Mais do que reestruturar o edifício, é a atitude da igreja que deve ser reestruturada, quando falamos da necessidade de atender aos deficientes físicos.
Kate e Mark acabavam de passar pela incrível experiência do nascimento do seu primeiro filho. Ela teve um parto demorado e incômodo. Kate pensava em ter o parto normal, isento de dor, mas, quando este chegou ao fim, ela estava no limite de suas forças físicas e emocionais. Sofrendo e exausta, mas sorridente, voltou-se para o rosto da filha, naquele momento maravilhoso que toda mãe aguarda com impaciência. O que viu, porém, causou-lhe um terrível impacto negativo. Hanna tinha lábio leporino e paladar fendido. Kate ficou desconsolada. Jamais lhe passara pela mente que pudesse ter um bebê que não fosse perfeito.
Nossa filhinha Bethany havia nascido doze horas antes no mesmo hospital. Uma vez que, como profissional, tenho encontrado todos os dias crianças com defeito físico, a idéia de que poderia ter uma deficiente ou imperfeita me havia passado pela mente muitas vezes, não só na forma de pensamentos quanto à maneira como reagiria, mas como me adaptaria a essa situação.
Tão logo soube que Kate estava no mesmo corredor que eu, apressei-me em visitá-la. Ambas havíamos assistido juntas às sessões de preparação para o parto. Tanto uma como a outra amávamos a Deus e éramos boas amigas. A pequena Hanna produziu um relacionamento entre nós: o interesse em explorar o difícil e o aparentemente impossível de entender.
Passamos toda a semana seguinte juntas, no mesmo quarto. Falamos muito sobre Deus, Hanna e da razão da existência da dor, do sofrimento e da deformação.
Nos meses seguintes, Kate e Mark enfrentaram muitos altos e baixos. Toda vez que alguém vinha visitar Hanna pela primeira vez, Kate precisava prepará-la e explicar o problema do seu lábio. Atualmente, depois de uma operação corretiva, Hanna brinca como qualquer outra criança de sua idade. Uma região ligeiramente avermelhada é tudo o que lhe resta no lábio superior. Conquanto talvez necessite de terapia da fala, e mesmo outra cirurgia antes de ir para a escola, é bastante normal e bonita.
Kate e Mark estão felizes, porque o defeito físico de Hanna era passível de correção. Muitos outros defeitos de nascimento também o são. Há, porém, muitos problemas que não podem ser eliminados, e que exigem toda uma vida de cuidados e apoio.
Suscetíveis ou não de correção, os defeitos de nascença transformam um momento de alegria em um estado de frustração e tristeza. A mãe, em particular, tem a tendência de sentir-se vulnerável, insegura e revoltada. É possível que experimente um sentimento de culpa e que atribua a si mesma o problema: seu estilo de vida, sua alimentação, ou talvez alguma atividade realizada. E pode atravessar um período de depressão. É muito comum, em tais circunstâncias, questionar a justiça de Deus, seu próprio futuro e a si mesma.
É possível que, como pastor, você enfrente situações semelhantes com muita freqüência. Que deveria fazer? Como agir para infundir nessas pessoas o desejo de verdadeira confiança no amoroso cuidado de Deus? É papel da igreja local cuidar dos deficientes físicos?
A função do pastor
Há pelo menos três coisas simples que o pastor pode fazer em seu propósito de ajudar as famílias que experimentam o golpe inesperado, como resultado de um problema de parto:
1. Ouça. Sua presença no lar da família triste é um sinal de solidariedade. Você deve manter-se calmo, não importa quão veementes sejam os sentimentos expressos. Na ocasião, é possível que os pais já tenham ouvido a opinião dos especialistas. E talvez lhe façam perguntas que você não possa responder. Pode ser que não necessitem de nenhum conselho especial, a menos que manifestem isso. E não gostariam que você dissesse que aquilo que sentem não está certo. Não precisam de que alguém lhes lembre que não é certo questionar a justiça e o amor de Deus: eles descobrirão isso por si mesmos. Podem necessitar é de muito amor, aceitação, compreensão e do apoio das orações de um pastor e sua congregação cheios de amor e de interesse em seu bem-estar.
Ler alguns textos da Bíblia, que supram esse desejo, e a pressa em dizer algo, pode ser que não surta o efeito desejado. Não é o momento para uma dissertação teológica relacionada com a origem do sofrimento e da dor. Mas se for oportuno, você poderá dizer alguma coisa, de forma prudente, sobre a vida que está cheia de provas. Quer maior prova do que a que foi experimentada por Aquele que disse: “Deus meu, Deus meu! Por que Me desamparaste?” Jesus fez essa pergunta no momento da prova mais difícil de Sua vida. Ela não indica necessariamente falta de fé em Deus; antes expressa e indica uma forte dependência dEle, uma relação que possibilita nossa necessidade de ajuda e a apresentação a Deus de nossos problemas. Não somos convidados a suportar cegamente nossas provas, quando estamos conscientes do fato de que nos encontramos envolvidos em um conflito cósmico. Deus é suficientemente grande para responder a todas as nossas perguntas.
2. Não atribua a Deus os defeitos físicos. Deus não deseja que uma criança seja deficiente. Ele fez tudo perfeito e gostaria que Sua criação assim permanecesse. Ele sofre conosco por causa dos nossos problemas e aflições. Jesus dedicou grande parte do Seu ministério ao alívio do sofrimento dos inválidos, fosse de nascimento ou por traumas posteriores sofridos na vida. Dizer aos pais que uma criança é deficiente porque é a vontade de Deus (e mesmo permitir que se chegue a essa conclusão), é cruel; desonra a Deus.
3. Crie uma atmosfera de apoio. Na primeira oportunidade, assim que esteja certo de que pode contar com a aprovação dos pais, você poderá informar à igreja todos os fatos e a situação, com cortesia e tato. Poderia ser usado algo como: “Todos sabemos que Jaime e Sara estavam esperando o nascimento de seu novo bebê. Pois bem, este chegou, e se trata de uma menina muito querida de nome Esteia. Não obstante, nem tudo correu bem, pois Esteia tem espinha bífida, o que significa que provavelmente nunca possa andar; que seja submetida a uma delicada intervenção cirúrgica e necessite de muito cuidado e atenção especial. Jaime e Sara necessitam do apoio de todos nós. Vocês podem dar ouvindo-os, orando por eles e permitindo que saibam que vocês pensam neles e com eles se preocupam. Precisam de alguém que cuide do cão e da família durante algumas semanas, e apreciariam muito que alguém cortasse a grama. Alguma irmã poderia fazer compota das frutas de seu pomar para que não se perdessem? Eles necessitam de nosso amor, nosso apoio e de nossa profunda compreensão”.
Pode ser que a família deseja apoio, dependendo das circunstâncias. O apoio moral e prático é vital. Pode ser que a família enfrente muitas crises ao procurar adaptar-se às situações criadas pelo bebê deficiente. Estudos indicam que quatro, de cada cinco casais que têm uma criança deficiente, separam-se. Isto mostra quão tensa pode ser a situação para o casal. Os recursos financeiros que requer um tratamento contínuo, e a educação especial, também são uma preocupação familiar. A atenção ao bebê pode envolver demais a família, a ponto de negligenciarem outras necessidades.
É possível que os demais filhos precisem aprender a adaptar-se às circunstâncias. Eles também precisam do tempo e da atenção dos pais e é possível também que fiquem com ciúme porque o irmão ou a irmã deficiente recebe mais atenção. Essas emoções podem levar tanto ao ressentimento como ao sentimento de culpa, e é possível que as crianças não o expressem por temerem parecer egoístas e aumentarem a tensão e o sofrimento dos pais. Se os recursos econômicos diminuírem devido ao cuidado dispensado ao deficiente, as outras crianças não poderão satisfazer suas próprias necessidades, mas não expressarão isso por temor.
O papel da igreja
Como igreja, devemos apresentar o melhor plano de ajuda para estas famílias, de modo que possam enfrentar estas circunstâncias difíceis. Com muita freqüência, a igreja está mais disposta a ajudar os que se incapacitam com conhecimento de causa (os que se inutilizam com o consumo de álcool, fumo e drogas) e esquecer os que nasceram com deformidades. Falamos de Jesus como nosso modelo no ministério, mas nosso ministério em favor dos deficientes, seja como indivíduos ou como igreja, está muito longe de ser como o Seu! Como instituição eclesiástica, lutamos por uma educação e iguais oportunidades para todas as crianças à margem de sua capacidade; mas, na prática, é possível que as crianças deficientes sejam discriminadas por nossas escolas.
Há contudo, muitas e variadas formas simples em que a igreja local pode ajudar as famílias que têm filhos deficientes.
1. Dê conselho. Talvez você nem sempre possa dar ajuda profissional, mas seja capaz de oferecer dois ouvidos atentos em ocasiões de tensão e necessidade, que podem ser de grande ajuda. Será muito melhor se o conselheiro tiver sido preparado para trabalhar com essas famílias ou tiver experimentado as tensões de tais situações e souber as perguntas que costumam surgir. Provavelmente seu centro de aconselhamento não esteja preparado para responder a todas as perguntas; mas, se for possível começar por aí, sua igreja terá feito muito para suavizar as cargas de tais famílias.
2. Crie um centro de informação. Uma pequena biblioteca com publicações informativas e especializadas, que constituam um guia prático no tratamento dos deficientes, será de muito valor. Escolha obras preparadas especialmente para ajudar famílias que tenham um membro deficiente, escritas por inválidos ou por seus familiares. Forme um arquivo com bastante informação sobre temas relacionados com o mundo dos deficientes. Demore-se especialmente na informação relativa ao cuidado, ao treinamento vocacional, à terapia de grupo, escola e acampamento de verão, e assistência econômica, etc. Incentive os membros de sua igreja a se familiarizarem com o centro informativo, de modo que possam ajudar os que necessitam.
3. Organize grupos de apoio. Existe um grupo de apoio para famílias que têm crianças inválidas na região onde você mora? Se não houver, organize um agora. Relacione-se com pessoas experientes em trabalhar com esses grupos. Uma sessão regular por mês, num tempo e local apropriados, com um programa e oradores cuidadosamente selecionados, somados a um período adicional de práticas informais, no qual se contem experiências, podem assentar as bases para um bom grupo de apoio. Anime os membros do grupo a se apoiarem uns aos outros de maneira positiva, de modo que as sessões não sirvam apenas para atender a queixas. Será necessário separar um tempo para isso em circunstâncias difíceis, mas em geral, as sessões devem servir para confirmar o que for positivo, e planejar-se para o futuro.
4. Organize grupos recreativos. A igreja pode organizar atividades recreativas ou um jardim de infância para os que têm habilidades diversas, tanto para deficientes como para os que não o são. Isso ajuda as crianças a se aceitarem mutuamente e a aprenderem a desenvolver suas habilidades. Também proporciona um marco social às crianças deficientes físicas em idade pré-escolar que, em geral, estão isoladas. Para começar, os pais podem acompanhar os filhos até que os organizadores os conheçam bem, assim como às suas necessidades e capacidades especiais.
O grupo não precisa reunir-se mais de uma vez por semana, e a sessão deveria ser dirigida por alguém que tenha preparo em medicina ou em educação especial. Se conseguir obter a ajuda de um terapeuta profissional que o assessore na aquisição do equipamento, organização das brincadeiras e atividades, pode estar certo de que o começo é bom. As escolas e igrejas locais poderiam oferecer-lhe a ajuda de voluntários, equipamento e entretenimentos.
5. Envolva a escola no ministério dos deficientes. De conformidade com sua filosofia e planos, sua igreja local pensa nas crianças deficientes? Pode você contribuir para financiar o acondicionamento necessário do edifício e do equipamento especial requerido para que essas crianças possam matricular-se e receber o cuidado e a atenção que merecem? Há pais não adventistas em sua área, que gostariam de enviar seus filhos deficientes a sua escola, se possível? Pode fazer provisão de professores especialmente preparados para suprir as necessidades dessas crianças, e também professores assistentes para garantir o cuidado individual?
6. Faça um orçamento para ajudar as crianças deficientes. Sua igreja pode financiar algum projeto para as crianças incapacitadas e suas famílias? Tem algum fundo que poderia utilizar para comprar parte de algum equipamento caro, ou para ajudar as crianças a irem ao acampamento em algum fim-de-semana sem seus pais? Permita que o cuidado das crianças deficientes faça parte do orçamento de sua igreja.
7. Envolva toda a igreja. Está sua igreja preparada para lidar com uma pessoa deficiente? Existem barreiras físicas no edifício, ou preconceitos, temor do desconhecido ou sentimentos de insuficiência entre os membros, que possam induzir uma pessoa inválida a sentir-se incomodada no meio dela? Poderia você adaptar os banheiros de modo a oferecerem fácil acesso a uma cadeira de rodas? Poderia colocar barras apropriadas e chaves especiais a uma altura que a pessoa deficiente possa usá-las sem sentir-se envergonhada? Um terapeuta profissional poderia assessorar nesses aspectos. E quanto a sua Escola Sabatina, Desbravadores e outras atividades da igreja? Estão abertas e acessíveis aos deficientes?
Mais que o aspecto físico, é a atitude das pessoas que precisa ser “reestruturada” a fim de que se possa exercer um ministério eficaz em favor dos deficientes físicos. Uma atividade útil para ajudar os membros a entenderem um pouco como se sente um deficiente, é organizar uma sessão de esclarecimento. Peça a cada pessoa que faça um desenho de si mesma e o entregue a outra, que deverá indicar algum defeito da pessoa desenhada. Por exemplo, uma mancha nos olhos poderia indicar cegueira. Em seguida, devolvem-se os desenhos e todos fazem uma lista das atividades que normalmente gostam de desempenhar, mas que seria impossível, ou muito difícil fazerem, se tivessem essa espécie de defeito. Poderiam também enumerar as possibilidades de realizá-las, e mencionar outras atividades nas quais se interessariam, caso tivessem tal defeito.
Peça aos participantes que reflitam seriamente sobre a forma de reagirem se tivessem esse defeito no momento. Poderia pedir-lhes também que desempenhem o papel de pais que têm filhos deficientes, e enumerem seus sentimentos, reações, necessidades e expectativas. O grupo pode considerar também a forma em que Jesus tratou os deficientes, e assim ensinar métodos altamente positivos de fortalecer o ministério da igreja a seu favor.
O compromisso cristão exige urgentemente que eliminemos de nosso coração o preconceito contra os deficientes. Precisamos abrir nossa vida e nossas igrejas para aceitarem com maior disposição os deficientes, de maneira que possamos com eles partilhar o amor de Jesus e Sua louvável preocupação com eles quando aqui esteve.
Karen Sue Holford, esposa de pastor e terapeuta profissional
“Deus não deseja que uma criança seja inválida. Ele fez tudo perfeito e gostaria que sua criação permanecesse assim.“
“E possível que, como pastor, você enfrente situações semelhantes com muita freqüência. Como agir para infundir nessas pessoas um vislumbre de verdadeira confiança no amoroso cuidado de Deus?“
“Como instituição eclesiástica lutamos por uma educação e iguais oportunidades para todas as crianças à margem de sua capacidade; mas, na prática, é possível que as crianças deficientes sejam discriminadas por nossas escolas.”
“Um terapeuta profissional poderia assessorar tecnicamente nestes aspectos. E o que dizer de sua escola sabatina, desbravadores e outras atividades da igreja? Estão abertas e são acessíveis aos inválidos?“
“O compromisso cristão pede com urgência que eliminemos o preconceito…“