Precisamos nos comprometer com os ensinos e a metodologia evangelística de Jesus Cristo

O moderno movimento dos “pequenos grupos” surgiu nos Estados Unidos em meados do século 20, e cresceu significativamente a partir da década de 80.1 Fundamental para esse crescimento foi a ampla divulgação do sucesso de Paul Yonggi Cho com os assim chamados “grupos familiares” na Igreja do Evangelho Pleno, em Seul, Coréia.2 Vinculada à Igreja Evangélica Assembleia de Deus, essa comunidade segue um modelo congregacionalista de organização eclesiástica, e seus grupos familiares adotam liturgia carismática de curas e milagres, atraindo muitos interessados. O êxito da Igreja do Evangelho Pleno tem sido tão marcante que em 2007 ela já contava com aproximadamente 830 mil membros.3

Motivados pela experiência de Cho, alguns pastores adventistas sul-americanos começaram a promover, na década de 80, a implantação de grupos familiares em suas congregações.4 Os adventistas já haviam trabalhado com Escolas Sabatinas Filiais, Unidades Evangelizadoras, Koinonias e o Projeto Pioneiro, que podem ser considerados precursores dos pequenos grupos.5 Mas os primeiros experimentos adventistas com grupos familiares na América do Sul foram esparsos e inconstantes. Essa realidade só foi superada depois que os pequenos grupos se consolidaram no território peruano, e o Departamento de Ministério Pessoal da Divisão Sul-Americana os incorporou como uma de suas estratégias evangelísticas.

Embora os pequenos grupos ou células sejam hoje um dos métodos mais populares e eficazes de crescimento de igreja, existem sérias críticas tanto ao misticismo carismático de Paul Yonggi Cho quanto à ideologia sociológica das células “G12”.Diante dessa realidade, é imprescindível construirmos um modelo de pequenos grupos autenticamente adventista, fundamentado nos princípios bíblicos.7 O presente artigo fornece uma breve visão panorâmica do desenvolvimento de pequenos grupos nas Escrituras, baseado no princípio de que tais grupos devem “trabalhar, não somente pelos membros da própria igreja, mas também pelos incrédulos”.8 Esse princípio pode ser resumido adequadamente no binômio “comunhão e missão”.9

Antigo Testamento

O conceito de missão no Antigo Testamento tem sido definido como de natureza centrípeta, em contraste com a missão centrífuga do Novo Testamento.10 Uma das características básicas desse conceito é a de gentios sendo atraídos para junto do povo de Deus, como no caso da rainha de Sabá que visitou o rei Salomão (1Rs 10:1-13; 2Cr 9:1-12), e dos embaixadores de Babilônia que indagaram acerca da cura miraculosa do rei Ezequias (2Rs 20:1-19; 2Cr 32:24-31; Is 38-39). Em Isaías 56:1-8 aparece uma profecia sobre a era messiânica em que israelitas e estrangeiros seriam reunidos no templo de Jerusalém, que se chamaria “Casa de Oração para todos os povos” (v. 7).

Encontramos também no Antigo Testamento a existência de pequenos grupos de pessoas, como no caso de Noé e sua família na arca (Gn 7); a reunião de Abraão com o Senhor e dois anjos (Gn 18); e a celebração da Páscoa em família, em alguns casos, com a presença de vizinhos (Êx 12:1-11). A importância da religião em família é destacada tanto na postura de Josué ao renovar a aliança com o Senhor (Js 24:14, 15) quanto no costume de Jó de reunir sua família para a santificar (Jó 1:4, 5). Deuteronômio 11:19 ordena: “Ensinai-as [as palavras do Senhor] a vossos filhos, falando delas assentados em vossa casa, e andando pelo caminho, e deitando-vos, e levantando-vos.”

O convívio e o ensino em pequenos grupos, mesmo com propósitos evangelísticos, encontra suas raízes no Antigo Testamento. Mas devemos ser cuidadosos para não impormos ao texto bíblico conceitos que só se tornam explícitos no Novo Testamento. Tentativas de considerar a própria Trindade no Céu, bem como Adão e Eva no Jardim do Éden, como já sendo pequenos grupos, podem acabar desvirtuando a natureza e o propósito desses grupos. A mera socialização, por mais importante que seja, jamais deveria substituir a ênfase em comunhão e missão.

Novo Testamento

A igreja apostólica combinava de maneira marcante a comunhão e a missão, como evidente em Atos 2:42-47: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.”

Em seus primórdios, a igreja cristã se reunia no templo de Jerusalém, nas sinagogas locais e, posteriormente, nas catacumbas de Roma. Como os templos cristãos somente começaram a surgir no início do século 3 d.C., muitas igrejas funcionavam nas próprias casas dos cristãos. Referindo-se a Priscila e Áquila, Paulo menciona “a igreja que se reúne na casa deles” (Rm 16:3-5) e “a igreja que está na casa deles” (1Co 16:19). Paulo escreveu também a respeito da “igreja que ela [Ninfa] hospeda em sua casa” (Cl 4:15), e da “igreja que está em tua casa [de Filemom]” (Fm 1, 2). Mesmo variando em número de membros e também em temas estudados, tais igrejas do lar estavam focalizadas na comunhão e missão, e ainda servem de modelos para nós. Mais do que mera reunião de cristãos, uma igreja em casa possui certas características distintivas.

Ellen White declara: “Algumas famílias têm uma pequena igreja em casa. O amor mútuo liga entre si os corações, e a unidade que existe entre os membros da família prega o sermão mais eficaz que se possa pregar acerca da piedade prática. Ao cumprirem fielmente os pais seu dever na família, restringindo, corrigindo, aconselhando, guiando – o pai como sacerdote da família, a mãe como missionária do lar – estão ocupando a esfera que Deus quer que ocupem. Pelo fiel cumprimento dos deveres domésticos, estão multiplicando instrumentos para fazerem o bem fora de casa. Estão se tornando mais aptos para trabalhar na igreja. Educando discretamente seu pequeno rebanho, ligando os filhos a si mesmos e a Deus, pais e mães tornam-se colaboradores de Deus. A cruz é erguida em seu lar. Os membros da família se tornam membros da real família do alto, filhos do celeste Rei.”11

Círculo apostólico

Na minha opinião, o modelo supremo de pequenos grupos não se encontra nos antecedentes do Antigo Testamento nem nas igrejas das casas mencionadas no Novo Testamento, e sim no próprio círculo apostólico (ver Mt 10; Mc 3:13-19; Lc 6:12-16), formado por pessoas das mais variadas personalidades.12 O texto bíblico afirma que Jesus “designou doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar” (Mc 3:14). Fica evidente a ênfase na comunhão (“para estarem com Ele”) e na missão (“para os enviar a pregar”). Em realidade, “os doze eram o âmago de um novo movimento representando a nova era e a nova atividade de Deus”.13

“O pequeno grupo ideal é caracterizado por confraternização, socialização, ensino, treinamento e evangelização”

Os apóstolos foram chamados como discípulos do Mestre para uma missão específica (Mt 4:19). No círculo apostólico, formado por doze pessoas, eles (1) mantinham comunhão com Cristo; (2) socializavam-se uns com os outros; (3) eram ensinados pelo Mestre; (4) eram treinados para a missão; e (5) participavam dos esforços evangelísticos. Ellen White comenta que “quase todos os doze tinham vivido juntos, como membros da família de Jesus”.14 “Era pelo contato pessoal e a associação, que Jesus preparava os discípulos. Ensinava-os, às vezes, sentado entre eles na encosta da montanha; outras, às margens do lago, ou caminhando em sua companhia, revelava-lhes os mistérios do reino de Deus.”15

O que ocorreu no círculo apostólico não devia ser considerado honrosa exceção, e sim um modelo ideal a ser seguido ainda hoje. “Jesus escolheu homens ignorantes, porque não haviam sido instruídos nas tradições e errôneos costumes de seu tempo.”16 “Quão incansáveis foram Seus esforços no sentido de preparar os discípulos para o trabalho! Mas quão pouco temos feito!”17 “A vida desses homens, o caráter que desenvolveram e a poderosa obra por Deus operada por intermédio deles, são testemunhos do que Ele fará por todos quantos forem dóceis e obedientes.”18 Sem dúvida, “o que homens fizeram, homens podem fazer”.19

O ideal de Cristo

Existem hoje vários modelos de pequenos grupos, com distintos objetivos. Alguns deles são grupos apenas de socialização. Outros, de aprofundamento doutrinário. Outros ainda, de evangelização. Creio que cada um deles cumpre um propósito específico e pode ser uma bênção para a igreja. Mas que impacto a Igreja Adventista do Sétimo Dia exercería no mundo se seus pequenos grupos conseguissem integrar essas diferentes áreas, buscando se aproximar o máximo possível do ideal deixado por Cristo no círculo apostólico, onde havia comunhão, socialização, ensino, treinamento e evangelização!

Outras denominações podem se contentar com um modelo meramente sociológico de pequenos grupos, onde as pessoas se sentem aceitas e confortadas por um mero evangelho social ou mesmo por um simples existencialismo religioso, sem verdadeiro compromisso com a Palavra de Deus. Mas como adventistas do sétimo dia, que procuram viver em conformidade com “toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4), precisamos nos comprometer não apenas com os ensinos de Cristo, mas também com Sua metodologia, devidamente contextualizada à nossa realidade.

Ellen White declara: “Lembremo-nos de que se deve ver na vida dos seguidores de Cristo a mesma devoção, a mesma sujeição à obra de Deus de todos os reclamos sociais e de todas as afeições terrenas, que se via em Sua vida. […] Deus exige aquilo que nós não damos – consagração sem reservas. Se todo cristão tivesse sido fiel ao voto feito ao aceitar a Cristo, não teriam sido deixadas a perecer no pecado tantas pessoas no mundo. Quem responderá por aqueles que têm baixado à sepultura sem estar preparados para se encontrar com seu Senhor?”20 Nossos pequenos grupos devem se transformar em genuínos centros de treinamento de missionários que concluirão, pela graça de Deus, a pregação do “evangelho eterno” (Ap 14:6, 7) em nossa geração.

Referências:

Alguns antecedentes históricos do moderno movimento de pequenos grupos são mencionados em Emílio Abdala, Ministério, janeiro-fevereiro de 2009, p. 29-31.

  • 2 Paul Yonggi Cho, Successful Home Cell Groups (Plainfield, NJ: Logos International, 1981); Grupos Familiares y el Crecimiento de la Iglesia (Miami, FL: Vida, 1982). Informações adicionais sobre a igreja do Evangelho Pleno de Yoido podem ser encontradas no site http://www.fgtv.org.

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Cavid (Paul) Yonggi Cho, acessado em 04/05/2009.

  • 4 Ver, por exemplo, Paul Yonggi Cho, O Ministério Adventista, maio-junho de 1985, p. 21-24; Tercio Sarli, Revista Adventista, junho de 1985, p. 8, 9; Alberto R. Timm, Esboços de Estudos Para Grupos Familiares: Um método moderno e eficaz para o crescimento

e a conservação de sua igreja (Porto Alegre, RS: Departamento de Ação Missionária da Associação Sul-Rio-Grandense da IASD, 1985).

  • 5 Alberto R. Timm, Ministério, janeiro/fevereiro de 2009, p. 25, 26.
  • 6 Ver, por exemplo, Peter Masters, “Occult Healing Builds Worlds Largest Church: The Influence of Paul Yonggi Cho”, em http:// falseteachersexposed. blogspot. com. acessado em 04/05/2009; “G12 e os desafios atuais!” em http://www.lideranca.org. acessado em 04/05/2009.
  • 7 Alguns conceitos úteis sobre a base bíblica dos pequenos grupos podem ser encontrados em Gareth W. Icenogle, Biblical Foundations for Small Group Ministry: An Integrative Approach (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994); Elias Brasil de Souza, em Milton Torres, org., Pequenos Grupos, Grandes Soluções (Cachoeira, BA: Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, 2007), p. 15-27.
  • 8 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 7, p. 21, 22; Serviço Cristão, p. 9; A Ciência do Bom Viver, p. 152; Obreiros Evangélicos, p. 193.
  • 9 Em novembro de 2007, a Comissão Diretiva Plenária da Divisão Sul-Americana da IASD reafirmou, através do voto 2007-211, o “compromisso de Comunhão e Missão dentro do programa de Evangelismo Integrado”.
  • 10 Johannes Blauw, A Natureza Missionária da Igreja: Exame da Teologia da Missão (São Paulo: ASTE, 1966).
  • 11 Ellen G. White, Filhos e Filhas de Deus, Meditações Matinais 1956, p. 223.
  • 12 Ver Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 290-297; Arthur Spalding, Irmãos do Rei: Uma análise dos caracteres que compõem a família de Deus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), p. 75.
  • 13 Donald A. Hagner, Matthew 1-13, Word Biblical Commentary (Dallas, TX: Word, 1993), v. 33A, p. 267.
  • 14 Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo, p. 3.
  • 15 _____________, O Desejado de Todas as Nações,

p. 152.

  • 16 Ibid., p. 250.
  • 17 Ellen G. White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 53.
  • 18 _____________, O Desejado de Todas as Nações,

p. 250.

  • 19 _____________, Conselhos Sobre o Regime

Alimentar, p. 28.

  • 20 ______________, Conselhos Sobre Mordomia, p. 53.