Um dos mais controvertidos problemas textuais é a tradução de Isaías 7:14. Lemos na Versão do Rei Tiago (King James Version) e também na de Almeida: “Eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.” A Revised Standard Version diz assim: “Eis que uma mulher jovem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.”

A opinião tradicional defende a exatidão da primeira tradução, por ser aparentemente a única a predizer claramente o nascimento virginal de Cristo. Então, visto que a outra versão diz “mulher jovem,” muitos crêem que isso elimina uma doutrina fundamental da fé cristã, a saber, o maravilhoso nascimento virginal de Cristo. Essa idéia é correta ou errônea? Procuraremos elucidar a questão “de acordo com a Palavra de Deus.”

A tradução bíblica é extremamente difícil, em especial quando diz respeito a passagens com problemas críticos como êste um. Por vêzes sente-se a oposição da mentalidade modernista, bem como as objeções ocasionais de “pro pugnadores” desnorteados, ou, citando as palavras de Paulo, de pessoas que “têm zêlo por Deus, porém não com entendimento” (Rom. 12:2).

Pode ser de interêsse saber que cristãos piedosos e eruditos devotos rejeitaram a Versão do Rei Tiago, 350 anos atrás, do mesmo modo que numerosos crentes se opõem à Revised Standard Version ou a qualquer outra tradução “moderna.” O Dr. Hugo Broughton, da Inglaterra, um notável conhecedor das línguas hebraica e grega, enviou uma mensagem ao Rei Tiago, sob cujos auspícios foi efetuada a tradução, dizendo: “Preferiria ser dilacerado por animais selvagens a consentir que semelhante tradução seja recomendada às pobres igrejas…. A nova edição suscita a minha indignação. Exijo que seja queimada.” Pois bem, o Dr. Broughton não foi despedaçado por animais selvagens, e a Versão do Rei Tiago não foi queimada.

Os cristãos podem e precisam ser honestos na interpretação da Bíblia. A verdade que tem de apoiar-se numa só passagem, que ainda foi deturpada ou traduzida e interpretada errôneamente, deixa de ser verdade. Se é difícil compreender o texto, o cristão deve atender ao conselho de Deus, o qual Se mostrou tão humanamente “razoável,” que chegou a dizer: “Vinde, pois, e arrazoemos.” Isa. 1:18. Nossas dificuldades provêem quase sempre de nossa falta de conhecimento, mas se formos suficientemente humildes e dóceis, poderemos compreender até questões complexas e intrincadas. “Porque o Espírito a tôdas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” I Cor. 2:10.

Levando em consideração êstes pensamentos, mas reconhecendo as nossas fragilidades humanas e o fato de que agora, como há 350 anos no passado, muitos cristãos podem estar sinceramente perturbados — embora adotem uma posição errada — por uma tradução não coincidir com suas convicções pessoais, consideremos o significado e a importância das duas versões de Isaías 7:14.

Essa passagem é uma profecia referente a uma criança que deveria nascer como sinal para o Rei Acaz e o povo de Judá, indicando a boa vontade de Deus para livrar Jerusalém de seus inimigos. Parece que o principal problema é se a palavra hebraica ‘almah (“donzela” ou “mulher jovem”) pode ser traduzida corretamente pelo vocábulo “virgem,” como aparece na Versão do Rei Tiago, na Almeida e em outras mais. Visto que êle não é meramente um “têrmo técnico,” o objetivo desta investigação é verificar se a tradução de ‘almah por “mulher jovem” se fundamenta em sólida base filológica, histórica e teológica. Êstes fatôres orientarão nosso estudo.

Importância dos Têrmos Hebraicos

No tocante ao uso e aplicação das palavras ‘almah e bethulah, no Antigo Testamento, as observações que aparecem nas páginas 151-157 do livro Problems in Bible Translation (Problemas na Tradução da Bíblia) parecem inteiramente adequadas a nossos desígnios, e deviam ser consultadas. É de suma importância compreender as diversas expressões hebraicas que denotam várias etapas do desenvolvimento dos sexos, indicando também a idade, a condição matrimonial, moral ou social, bem como o seu emprêgo em passagens bíblicas. Conseqüentemente, tôda vez que o Antigo Testamento fala sôbre uma bethulah, refere-se a uma virgem no sentido mais estrito e moral.

Uma boa ilustração encontra-se em Gênesis 24, onde são usadas três palavras hebraicas diferentes para descrever a Rebeca: ela era uma na’arah, uma “môça” (vers. 16), indicando o sexo a que pertencia; uma ‘almah, ou “mulher jovem” (vers. 43), significando que ela estava em idade de casar; e, finalmente, ela era uma bethulah, uma “virgem” (vers. 16, seg. parte), acrescida da explicação “a quem nenhum homem havia possuído.”

A mesma observação é feita com referência à filha de Jefté, sôbre quem recaiu o voto feito pelo pai, de ser oferecida em holocausto (Juí. 11:31). Como medida preparatória para êsse ato, ela se foi com as suas companheiras para chorar a sua “virgindade” (bethulai), por dois meses. Nessa história também é declarado que ela “jamais foi possuída por varão” (Juí. 11: 37-39).

Juizes 21:12 é ainda mais explícito, pois ali se faz alusão a “quatrocentas moças virgens, que não se deitaram com homem.” Em S. Lucas 1: 34, Maria aplica a si mesma êsse conceito dos hebreus, dizendo: “Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?” Essa explanação referente a sua condição moral é também a “justificativa filológica” do Nôvo Testamento para chamá-la de parthenos, isto é, uma virgem. — Interpreters Dictionary, Vol. R-Z, pág. 787.

No entanto, a terminologia hebraica para as questões relativas ao sexo é com freqüência muito franca e realista. Em Levítico 21:7 e 14, os sacerdotes são exortados a não casar com mulheres “desonradas.” O verbo chalal significa não sòmente “profanar,” “desonrar,” mas também “perfurar” (Brow, Driver, Briggs, Hebrew and English Lexicon, págs. 319-321. Parece que no contexto acima o significado é “perfurar,” como resultado de relação sexual com uma virgem. Se, portanto, o espôso recém-casado não encontrasse “as provas da virgindade” da esposa, isso indicava a ausência do hímen, e os pais, para contestar essa acusação, podiam apresentar como prova a roupa da môça. Essa aplicação do verbo parece ser apoiada pelo versículo 20 de Deuteronômio 22: “Porém se isto fôr verdade, que se não achou na môça a virgindade (betulim). . . ” A mesma interpretação parece ser o conceito rabínico encontrado em Keth. I, 1; Y. Yeb. VI, 7c, Jastrow, Dictionary of Talmud Babli Ierushalmi, e Midrashic Literature. Vol. 1, pág. 200 (Nova York: Par-des Publishing House, Inc., 1950).

Inserir a ideologia grega de parthenos não ajuda a esclarecer o emprêgo do têrmo hebraico no Antigo Testamento. O conceito grego referente à palavra “virgem,” da maneira como é interpretada pelas religiões pagãs, difere consideràvelmente do hebraico. Portanto, não parece ser justificável traduzir ‘almah, “Mulher jovem,” em Isaías 7:14, por “virgem.” A única tradução coerente é a da Revised Standard Version: “Eis que uma mulher jovem conceberá, e dará à luz um filho.”

Uma Interpretação Equilibrada

O segundo ponto, que assegura uma interpretação equilibrada da profecia de Isaías 7:14, deve ser procurado em seu cumprimento histórico. A mensagem de Deus para Acaz era uma proclamação de livramento de Jerusalém no tempo em que Rezim, rei da Síria, e Peca, rei de Israel, se preparavam para conquistar a cidade. Para confirmar a veracidade dessa promessa, o Senhor deu um “sinal” para Acaz, predizendo a destruição dos dois podêres hostis, dentro de um curto período de tempo. A profecia declarava que nascería uma criança, e “antes que êste menino saiba desprezar o mal e escolher o bem, será desamparada a terra, ante cujos dois reis tu tremes de mêdo.” Isaías 7:16. Se esta profecia era fidedigna, como cremos realmente, ela teria de cumprir-se no tempo de Acaz. Tiglate-Pileser III, rei da Assíria, veio e destruiu ambos os reinos: a Síria (Damasco), em 732 A.C.; e Samaria, em 721 A.C. (Verso 17.) O primeiro cumprimento dessa profecia foi, portanto, uma ocorrência na história secular, no tempo de Isaías e do rei Acaz.

A terceira objeção quanto a aplicar a predição de Isaías a um nascimento virginal na época de Acaz é de natureza teológica. O comentarista que afirmasse — apesar da clara distinção entre ‘almah e bethulah, bem como do cumprimento histórico nos dias de Acaz — que Isaías 7:14 predizia um miraculoso nascimento virginal, teria de admitir que tal criança também seria dotada com a mesma natureza divino-humana e o poder que Jesus Cristo possuía.

O problema não consiste, pois, apenas em que a existência dessa pessoa não é autenticada històricamente, mas também no fato de que a tradução de ‘àlmah por “virgem” suscita uma insolúvel dificuldade teológica. Conquanto o uso de ‘àlmah — “mulher jovem” — seja perfeitamente aceitável tanto filológica como teològicamente, em seu cumprimento original na história secular, durante o reinado de Acaz, os eruditos bíblicos ou os teólogos não conseguiríam solver as inferências teológicas se Isaías houvesse usado a palavra hethulah para uma outra ocorrência além do nascimento virginal de Cristo. Teimar que em Isaías 7:14 ‘almah significa “virgem,” também exige a aceitação de um milagre biológico e o nascimento de outro ser divino-humano, pouco mais de sete séculos antes de Cristo, o que é uma interpretação inaceitável e um conceito que não se baseia na Bíblia. A tradução de ‘almah — “mulher jovem” — por parthenos — “virgem” — na Versão dos Setenta é um evidente êrro. Não indica, certamente, que os tradutores eram divinamente inspirados. Pelo contrário, essa tradução causa complicações e ocasiona insuperáveis problemas teológicos.

Um Só Descendente

Como Isaías 7:14 pode então ser incluído entre as profecias messiânicas? Pelo princípio do duplo cumprimento, segundo o qual têm de ser intepretadas diversas predições bíblicas. A promessa feita a Abraão declarava que a sua descendência seria como o pó da Terra e as estrêlas dos céus (Gên 13:16; 15:5). Assim, do patriarca idoso e sem filhos procedería tôda uma nação. Mas o apóstolo declara no Nôvo Testamento que o principal e supremo sentido da promessa era a nascimento de um só descendente, que é Cristo (Gál. 3:16).

Da mesma forma, a profecia de S. Mateus 24 cumpriu-se primeiramente na destruição de Jerusalém, no ano 70 de nossa era; mas o seu cumprimento final será o fim do mundo.

O mesmo princípio se aplica a Isaías 7:14. Embora esta passagem se cumprisse originalmente na história secular, 730 anos antes de Cristo, ela não consistiu no nascimento miraculoso de um ser divino-humano; primeiro, devido à explícita declaração ‘almah, “mulher jovem,” e não “virgem;” e, segundo, porque as expressões proféticas que aparecem em Isaías 9: 6 jamais poderiam aplicar-se a um ser humano comum: “Porque um Menino nos nasceu, um Filho se nos deu; o govêrno está sôbre os Seus ombros; e o Seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz.”

Conclusões

O apóstolo Paulo escreve que o supremo significado da promessa de Deus a Abraão não era o grande número de componentes da nação judaica, mas o único Descendente: o Messias, o Cristo. Do mesmo modo, o nascimento de uma criança comum no tempo de Acaz foi apenas o cumprimento de Isaías 7:14 na história secular. Seu sentido espiritual e sua acepção no Nôvo Testamento era o nascimento do Messias. Por esta razão, quando o Filho de Deus Se revestiu da humanidade, a profecia adquiriu nova significação. Conseqüentemente, a versão em S. Mateus 1:23 não só possibilitava mas exigia a palavra parthenos, “virgem,” em lugar de ‘àlmah.

Esta parece ser a única explicação possível e correta do texto — um duplo cumprimento da declaração profética: um, no nascimento de um menino comum, na história secular, filho de uma ‘almah (“mulher jovem”), no tempo de Acaz; o outro, na miraculosa concepção por parte de uma hethulah ou parthenos (“virgem”), que resultou no nascimento de um ser divino-humano: Jesus Cristo, o Filho de Deus e Filho do homem, o Messias prometido. Não há contradição alguma, contanto que se aceite a distinção filológica, histórica e teológica feita pela própria Escritura Sagrada, indicando a dupla natureza da profecia.

PENSAMENTOS

“Ser de utilidade no mundo é a única maneira de ser feliz.” — HANS CHRISTIAN ANDERSEN.

“Seu coração era grande como o mundo, mas não havia nêle espaço para reter a memória de uma ofensa.” — EMERSON.

“O homem só começa a adquirir sabedoria depois que reconhece não ser por mais tempo indispensável.” — RICARDO E. BYRD.

“O sinal do homem imaturo é o querer êle morrer nobremente por uma causa, ao passo que o sinal do homem amadurecido é querer êle viver humildemente por uma causa.” — GUILHERME STEKEL.

“Jamais deve o homem se envergonhar de reconhecer um êrro, pois isto é apenas dizer, em outras palavras, que êle é hoje mais sábio que ontem.” — POPE.