A visitação em tempos de pandemia

“Pastor, é muito triste o que estamos vivendo”, contava-me uma irmã da igreja enquanto enxugava as lágrimas e tentava manter a câmera do celular filmando seu rosto. Em poucos dias, sua vida havia mudado completamente. Ela não mais podia receber a visita dos netos, participar das atividades da igreja, tampouco ver sua mãe. Os maiores medos de quem chega à terceira idade, mesmo dos que pertencem a uma família amorosa, tornaram-se ainda mais intensos diante do isolamento social e da possibilidade da morte.

O mundo caminha para uma crise de saúde mental sem precedentes. Segundo pesquisadores, há um crescimento alarmante nos números de suicídios, crises de ansiedade, depressão e outras enfermidades mentais.1 Nesse contexto, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos faz uma recomendação contundente: cuide de sua comunidade.2

Ainda que essa orientação seja novidade para a maior parte da população, as Escrituras deixam claro que esse cuidado é responsabilidade de todo ministro. Isso fica evidente na maneira com que os líderes da igreja atendiam às necessidades dos membros durante o período apostólico.

Além de presbíteros, os responsáveis pelas congregações também eram chamados de bispos. Esse segundo termo significa supervisor, mas o Novo Testamento usa essa palavra referindo-se a quem cuida das necessidades físicas e espirituais da comunidade de fé.3

Mas, qual era a maneira pela qual eles cuidavam da igreja? Provavelmente, por meio da visitação. Evidência disso é que a palavra episkopos advém do termo episkeptomai, expressão neotestamentária para “visitar”.4 Também encontramos sinais disso em 1 Timóteo 3:1 e 2 e 1 Pedro 5:1 e 2. Nesses textos, a obra do presbítero é descrita pelas expressões episkope e episkopeo, palavras do mesmo grupo léxico de episkopos e que são associadas à visitação.5

Dessa forma, vemos uma forte ligação entre episkopos e a prática da visitação. Ou seja, o líder da congregação é aquele que o Espírito Santo também escolhe para visitar e pastorear o rebanho a ele confiado (Atos 20:28). Portanto, visitação é mais do que apenas um elemento importante do ministério; ela praticamente define o que é ser pastor.

O próprio Deus Se engajou nesse cuidado. Em sua primeira carta, Pedro apresentou Cristo como sendo o Episkopos da igreja (1Pe 2:25), e Lucas descreveu Deus visitando Seu povo para redimi-lo (Lc 1:68). O Antigo Testamento fala do Senhor visitando Seu povo por diversas razões. Ele visitou o povo para ouvir seus clamores (Êx 3:16); cumprir Suas promessas (Gn 21:1); livrar (Jr 29:10); atender às suas necessidades (Sl 65:9); punir (Is 26:20 e 21) e também salvar (Sl 106:4).

Aliás, a Bíblia mostra que visitar é um dever de todo cristão. Tiago 1:27 afirma que a prática é o que constitui a verdadeira religião, e em Mateus 25:36 a 46 vemos que visitar os enfermos e prisioneiros é um dos critérios do juízo escatológico. O verdadeiro discípulo segue o exemplo de Cristo e sempre está pronto para cuidar do próximo. Com isso em mente, surge a pergunta: se a Palavra de Deus nos diz que cuidar uns dos outros é papel dos verdadeiros cristãos, o que dizer de um pastor que não visita?

De acordo com Ellen White, a visitação é o trabalho mais proveitoso que o pastor pode fazer, sendo intransferível e insubstituível. Ela também diz que quem negligencia esse trabalho é “infiel e está sob a repreensão de Deus”, sendo que “seu trabalho não está nem metade feito”.6 Em outro texto ela foi ainda mais incisiva, dizendo que o ministro que não visita não está apto para o ministério, porque planta igrejas doentes e leva mais pessoas à perdição do que para Cristo.7

Visitas remotas

Mas afinal, como visitar em tempos de isolamento social? Apesar das restrições legais e riscos à saúde, o pastor ainda tem o dever de cuidar do seu rebanho. Foi essa inquietude que levou dois pastores, um de Brasília e outro de La Paz, Bolívia, a empreender visitas virtuais.

Miguel Pinheiro é pastor em Brasília. Como faz parte do grupo de risco, ele precisava de uma forma de cuidar de sua igreja sem se expor a uma pandemia que tem ceifado muitas vidas. Ele se valeu de sua experiência pastoral para atender o rebanho por chamadas de vídeo.

Inicialmente, ele usou a estrutura de comunicação já existente em sua igreja para dividir a congregação em grupos de oração. Cada líder local supervisiona um grupo, ajuda nas visitas remotas e encaminha ao pastor as necessidades mais urgentes. Miguel também estabeleceu um plano sistemático de visitação para alcançar todos os membros. Ele já havia cadastrado as famílias da igreja e, tão logo o isolamento começou, teve início o esforço para que todas elas fossem atendidas. Dessa maneira, garantiu que todos recebessem apoio, priorizando o atendimento às emergências.

O pastor Brandon Campos, de La Paz, aderiu às visitas virtuais por outra razão. Seu distrito foi muito afetado pela Covid-19, chegando a ter igrejas com mais de 10% dos membros infectados. Dessa forma, o contato remoto foi o meio seguro para garantir que essas famílias fossem pastoreadas.

Além de garantir que todos recebessem cuidado espiritual, também foi importante assegurar que ninguém estivesse passando por necessidades. Por isso, todo começo de mês o pastor e o ancionato organizam uma escala de visitação. Dessa maneira, cada ancião pode ajudar o pastor prestando auxílio a cinco famílias.

Segundo os pastores, lembrar que Deus cuida de Seu povo em meio às crises tem um efeito poderoso. Ainda que remotamente, essas visitas têm trazido alívio e ajudado a manter o foco das congregações.

Atenção às necessidades essenciais

No entanto, alguns membros não têm acesso a essa tecnologia nem a itens básicos de subsistência. Foi essa a realidade que o pastor Altino Araújo precisou enfrentar no Amazonas, uma das regiões mais afetadas pela pandemia.

Apesar dos cuidados, Altino foi contaminado pelo novo coronavírus. Sua recuperação foi tranquila, mas logo ele percebeu que suas congregações estavam em situação preocupante. Alguns irmãos contaminados não podiam sair de casa para comprar comida, outros não tinham recursos para se manter e os serviços essenciais estavam inacessíveis em alguns lugares do distrito. Era hora de agir de maneira diferente. Por isso ele começou a arrecadar alimentos e itens essenciais para levar com seu carro de tração 4×4 às regiões mais afastadas.

Algo semelhante aconteceu com o pastor peruano Daniel Gordillo, de Lima, Peru. Depois de ter se recuperado da Covid-19, ele se dedicou mais intensamente às necessidades essenciais do rebanho. Ele se engajou na arrecadação de alimentos e conseguiu um caminhão para distribuí-los. Contudo, em algumas áreas estava proibido o trânsito de pessoas e veículos. Para não deixar os membros desamparados nessas regiões, Daniel conseguiu uma autorização especial das autoridades e levou os alimentos pessoalmente.

Daniel segue mantendo o distanciamento, garantindo que suas visitas transmitam somente as bênçãos de Deus. Por essa mesma razão, parte dos atendimentos de Altino acontece junto às porteiras dos sítios. Ali, a distância, ele deixa cestas básicas e mensagens de esperança.

Grupos especiais

Ainda que todos tenhamos sido afetados pela pandemia, algumas pessoas tiveram a vida completamente mudada e precisam de atenção diferenciada. Foi ao cuidado desses grupos que os pastores Paulo Alvarenga, do Mato Grosso do Sul, e Albert Azevedo, do Tocantins, se dedicaram de maneira especial.

Logo que as reuniões públicas recomeçaram em sua cidade, Paulo percebeu que os idosos precisavam de cuidado peculiar. Eles eram resistentes à necessidade de isolamento social e tinham menos acesso aos cultos virtuais. Assim, eles se sentiram abandonados e esquecidos quando não puderam retornar aos cultos, por serem do grupo de risco.

Observando essa situação, o pastor reuniu a liderança e formulou uma estratégia de visitação, usando a estrutura da Escola Sabatina. Cada ancião é responsável por supervisionar algumas classes. Eles auxiliam o pastor no cuidado e na visitação aos membros, tendo como foco principal atender os mais idosos. Para evitar qualquer risco, eles oram e leem a Bíblia a distância com esses membros, nos portões das casas.

Iniciativa semelhante foi realizada pelo pastor Albert ao visitar a orientadora educacional da escola em que ele atua como capelão. Na época dessa visita, o clima da equipe escolar era de medo e tensão. Pessoas próximas haviam falecido e outras estavam contaminadas. Além disso, os professores estavam estressados com a mudança drástica de rotina causada pelo home office. Algo precisava ser feito para lembrar a todos que a vida prosseguia.

Albert aproveitou o fim do lockdown para retomar o hábito de celebrar os aniversariantes do mês. Respeitando as regras de distanciamento exigidas, munidos de máscaras, álcool em gel, balões e cartazes, ele e alguns funcionários da escola cantaram parabéns e oraram no portão da residência da orientadora. Vendo a reação positiva, o pastor continuou fazendo visitas nos portões, transmitindo paz aos que estão passando por tanto estresse.

Os resultados dessas visitas têm sido notáveis. Paulo disse que os idosos se sentem abraçados e os anciãos ficam mais motivados. Já Albert percebe que esses pequenos atos de afeto e cuidado têm ajudado a equipe escolar a enfrentar os desafios com mais ânimo e tranquilidade.

Novas oportunidades

Grande parte dos pastores têm estado apreensiva com as restrições provocadas pela pandemia. No entanto, os pastores Daniel Budal e Frederico Silva perceberam que, além das restrições, também há oportunidades.

Quando as reuniões públicas foram proibidas no interior do Paraná, o pastor Daniel ficou preocupado. Em seu primeiro ano nesse distrito, ele precisava de uma forma eficaz para guiar o rebanho. Por isso, decidiu que a visitação seria prioridade. Como os cultos estavam sendo transmitidos pela Associação, Daniel concentrou seus esforços na visitação aos membros do seu distrito de maneira segura. Ele se dirigia às casas sempre usando máscara e conversava com os membros em um ambiente externo por cerca de 20 minutos.

Todos os membros foram visitados três meses antes do planejado, e o pastor notou grande crescimento espiritual. Além disso, essas visitas ajudaram na retomada das reuniões públicas. Logo no primeiro culto os templos do distrito alcançaram a capacidade máxima permitida pelas leis municipais, algo incomum na região.

Já em Tucumán, Argentina, o pastor Frederico percebeu como Deus tem tocado os corações durante essa crise que assola o mundo. Enquanto atendia alguns membros, ele se sentiu impressionado ao passar pela casa de um irmão que não estava frequentando a igreja havia algum tempo. Ao chegar, foi recebido com muita alegria. Aquele irmão havia assistido a um sermão gravado e decidido não somente retornar à igreja, mas também devolver a Deus seus dízimos atrasados. Segundo Frederico, o Senhor tem usado toda essa situação para chamar de volta Seus filhos.

Adaptações a uma nova realidade

Aqui apresentamos pastores de diferentes regiões, funções e perfis que adaptaram a visitação à sua realidade. Fizeram e continuam a fazer o melhor dentro do que é seguro e permitido. Esses exemplos nos ajudam a perceber elementos que devem ser considerados no contexto atual. Entre eles, podemos destacar que é importante (1) ter uma linha de comunicação eficiente para atender casos que exijam atenção imediata; (2) visitar mais os grupos com necessidades recorrentes; (3) mobilizar a liderança para ajudar no processo de visitação e cuidado dos membros; (4) tomar precauções sanitárias para não se tornar vetor de transmissão do vírus; e (5) manter um plano sistemático para visitar todos os membros.

Contudo, o mais importante é o que não mudou: o chamado do pastor para cuidar de sua comunidade por meio da visitação.

Cristo nos chamou para ser pastores. Hoje estamos passando por tempos de pandemia. Milhares viveram seu ministério sem passar por algo parecido, mas Deus nos escolheu para cuidar de Sua igreja nesses dias de doença e aflição. Ele nos chamou para visitar os membros durante essa crise. Fomos escolhidos para atuar como episkopos em tempos de isolamento social. Ainda que seja um grande desafio, o Espírito Santo nos capacitará. Portanto, cabe aqui relembrar: Cuidem de sua comunidade!

Referências

1 Castro de Araújo, Luís Fernando Silva e Daiane Borges Machado, “Impact of COVID-19 on mental health in a low and middle-income country”, Ciência & Saúde Coletiva (on-line), v. 25, supl. 1, junho de 2020, p. 2457-2460.

2 Center for Disease Control and Prevention, “Coping with Stress”, disponível em <bit.ly/2CISLdf>, acesso em 21/7/2020.

3 Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida, Greek-English Lexicon of the New Testament: Based on Semantic Domains, 2ª ed. eletrônica (Nova York, NY: United Bible Societies, 1996), p. 541.

4 Ibid., p. 462; Gerhard Kittel, Geoffrey William Bromiley e Gerhard Friedrich, Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964), seção episkopos.

5 Ibid., p. 724; Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2ª ed. (São Paulo, SP: Vida Nova, 2000), p. 295-297.

6 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), p. 440.

7 Ellen G. White, “Appeal and Suggestions to Conference Officers” (Silver Spring, MD: Ellen G. White Estate, 1893), p. 17-19.

Deus nos escolheu para cuidar de Sua igreja nesses dias de doença e aflição. Ele nos chamou para visitar os membros.

Bruno Lopes, pastor em Planaltina, DF