoas que demonstraram o incondicional amor de Deus como eu jamais conhecera antes. Elas se atreveram a aproximar-se e abraçar-me sem temor de contaminação ou sem se preocuparem com o que os outros pudessem pensar. Elas me aceitaram assim como eu estava — rancoroso e orgulhoso.

A primeira pessoa especial foi um jovem pastor não ordenado que jamais discutia comigo, não importava quanto eu o desafiasse. Usei vários artifícios que, sabia, poderiam levá-lo a debate e a defender a igreja; ele, porém, ignorava todas as questões secundárias a ele apresentadas. Nova tentativa, e de novo ele se recusava a tomar partido, o que eu interpretava como covardia. Contudo, ele jamais se desviava de sua missão, a fim de demonstrar que realmente cuidava de mim como uma pessoa.

Eu não estava preparado para receber essa espécie de amor, pois nunca dantes o experimentara. Nenhum argumento havia que pudesse ser usado contra ele. Se eu pudesse ter tal amor, pensava, nunca mais seria o mesmo. Mas enquanto ansiava por ele, externamente continuava a combatê-lo.

Durante meu ministério, distanciara-me de um evangelho de amor, que acreditava ser superficial e sem significado real. Talvez houvesse um tipo de procedimento errado com respeito ao amor, mas achava eu que o que estivera combatendo era algo que se não podia ensinar, legislar ou ordenar. Felizmente, porém, pode ser experimentado. Encontrar tal amor, suscita amor.

Um obreiro semi-aposentado, da associação, foi a segunda pessoa a revelar esse amor incondicional. Ele poderia estar gozando sua aposentadoria, mas preferia o ministério da reconciliação, no qual encontrava maior felicidade ainda. Considerou-me um irmão, desde a primeira vez que nos encontramos. Minha atitude negativa não parecia importuná-lo. Pelo contrário, conhecia muitos erros que a igreja havia cometido, e chocou-me, acrescentando outros a respeito dos quais eu nada sabia; todavia, ainda falava bem de seus irmãos.

Como podia amar-me tal homem de Deus, de princípios tão elevados? Haveria realmente espaço na igreja de Deus para todos nós? Poderia eu ainda pertencer a ela?

Visitamo-nos muitas vezes. Ele aqui esteve durante vários períodos críticos, para orar comigo e dar-me a certeza de que nossa amizade era verdadeira. Seu amor era incondicional.

Um antigo professor de colégio, foi a terceira pessoa especial que teve influência em minha vida. Nós nos entendíamos, por causa de nosso desejo natural de encontrar respostas que surtissem efeito. Juntos, fizemos uma jornada espiritual, examinando as páginas das Escrituras. Algumas de minhas indagações eram iguais às suas.

Certa tarde, enquanto estudávamos juntos, pareceu que nossas mentes foram simultaneamente impressionadas. Uma compreensão maior do amor incondicional inundou de tal maneira nossa mente que nossos olhos se encheram de incontidas lágrimas.

Desde aquele momento, tenho encontrado outros que têm demonstrado esse mesmo amor incondicional — esse amor que unirá um dia todo o povo de Deus.

Não procurei intencionalmente dividir minha igreja e criar problemas adicionais para seus líderes, embora tivesse criado. Mesmo achando que estava apenas buscando respostas para perguntas não respondidas, eu estava errado. Esquecera-me das palavras das Escrituras, que dizem que o coração do homem é “enganoso mais do que todas as coisas, e perverso’’ (Jer. 17:9).

Meu aprendizado não terminou. Faz apenas um ano que Deus me reconduziu ao ministério pastoral e a uma igreja rancorosamente dividida. Tendo andado em amargura, sabia como se sentiam aquelas pessoas. Orei em favor do mesmo amor desinteressado que me foi manifestado. Pela graça transformadora de Deus, tenho visto ocorrerem grandes milagres na comunidade da igreja. Prevalece a unidade em amor e tem lugar a reconciliação, resultando no crescimento da igreja e no aumento da freqüência.

E que satisfação é poder constatar isto! Certamente Deus deu a cada um de nós o ministério da reconciliação.

1. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, Livro 2, pág. 79.

2. Review and Herald, 29 de maio de 1888.

3. Testimonies for the Church, vol. 7, pág. 266.

4. O Desejado de Todas as Nações, pág. 485.

Willard Santee — Pastor da Associação da Pensilvânia