Muitos dentre os fundadores do adventismo não se uniríam à Igreja hoje, se eles tivessem que subscrever as crenças fundamentais da denominação.

Mais especificamente, muitos deles não concordariam com a crença nº 2, a qual trata da doutrina da Trindade. Para José Bates, essa era uma doutrina espúria. Tiago White a classificava como “o velho absurdo trinitariano”. E para M. E. Cornell tratava-se de um fruto da grande apostasia, tal como os falsos ensinamentos da guarda do domingo e da imortalidade da alma.1

Semelhantemente, os pioneiros adventistas ficariam perturbados com a crença nº 4, que fala da eternidade e divindade de Cristo. J. N. Andrews dizia que “o Filho de Deus… tinha a Deus como Seu Pai, e, em algum ponto da eternidade passada, teve início de dias”. E. J. Waggoner, da célebre assembléia de Minneapolis, em 1888, escreveu em 1890 que “houve um tempo quando Cristo originou-Se de Deus… mas esse tempo foi tão longe nos dias da eternidade, que, para a compreensão finita, é praticamente sem começo.

Tampouco poderiam, alguns dos primeiros dirigentes adventistas concordar com a crença n° 5, relacionada com a personalidade do Espírito Santo. Uriah Smith, por exemplo, não apenas era um antitrinitariano e semi-ariano, tal como outros de seus companheiros, também apresentava o Espírito

Santo como “esta divina, misteriosa emanação, através da qual Eles (o Pai e o Filho) levam avante Sua grande Obra.” Noutra ocasião, Smith falou do Espírito Santo, como uma “influência divina” e não uma “pessoa como o Pai e o Filho”.3

Tais incompreensões, durante os anos 1890 – um período no qual a Obra do Espírito Santo e o poder inerente a Cristo estavam sendo enfatizados pelos escritos de Ellen White, E. J. Waggoner e W. W. Prescott – ajudaram a pavimentar o caminho para o panteísmo que Waggoner e John H. Kellogg ensinaram ao redor do fim do século. E, pro-vavelmente, também ajudaram a desencaminhar alguns adventistas em direção à heresia da “carne santa”, no fim dos anos 1890.

Mudança teológica

Aquele período, felizmente, também testemunhou alterações positivas na focalização teológica adventista em áreas relacionadas com a divindade. Tais alterações encontraram suas raízes na assembléia de Minneapolis. As reuniões que ali tiveram lugar enfatizaram a justiça salvadora de Cristo – área do pensamento teológico que os adventistas tendiam a descartar entre o período de 1840 e 1888.

A renovada ênfase sobre a justiça de Cristo, no entanto, ampliou a visão que tinham sobre a divindade, o Espírito Santo e a natureza divina de Cristo, muito adequada para servir como base da nova soteriologia. Foram os escritos de Ellen White que guiaram o caminho das mudanças teológicas. Diferente da experiência vivida no período pós-1844, durante o qual ela seguiu a direção de seu esposo e José Bates, na formulação das doutrinas distintivas da Igreja Adventista, nos anos 1890 ela esteve na vanguarda das reformulações teológicas, através de seus principais escritos sobre Cristo e Seus ensinamentos.

Ao passo que antes das reuniões de Minneapolis ela não tinha sido explícita sobre seu ponto de vista a respeito da Trindade, a personalidade do Espírito Santo e a natureza de Cristo, durante as duas décadas seguintes, falou com grande clareza sobre esses tópicos. Enalteceu as “três pessoas do trio celeste”, estipulou que “o Espírito Santo é tanto uma pessoa como Deus (o Pai) é uma pessoa”, e repetidamente indicou que “Cristo é o auto-existente e preexistente Filho de Deus”.4

Mudanças teológicas geralmente causam certo incômodo às pessoas envolvidas, mas muitas delas respondem a isso de diferentes maneiras.

Talvez, sua declaração mais célebre sobre a natureza divina de Cristo foi publicada em 1898: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada”.5

Nesse mesmo ano foi publicada a obra de Uriah Smith, intitulada Look unto Jesus, segundo a qual “apenas Deus (o Pai) é sem começo. Numa época remota, que poderia ser um começo – um período tão remoto que para a mente finita é essencialmente eternidade – apareceu o Verbo.” Pelo menos nesse assunto Smith estava em harmonia com seu grande rival, E. J. Waggoner, que publicou a mesma coisa na década anterior.Ellen White não somente discordava da antiga teologia adventista, mas novamente cristalizou idéias que abalaram alguns irmãos. Um desses foi M. L. Andreasen, que posteriormente relembrou “quão atônitos ficaram quando apareceu a publicação de O Desejado de Todas as Nações, trazendo algumas coisas consideradas incríveis; entre outras, a doutrina da Trindade, a qual não era geralmente aceita entre os adventistas de então”.

Suspeitando que alguém tivesse usado indevidamente os escritos da irmã White, Andreasen leu atentamente todos os seus manuscritos. “Eu estava particularmente interessado”, disse ele, “na declaração que na-quele tempo havia causado grande preocupação à teologia denominacional: ‘Em Cristo há vida, original, não emprestada, não derivada’. Essa declaração pode não parecer muito revolucionária para você, mas para nós era. Dificilmente poderiamos crer nisso. … Eu estava seguro de que a irmã White jamais escrevera: ‘Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada.’ Mas acabei encontrando em seus manuscritos justamente o que fora publicado.”7

Mudanças teológicas geralmente levam certo incômodo às pessoas envolvidas, mas as pessoas respondem a isso de diferentes maneiras. Alguns, como Andreasen, tiveram a capacidade de se acomodar à “nova teologia”.

Outros, no entanto, acharam tal acomodação impossível. Tal foi o caso de J. S. Washbum, um ministro aposentado que em 1939 publicou um panfleto no qual ele afirmava que a doutrina da Trindade era “uma cruel monstruosidade idólatra”, “uma invenção absurda, impossível”, “uma blasfêmia”, e “uma trapalhada absurda, caricatura irreverente”. Além disso, era uma “doutrina romana” que estava “buscando introduzir sua demoníaca presença nos ensinamentos da mensagem do Terceiro Anjo”. Washburn também afirmou que Prescott não poderia ser um adventista do sétimo dia, porque cria na Trindade.8

Um presidente de Associação ficou tão impressionado com o folheto de Washburn que distribuiu 32 cópias entre seus pastores. Enquanto isso o ponto de vista ariano contido na publicação Daniel e Apocalipse, de Uriah Smith, não foi removido até a metade dos anos 40.

Ellen White e as mudanças

Até agora deve estar claro que os adventistas experimentaram importantes mudanças teológicas ao longo de sua história, e que Ellen White teve um papel destacado nessas mudanças. Isto nos leva à outra questão: Fez a irmã White alguma mudança de ensino e/ou crença em sua experiência pessoal, durante as sete décadas de seu ministério?

Afirmativas sobre os dois lados dessa questão são aparentemente ventiladas com certa freqüência, provavelmente em reação às posições alternativas. Eu gostaria de sugerir que os dois lados do diálogo captam uma parte da verdade, mas que nenhum a possui integralmente.

Antes de olhar a questão em si mesma, devemos compreender que a Sra. White sempre estava aberta à possibilidade de mu-danças. Por exemplo, em 1906, ela escreveu: “Por sessenta anos eu estou em comunicação com mensageiros celestes, e tenho constantemente aprendido algo das coisas divinas.”9

A veracidade dessa afirmação parece estar refletida na crescente complexidade e sofisticação dos vários estágios da história de O Conflito dos Séculos, que ela escreveu e reescreveu desde o início de 1850 até próximo de sua morte, em 1915.

Além de sua disposição para crescer, mesmo na verdade teológica, Ellen White muitas vezes admite que cometeu erros de aconselhamento em várias ocasiões. Geralmente em ocasiões nas quais, segundo ela mesma, “corri adiante do anjo”.

Um exemplo de admissão de erro é encontrado em Testemunhos para a Igreja, onde ela categoricamente declara: “Eu errei”. Essa confissão está relacionada com o fato de que ela não tinha feito o seu melhor em não ter tido tempo para escrever tudo o que vira no Testemunho nº 11, em 1867. O resultado foi menos que satisfatório.10

Noutra ocasião, em 1903, durante um concilio realizado em sua casa, ela falou “palavras que davam liberdade para que certas coisas fossem feitas, em determinado lugar”. Por isso, ela acrescenta, “fui reprovada pelo Senhor. … O mais rápido possível escrevi uma carta dizendo que estava errada em sancionar planos que Deus não aprovara”. Situação igual é encontrada num conselho dirigido à Southern Publishing Association, e que motivou sua retratação.11

Tais informações não apenas indicam que Ellen White estava aberta a mudanças, mas que no seu dia-a-dia, advertindo o povo, ela cometeu erros e reestudava sua posição quando Deus lhe revelava o engano cometido.

Mas, alguém deve estar se perguntando: Teria feito Ellen White alguma mudança em termos de suas idéias relacionadas com a doutrina ou estilo de vida? A resposta é sim. Mas essa resposta necessita refletir as várias nuances da palavra “mudança”, se desejamos compreender suas implicações. É muito fácil enxergar estas nuances. Elas necessitam ser encaradas como sendo de, pelo me-nos, três tipos: 1) esclarecimento, 2) desenvolvimento progressivo, e 3) contradição ou reversão.

Mudanças como esclarecimento

Ocorrência de mudanças, no sentido de esclarecimento, pode ser ilustrada pelo tratamento dado por Ellen White ao assunto da natureza divina de Cristo, em suas várias apresentações da história de O Conflito dos Séculos. Por exemplo, há uma certa nebulosidade em sua explanação sobre a autoridade de Cristo em Spiritual Gifts (1858) e The Spirit of Prophecy (1870), que permite ao leitor interpretar sua posição como estando, ou em harmonia com seus colegas semi-arianos, ou aceitando que Cristo sempre teve completa igualdade com o Pai,12 embora muitos dentre as hostes celestes tenham perdido de vista essa igualdade. Ao contrário de outros escritores do seu tempo, ela afirmou que não poderia ser interpretada como sendo inquestionavelmente semi-ariana.

A nebulosidade foi dissipada em 1890, com a publicação de Patriarcas e Profetas. Nesse volume, ela esclarece o que estava implícito em suas primeiras declarações, afirmando que “não havia nenhuma mudança de posição ou autoridade de Cristo”; a igualdade de Cristo com o Pai “tinha sido a mesma desde o início”.13 A mudança, no caso acima, é uma mudança da ambigüidade para o esclarecimento.

Desenvolvimento progressivo

Um segundo tipo de mudança encontrada nas idéias de Ellen White é a do desenvolvimento progressivo. Um exemplo dessa dinâmica é a abordagem que ela faz a respeito de alimentos imundos.

No início de 1850, alguns dos adventistas sabatistas levantaram a questão sobre se era apropria-do comer carne de porco. Tiago White pensou resolver o assunto de uma vez por todas em novembro daquele ano, ao publicar um trabalho baseado em Atos 10, e outras passagens. Sua argumentação pretendia provar que o uso de carne suína na Era Cristã era absolutamente apropriada.14

Apesar do vigoroso argumento de Tiago, o assunto não morreu. S. N. Haskell agitou os sabatistas no início de 1850. Respondendo a Haskell, Ellen White o advertiu no sentido de que não publicasse seu pensa-mento, pois ele causaria divisão à nascente igreja. “Vi”, ela escreveu, “que seu ponto de vista concernente à carne de porco não se provará uma injúria se você o retiver para si mesmo; mas em seu julgamento você tem feito desta questão um teste. … Se é dever da Igreja abster-se da carne de porco, Deus revelará isso a mais que dois ou três. Ele ensinará a Sua Igreja neste dever. Deus está guiando um povo, não uns poucos indivíduos separados aqui e ali, um crendo uma coisa, outro crendo outra coisa. … Alguns correm adiante dos anjos que es-tão guiando esse povo. Vi que os anjos de Deus guiarão tão firmemente Seu povo que ele poderá receber a verdade e agir de acordo com o que lhe foi comunicado.” Pregar sobre carne de porco naquela época, ela afirmou, seria perigoso “sem a direção divina, então causaria confusão e discórdia no arraial.”15

A verdade presente, como os primeiros adventistas a viam, era dinâmica.

O que podia ser verdade presente para uma geração deveria não ser a mesma coisa, ou um “teste”, para outra.

O casal White, assim como muitos entre os adventistas no início de 1850, ainda usavam carne de porco em sua dieta. Numa carta, a Sra. White avisava a uma irmã para cozinhar carne de porco para seu marido, se ele o desejasse.16

Em 1863, no entanto, seus escritos demonstravam uma nova posição tomada sobre o assunto: “Porco, embora seja um dos mais comuns artigos de dieta, é um dos mais prejudiciais. Deus não proibiu aos hebreus de comer carne de porco simplesmente para mostrar Sua autoridade, mas porque este não é um artigo próprio para alimentação humana. Jamais Deus desejou que o porco fosse comido em qual-quer circunstância.”17

Assim, em poucos anos a Sra. White mudou da tolerância à proibição, quanto ao uso de carne suína, tendo como base a preservação da saúde. Ela manteve essa posição durante o resto de sua vida.

Três coisas aconteceram que contribuíram para a mudança: primeiro, a descoberta de uma nova doença – a triquinose na carne de porco, em 1860, amplamente divulgada. Segundo, a longa batalha entre os adventistas sobre organização foi finalmente concluída com a formação da Associação Geral, em maio de 1863. Com o intenso esforço para desenvolvimento das doutrinas adventistas (1844-1850) e terminada a luta em prol da organização do movimento (1850-1863), o adventismo estava preparado para o próximo passo – desenvolvimento institucional e de estilo de vida (1863-1880).18

O tempo, por conseguinte, preparou para o terceiro elemento na equação adventista a respeito do uso da carne de porco – a visão de Ellen White sobre reforma de saúde, em 6 de junho de 1863, e que teve lugar menos de três semanas após a organização da Associação Geral. Essa visão estabeleceu uma base principal de reforma de saúde que deu nova ênfase ao adventismo primitivo e aos escritos de Ellen White.

Noutras palavras, a mudança dos tempos induziu à mudança de ênfase. A verdade presente, como os primeiros adventistas a viam, era progressiva. Ellen White deixou isto implícito em seu conselho a Haskell, em 1858. “Deus está guiando um povo, não uns poucos indivíduos separados aqui e ali, um crendo uma coisa, outro crendo outra coisa… O Terceiro Anjo está guiando e purificando um povo. … Vi que os anjos de Deus conduziríam Seu povo tão firmemente que ele poderia receber importantes verdades e agir de acordo com o que lhe foi comunicado.”

Em 1863, chegara o tempo para mudanças na área de saúde, incluindo o uso de carne de porco. O conselho de Ellen White es-tava de acordo.

Enquanto isso, seu esposo e outros diziam, por volta de 1872, que comer carne de porco era pecado. Ellen, por sua vez, jamais tomou a posição extrema de seu esposo. Em 1889, ela escreveu que “a carne suína foi proibida por Cristo envolvida numa nuvem encapelada”. Mas, acrescentou, bem de acordo com seu conselho a Haskell em 1888, “esta não é uma questão de teste”. Par ela, como a declaração de 1889 indica, este era um assunto relativo à saúde.19

A diferença no tratamento do assunto do uso da carne de porco, dado pelo casal White, é informativa. Ambos mudaram suas respectivas posições, mas Tiago tomou o extremo oposto, argumentando favoravelmente ao seu uso, com base no Novo Testamento, em 1850, e declarando-o pecado, em 1872. Ellen, evitou posições extremas. Seu conselho em 1858 não foi uma defesa do uso da carne suína, mas foi no sentido de que Haskell não devia alardear suas observações, por que a Igreja não estava preparada para recebê-las. Embora aparente que ela devia não reconhecer todas as implicações naquele tempo, sua declaração em 1858 definitivamente implica que Deus dirigiría na proibição de porco como alimento. Assim, nós encontramos dois diferentes tipos de mudanças nos ensinamentos de Tiago e Ellen White sobre a questão da carne de porco. O tratamento de Tiago ilustra a mudança contraditória, enquanto a posição de Ellen ilustra a mudança progressiva no desenvolvimento da verdade presente.

Significa isso que Ellen White jamais experimentou mudanças contraditórias em seus ensinamentos ou assunto religiosos? Não. Mas, como o ponto seguinte ilustra, nem todas as mudanças em seus escritos foram contraditórias ou reversivas. Algumas foram esclarecedoras, enquanto outras foram progressivas.

Reversão

Um terceiro tipo de mudança nos escritos de Ellen White é o de contradição, ou reversão, de suas primeiras posições. A quantidade desse tipo de mudança em áreas doutrinárias não é grande, mas consideraremos três exemplos.

O primeiro tem a ver com o dia 22 de outubro de 1844, fim dos 2.300 anos da profecia de Daniel 8:14. Em dezembro daquele ano, ela teve uma visão de que alguma coisa acontecera naquele dia. O significado de sua primeira visão estampava-se na face daquele grupo de desapontados. O que ela havia concluído ser trevas, antes da visão, tornou-se uma “brilhante luz” guiando o povo do ad-vento em sua caminhada para o reino.20

Um outro exemplo de mudança contraditória, ou reversa, está relacionado com a compreensão de Ellen White sobre a idéia da “porta fechada”. Guilherme Miller ensinara que ao fim dos 2.300 anos a porta da graça seria fechada, as provações humanas terminariam e a obra de advertir pecadores deveria ser suspensa.21 Todos os adventistas, incluindo Ellen White, que haviam estabelecido o cumprimento da profecia para 22 de outubro, também criam que as provações humanas tinham passado. Apenas gradualmente eles separaram o erro da verdade, neste aspecto de sua teologia.

A mudança de atitude de Ellen White, em relação à “porta fechada” possuía tanto aspectos progressivos e esclarecedores, como aspectos contraditórios. O primeiro desses aspectos tinha a ver com a compreensão da “porta fechada” e do fim das provas para a realidade de que “Jesus fechou a porta do lugar santo e nenhum homem pode abri-la; e que Ele abriu a porta do lugar santíssimo e ninguém pode fechá-la”.22 O aspecto progressivo, naturalmente, relaciona-se com o desenvolvimento da compreensão adventista sobre o santuário celestial.

Mas o assunto da “porta fechada” não pode ser resolvido simplesmente pela aplicação do princípio de mudança progressiva ou esclarecedora. Aqui nós também temos um exemplo de mudança contraditória ou reversa. Nesse ponto, Ellen White admite ter cometido um erro teológico. Em 1874, ela escreveu: “Como meus irmãos e irmãs, depois de haver passado o tempo em 1844, eu cri que pecadores não mais se converteríam. Mas, eu jamais tive uma visão a esse repeito”.23

A nova interpretação veio gradualmente através da compreensão das implicações das doutrinas do sábado e do santuário para a missão mundial, no contexto de Apocalipse 14:6-12, e através de suas primeiras visões. Assim como aconteceu com seus seguidores, a má interpretação da porta fechada foi resolvida com o tempo, em sua mente.

Um terceiro exemplo de mudança contraditória pode ser visto na questão levantada nos dias de Ellen White, sobre os limites do sábado. Os primeiros sabatistas estavam muito divididos nessa questão. Alguns estabeleciam o início do sábado a partir do pôr-do-sol, outros estabeleciam o amanhecer do dia, ou as seis da manhã. E outros, ainda, a meia-noite.

J. N. Andrews foi comissionado a estudar o assunto e apresentar uma monografia na assembléia de Battle Creek, em novembro de 1855. Seus argumentos bíblicos favoráveis ao pôr-do-sol convenceram quase todos. Ao término da apresentação de Andrews, Ellen White teve uma visão que confirmava a verdade bíblica e produziu unidade entre os crentes. A visão, escreveu Tiago White em 1868, “confirmou o assunto com o irmão Bates e outros e harmonia geral prevaleceu entre nós, neste ponto, desde então”.24

Caso algum dos inimigos dos adventistas do sétimo dia fossem tentados a sugerir que essa experiência era exatamente o método de Ellen White manipular os crentes, através de suas visões, Uriah Smith foi cuidadoso em apontar que a conclusão da visão a respeito do pôr-do-sol “era contrária a seu próprio sentimento no tempo em que a visão lhe foi dada”. Em outras palavras, ela mudou da posição inicialmente tomada em favor das seis da manhã, para a posição favorável ao pôr-do-sol, depois da visão.25 Dessa forma ela estava entre os “outros” mencionados pelo seu esposo, e que necessitavam ser conduzidos em harmonia com o corpo de crentes.

Os exemplos acima indicam que Ellen White foi susceptível de crer em algum erro e, posteriormente, crescer na compreensão da verdade. Ela sabia perfeitamente o que estava falando em 1906 quando observou que durante sessenta anos estivera “aprendendo constantemente sobre as coisas divinas”.

Conceito dinâmico da verdade

José Bates, Tiago e Ellen White possuíam um conceito dinâmico do que eles chamavam “verdade presente”. Bates usou a frase no início de 1846 em relação ao sábado. Noutras vezes ele expandiu o conceito para incluir toda a mensagem de Apocalipse 14:6-12. A “verdade presente” era o sábado, o santuário e verdades afins.26

Tiago White, em 1849, depois de citar II Ped. 1:12 com seu uso da “verdade presente”, escreveu que “no tempo de Pedro houve uma verdade presente, ou uma verdade aplicável ao tempo presente. A Igreja tem sempre uma verdade presente. Hoje, essa verdade é a que mostra o presente dever e a posição correta para nós que testemunhamos em tempos de provas”. Ele estava em pleno acordo com Bates quanto ao conteúdo da “verdade presente”. Os primeiros dois anjos de Apocalipse 14 tocaram suas trombetas; chegara a vez do terceiro.27

Argumentando em 1857 que alguns crentes estavam “dispostos a se desviar das grandes verdades ligadas à terceira mensagem angélica, para assuntos de pouca importância”, White observou que era “impossível fazer alguns entenderem que ‘verdade presente’ é verdade presente, e não verdade futura. E que a Palavra como uma lâmpada brilha claramente onde nós estamos, e não tão claramente na vereda à distância”.28 Assim, White deixou o caminho aberto para o futuro desenvolvimento da doutrina adventista.

Ellen White concordava com essa posição flexível. Portanto, enquanto ela afirmava categoricamente em 1850 que “nós temos a verdade, nós a conhecemos; graças a Deus”, também dizia 53 anos mais tarde que “deve haver um desenvolvimento da compreensão, pois a verdade é passível de constante expansão. … Nossa exploração da ver-dade é incompleta. Temos alcançado apenas uns poucos raios de luz”. Ela notara que o que podia ser “verdade presente” para uma geração deveria não ser a mesma coisa ou um “teste” para outra.29

Tiago e Ellen White estavam abertos para posterior desenvolvimento na pesquisa da verdade. Ela não se abalou com a luz progressiva relacionada com o uso da carne de porco, ou com o revolucionário desenvolvi-mento da teologia adventista nos anos 1880 e 1890. Naturalmente, ela mostrou-se inflexível no sentido de que a nova verdade presente nunca deve negar os pilares doutrinários desenvolvidos nos anos 1840, e que deram ao adventismo um lugar único na história cristã.

Só a Bíblia

A possibilidade de posterior desenvolvimento da verdade presente foi uma razão pela qual Tiago White e outros primeiros crentes adventistas se opuseram ao estabelecimento de credos. Ademais, não tinham muitos dos adventistas sido expulsos de suas denominações anteriores, justamente por causa da descoberta de novas verdades bíblicas, a respeito das quais não puderam calar-se? Em virtude dessa experiência, os primeiros adventistas estabeleceram que seu único credo seria a Bíblia.

Em 1861 numa reunião em que os primeiros sabatistas organizaram sua primeira Associação estadual, John Loughborough enfatizou o problema que os prioneiros viam no credo. De acordo com ele, “o primeiro passo para a apostasia é estabelecer um credo e dizer que devemos crer nele. O segundo é fazer desse credo um teste de discipulado. O terceiro é provar os membros por esse credo. O quarto passo é denunciar como heréticos aqueles que não crêem no credo. E, quinto, persegui-los por isso”.30

Tiago White então falou, mostrando que “estabelecer um credo é fazer estacas e levantar barreiras ao futuro desenvolvimento”. Ele se queixou de algumas pessoas que através de seus credos “delimitaram um caminho para o Todo-poderoso. Elas dizem virtualmente que o Senhor não deve fazer qual-quer coisa no futuro, além daquilo que está marcado no credo. … A Bíblia é nosso credo. Rejeitamos qualquer coisa na forma de um credo humano”,31 ele concluiu.

Depois de uma animada discussão, a Associação unanimemente votou adotar um “Compromisso de Igreja”, que continha uma curta declaração de crenças fundamentais, sobre a base de que a Igreja tem a responsabilidade de dizer alguma coisa do que crê a seus membros e interessados, mesmo evitando um credo inflexível.

Desde o desenvolvimento da primeira Associação organizada em 1861, a Igreja Adventista do Sétimo Dia teve apenas três declarações de crenças que conseguiram certo grau de aceitação oficial, e apenas uma foi votada por uma assembléia da Associação Geral. A primeira foi a declaração de Uriah Smith, em 1872. A segunda data de 1931, e a terceira é a declaração de crenças fundamentais adotada pela Associação Geral, na assembléia de 1980.

Houve, no entanto, fortes tentativas para estabelecer as crenças adventistas como um “cimento doutrinário”. Sucessivamente, porém, sofreram resistências. Desde os anos 30 até 1980 a declaração de 1931 aparece em publicações denominacionais, dando-lhe assim, um status oficial apesar de que foi formulada algo como casualmente. Em 1946 a Associação Geral votou que “nenhuma revisão desta declaração de crenças fundamentais, como aparece no Manual da Igreja, deveria ser feita em tempo algum, exceto na assembléia da Associação Geral”. Esse voto toma a declaração de 1980 mais oficial do que qualquer coisa que a Igreja tenha feito anteriormente.

Mas, talvez, a coisa mais estarrecedora sobre a declaração de 1980 é seu preâmbulo. Ele não apenas começa com a afirmação histórica de que “a Igreja Adventista aceita a Bíblia como seu único credo e seguro fundamento de suas crenças para o ensinamento das Santas Escrituras”, mas também deixa aberto o caminho para posterior revisão.

No espírito da natureza dinâmica do primitivo conceito de verdade presente, o preâmbulo fecha com a seguinte sentença: “A revisão desta declaração deve esperar até a assembléia da Associação Geral, quando a Igreja é dirigida pelo Espírito Santo a uma completa compreensão da verdade da Bíblia ou encontra melhor linguagem para expressar os ensinamentos da Santa Palavra de Deus.”

Essa é realmente uma extraordinária afirmação. Como eu a compreendo, no entanto, a provisão para a possibilidade de revisão sofreu resistência por parte de alguns – suponho que em temor de perda do conteúdo histórico do adventismo. Esse medo, todavia, simplesmente realça as más interpretações sobre a natureza do adventismo histórico. No centro dessa frase estão incluídas as distintivas doutrinas que formaram o fundamento da unicidade do adventismo nos anos 1840, e as grandes verdades do Evangelho, redescobertas em 1888, que a denominação partilha com cristãos evangélicos. O problema, naturalmente, é que sempre há quem queira multiplicar o número de doutrinas distintivas.

Nesse sentido, alguns argumentavam, na ocasião da assembléia de Minneapolis e nos anos 1890, que os adventistas necessitavam de um credo para proteger a “verdadeira” posição da lei na carta de Paulo aos gálatas e os dez chifres do livro de Daniel. Ellen e W. C. White, após muito esforço, bloquearam o estabelecimento de um credo naquele tempo. Todavia, existem muitos hoje que gostariam de ver uma declaração inflexível de crenças denominacionais, sobre variados assuntos como a natureza humana de Cristo e hermenêutica bíblica.

Tais movimentos até poderiam estar fundamentados sobre os melhores motivos, como a proteção do adventismo histórico, mas alguns suspeitam que no processo de preservação do conteúdo histórico do adventismo eles podem atualmente matar seu lado espiritual. Os fundadores do adventismo expressaram uma grande dose de sabedoria em sua compreensão da natureza dinâmica da verdade presente e em seu clamor de que “a Bíblia é nosso único credo”.

Referências:

  • 1. José Bates, The Autobiography of Elder Joseph Bates, Battle Creek, MI, 1868, págs. 204 e 205; Tiago White, “The faith of Jesus”, Review and Herald, 5/8/1852, pág. 52; M. E. Cornell, Facts for the Times, Battle Creek, MI, 1858, pág. 76.
  • 2. J. N. Andrews, Review and Herald, 7/9/1869, pág. 84; E. J. Waggoner, Christ and His Righteousness, Oakland, Califórnia, 1890, págs. 9, 19 a 22.
  • 3. Uriah Smith, General Conference Daily Bulletin, 1891, pág. 146; Uriah Smith, Review and Herald, 28/10/1890, pág. 64.
  • 4. Ellen White, Evangelismo, págs. 615 e 616; The SDA Bible Commentary, vol. 6, pág. 1075.
  • 5. ____________, O Desejado de Todas as Nações, CASA, 1990, pág. 530.
  • 6. Uriah Smith, Looking unto Jesus, Battle Creek, MI, 1898, pág. 10.
  • 7. M. L. Adreasen, The Spirit of Prophecy, 30/11/1948.
  • 8. J. S. Washburn, The Trinity (folheto), 1940; Gilbert M. Valentine, The Shaping of Adventism: The Case of W. W. Prescott, Andrews University, 1992, págs 279 e 280.
  • 9. Ellen White, Mensagens Escolhidas, vol. 3, CASA, 1987, pág. 71.
  • 10. _____________, Testimonies for the Church, vol. 1, pág. 563.
  • 11. _____________, Manuscript Releases, White Estate, 1990-1993, vol. 13, pág. 121; Arthur White, Ellen G. White: The Earlky Elmshaven Years, 1981, págs. 187-197.
  • 12. Ellen White, Spiritual Gifts, vol. 1, pág. 18.
  • 13. ______________, Patriarcas e Profetas, Pacific Press, 1958, pág. 380.
  • 14. Tiago White, The Present Truth, novembro de 1850, págs. 87 e 88.
  • 15. Ellen White, Testimonies, vol 1. págs. 206 e 207.
  • 16. Tiago White, in H. E. Carver, Mrs. E. G. White Claim to Divine Inspiration Examined, 1877, pág. 20.
  • 17. Ellen White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, CASA,
  • 1988, pág. 417.
  • 18. George Knight, Anticipating the Advent: A Brief History of Seventh-Day Adventists Pacific Press, 1993, capítulos 2 a 4.
  • 19. Tiago White, Health Reformer, janeiro de 1872, pág. 18.
  • 20. _____________, A Word to the “Little Flock”, 1847, pág. 22.
  • 21. Guilherme Miller, Evidence from Scripture and History of the Second Coming of Christ About the Year 1843, pág. 237.
  • 22. Ellen White, Primeiros Escritos, CASA, 1988, pág. 42.
  • 23. _____________, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 74.
  • 24. J. N. Andrews, Review and Herald, 4/12/1855, págs. 76-78; Tiago White, R&H, 25/2/1868, pág. 168.
  • 25. Uriah Smith, Review and Herald, 30/8/1864, pág. 109.
  • 26. José Bates, The Seventh Day Sabbath a Perpetual Sign, pág. 2.
  • 27. Tiago White, The Present Truth, julho de 1894, pág. 1.
  • 28. ____________, Review and Herald, 31/12/1857, pág. 61.
  • 29. Ellen White, Manuscrpits Releases, vol. 5, pág. 201.
  • 30. Review and Herald, 5, 6 e 8/10/1861.
  • 31. Ibidem.