“Podemos nós, nos mais humildes deveres e ínfimas posições da vida, andar e trabalhar com Jesus”

Eugene Peterson fala como sua filha o despertou para a compreensão de que ele estava negligenciando as obrigações familiares devido às suas atividades pastorais: “Eu estava sentado na sala de estar, depois do jantar em uma terça-feira, quando ela me pediu para ler um livro para ela. Respondi-lhe que não podia porque tinha uma reunião na igreja. Ela então disse: ‘Esta é a 38º noite seguida que você não fica em casa.’”1

Há outra declaração que nos faz pensar: “Nós salpicamos aqui e ali tentando desesperadamente cumprir as muitas obrigações que nos pressionam. Somos empurrados para frente e puxados para trás, entre os compromissos ministeriais e as responsabilidades familiares. Enquanto nos ocupamos em satisfazer as necessidades de filhos e esposa, sentimo-nos culpados de negligência para com os requerimentos da igreja. Quando respondemos às pressões do trabalho, tememos estar falhando com nossa família.’”

Talvez você possa se ver pintado neste quadro; oprimido entre as obrigações da família e o trabalho pastoral. Qual das duas coisas deveria ser a sua escolha?

Lembro-me de quando eu era professor em uma universidade e, ao mesmo tempo, pastoreava uma igreja vizinha nos fins de semana. Além disso, era um jovem esposo e pai “neófito” da minha primeira filha. Queria ser perfeito como pai, marido, pastor e professor, e temia afogar-me no mar de papéis e alvos conflitantes que me torturavam. Quando olho para trás, compreendo que simplesmente sobreviví e passei de uma tarefa a outra sem conseguir respostas.

Entretanto, recentemente deparei-me com o livro Freedom of Simplicity [A Liberdade da Simplicidade], de Richard Foster, onde encontrei a ajuda de que precisava. Foster sugere que para experimentar liberdade do emaranhado de papéis conflitantes, devemos “viver no Centro”.3 Para ele, todo aspecto da vida pastoral, quer dirigindo uma comissão ou lendo uma história para sua filha de cinco anos, deve ser centralizado em Deus. “Jardinagem já não era uma experiência fora do meu relacionamento com Deus – descobri-O na jardinagem. Nadar já não era apenas um bom exercício, mas uma oportunidade para comunhão com Deus. Deus em Cristo tinha Se tornado o Centro.”4

Como pode um pastor com as demandas do trabalho nas igreja e no lar praticar a vida no Centro?

Relacionamento com Deus

Primeiramente, viver no Centro significa viver todos os aspectos da nossa vida em relação a Deus. Isso é vida integral. Há uma tendência para dicotomizar a vida em duas esferas diferentes: a secular e a espiritual.

Tendemos a pensar que ajudar a esposa a lavar pratos ou roupas não é parte do nosso ministério, porque assumimos que tais coisas não estão na lista de deveres sagrados. São fora do escopo da descrição de nosso trabalho como pastores. Qualquer trabalho doméstico não incluído em nosso portfólio ministerial é visto como irreligioso ou não santificado. Porém, note estas palavras: “A maior parte da vida de nosso Salvador, passou-a Ele em paciente labor na oficina de carpinteiro em Nazaré. Anjos ministradores assistiam o Senhor da vida quando caminhava ao lado dos camponeses e jornaleiros, sem ser reconhecido nem honrado. Cumpria tão fielmente Sua missão quando trabalhava em Seu humilde ofício como quando curava os doentes ou andava sobre as ondas tempestuosas do mar da Galiléia. Assim podemos nós, nos mais humildes deveres e ínfimas posições da vida, andar e trabalhar com Jesus.”5

Uma das minhas alunas escreveu o que ela sentia sobre a aula e o professor. Disse que valorizava o professor não tanto pelas coisas que ele ensinava mas pela vida que vivia; especialmente quando ela o via estendendo roupas no varal. Por isso, compreendi que fazer tarefas aparentemente simples torna-se um meio extraordinário de testemunho.

Glorificação de Deus

Viver no Centro significa considerar todo aspecto da vida do pastor, no lar e na igreja, como um louvor. Paulo nos admoesta: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (I Cor. 10:31). “Façais outra coisa qualquer” são palavras muito importantes. Elas incluem todas as tarefas da vida do pastor no lar e na igreja. Mesmo quando há um convite para falar em uma ocasião conflitante com o dia dedicado à família, não deveriamos nos preocupar ao termos que dizer “não”. Em minha cultura filipina, é difícil dizer “não”. Às vezes, em nossa extrema cortesia, aceitamos o convite mesmo contra nossa vontade. Mas viver no Centro libera-nos para dizer “não” em tais situações.

Nossa definição de louvor é tipicamente limitada a cantar ou ir à igreja. Mas quando o vemos como algo mais que uma celebração da presença de Deus, e sim honrando-O também com nosso estilo de vida, nossa perspectiva mudará. Paulo nos apela a apresentar nosso corpo como “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rom. 12:1). Da perspectiva bíblica, o louvor abarca toda a vida, quer estejamos investindo tempo em estudos bíblicos ou jogando bola com os filhos. Tudo o que fazemos em nossa vida é feito porque amamos a Deus e desejamos honrá-Lo e glorificá-Lo.

Gastar tempo com a família é considerado um ato de louvor. Mas muitos se sentem culpados e agem de outra forma. “Muitos, por não estarem ligados diretamente a alguma atividade religiosa, acham que sua vida é inútil, que nada estão fazendo para o avançamento do reino de Deus. Se pudessem fazer alguma grande coisa, quão alegremente a empreenderiam! Mas porque só podem servir em pequenas coisas, julgam-se justificados em nada fazer. Erram nisto. Um homem pode estar no serviço ativo de Deus enquanto empenhado nos deveres comuns de cada dia – enquanto derrubando árvores, abrindo clareiras ou indo após o arado. A mãe que educa seus filhos para Cristo está trabalhando para Deus, tão verdadeiramente como o pregador no púlpito.”6

Pastorado em casa

Viver no Centro significa ser pastores em nosso próprio lar. É um grande paradoxo quando somos muito gentis e ternos no relacionamento com a igreja, enquanto brigamos e gritamos com a esposa e os filhos em casa. Se somos pacientes e compreensivos com os irmãos, deveríamos ser pacientes e compreensivos com os membros da nossa família. Às vezes, quando não nos comportamos como um pastor no lar, nossa influência sobre os filhos e a esposa é comprometida. Nossos filhos nos olharão como farisaicos e hipócritas.

Larry Burkett conta a seguinte história: “Evan era o pastor de uma grande igreja evangélica e gastava quase todo momento livre com ela. Embora sua família estivesse com problemas, ele orgulhava-se de nunca permitir que eles interferissem em suas atividades. Então, num sábado pela manhã, o delegado lhe telefonou. Seu filho de 16 anos fora preso por causa de drogas, novamente. Dias antes, sua esposa sofrera um colapso emocional e estava sob observação psiquiátrica no hospital. Depois de atender a ligação, Evan compreendeu que toda sua vida tinha sido uma mentira. Estivera ligado ao seu próprio orgulho. Poderia ter aconselhado a qualquer pessoa na mesma situação a dar mais atenção à família, e até ser atendido.”7

Felizmente a história de Evan não termina aqui. Ele foi capaz de se recuperar do problema. Redimiu-se dos seus erros com a esposa, com seu filho e com Deus. Mas sua experiência fala bem alto a todos os pastores. Não devemos esperar até que a mesma tragédia nos atinja, antes de começar a mudar nosso ponto de referência pessoal e pastoral, daquele que é arbitrariamente dividido para o que opera a partir do Centro.

Se podemos aconselhar e pastorear igrejas, também devemos fazer o mesmo com os membros da nossa família. Nosso trabalho, como pastores, não deve ser confinado à igreja, mas, incluir igualmente nossa casa. E assim que realmente vivemos no Centro.

Referências:

1 Eugene H. Peterson, Under the Unpredictable Plant: an Exploration in Vocational Holiness (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), pág. 35.

2 Richard J. Foster, Freedom of Simplicity (San Francisco: Harper and Row, 1981), pág. 77.

3 Ibidem, pág. 78.

4 Ibidem, pág. 80.

5 Ellen G. White, Caminho a Cristo, págs. 81 e 82.

6 _______________, Profetas e Reis, pág. 219.

7 Larry Burkett, Profiles of Success (North Brunswick, NJ: Bridge-Logos Publishers, 1999), pág. 185.

Ferdinand Regalado, Ph.D., professor de Antigo Testamento no Seminário Teológico da Universidade Adventista das Filipinas