Palestra proferida na Universidade Andrews em 22 de outubro de 1978, ao ser dado o nome de “Siegfried H. Horn” ao Museu Arqueológico.
Em 1952 fiz um sumário das realizações da arqueologia bíblica em três preleções apresentadas na Conferência Bíblica realizada em Takoma Park, Maryland. 1 A última dessas três preleções foi dedicada à grande descoberta dos rolos, ocorrida então recentemente no deserto da Judeia, perto do Mar Morto. Essa descoberta sensacional, que se tomou conhecida ao mundo na primavera de 1948, isto é, trinta anos atrás, é portanto um ponto de partida conveniente para fazer um novo sumário do que foi realizado na imensamente excitante disciplina da arqueologia bíblica.2 Pode-se dizer verdadeiramente que as descobertas efetuadas durante as três últimas décadas superam com facilidade as que ocorreram durante o século precedente, em seu impacto total sobre a melhor compreensão da Bíblia.3
Essas realizações podem ser classificadas em sete divisões: 1) A consolidação da cronologia antiga; 2) a descoberta de textos referentes à história da escrita; 3) a descoberta de textos antigos que lançaram luz sobre vários períodos da história bíblica; 4) a descoberta de antigos manuscritos bíblicos; 5) o sensacional achado dos textos de Ebla, da época pré-patriarcal; 6) a escavação de cidades-chave na Terra Santa, com alguns resultados notáveis; e 7) descobertas que têm especial relação com o Novo Testamento. Nas páginas que se seguirão procurarei fazer uma breve sinopse dessas diversas descobertas e realizações e avaliá-las com respeito a seu impacto sobre o estudo da Bíblia. As notas adicionais, com seu auxílio bibliográfico, ajudarão o leitor a obter informações mais pormenorizadas quanto a certos aspectos em que possa estar especialmente interessado.
1. Cronologia Antiga
Em 1948 fora alcançada certa estabilização no esquema cronológico da história do antigo Oriente Próximo. As descobertas de sincronismos em Ur e Mari, de listas de reis sumerianos e de textos astronômicos no Egito e na Mesopotâmia haviam causado pelo menos três mudanças radicais em nossa compreensão da cronologia antiga, cada uma das quais resultou na redução das datas para as mais antigas dinastias históricas, tanto no Egito como na Mesopotâmia. Deste modo as datas do início da história egípcia haviam nesse tempo sido reduzidas do sétimo milênio antes de Cristo para cerca de 3000 A.C., embora ainda não fosse bem claro se a data inicial para a Primeira Dinastia deveria ser 3100, segundo pensavam muitos egiptólogos, ou 300 anos mais tarde, conforme alegavam outros. A mesma situação de um consenso quase unânime fora alcançada no tocante à marcação das datas para o início da história mesopotâmica, com diferenças entre os eruditos que eram mais ou me-nos da mesma amplitude que no setor da cronologia egípcia. Outrossim, os problemas da cronologia da história do Velho Testamento no período dos reis hebreus haviam sido finalmente solucionados pelo trabalho de E. R. Thiele,’ embora o seu esquema cronológico ainda não fosse universalmente aceito em 1948.6
Durante as três últimas décadas, não houve descobertas surpreendentes que nos obrigassem a reduzir ou a alongar o esquema cronológico que fora estabelecido por volta de 1948. No entanto, importantes descobertas que ocorreram desde então consolidaram os resultados alcançados há trinta anos.
Em primeiro lugar, cumpre mencionar o método do Carbono 14 para datar antigos materiais orgânicos, o qual foi descoberto em Baltimore, no ano de 1947, e desenvolvido por W. F. Libby, da Universidade de Chicago. Depois de alguns anos de experimentação, durante os quais teve de ser alterado o suposto semiperíodo de desintegração radioativa, esse método atingiu razoável grau de exatidão para a medição dos períodos históricos de tempos antigos,7 segundo tenha sido possível aferir os resultados por materiais que podem ser datados, como objetos de madeira contendo inscrições procedentes do Egito, bem como pelas sequóias e certa espécie de pinheiro, cuja idade pode ser determinada pela contagem de seus anéis.8
O impacto do computo de datas pelo Carbono 14 sobre nosso conhecimento de culturas que não deixaram registros históricos é consideravelmente maior do que o que ele causou sobre a história de civilizações antigas, como as do Egito e da Mesopotâmia. Por exemplo, durante os últimos trinta anos, verificou-se que a origem das ruínas de Zimbabwe, na Rodésia, para as quais as estimativas atribuíam uma variação que ia de 1000 A.C. até 1000 A.D., deu-se por volta de 300 A.D., segundo o método do Carbono 14. Também foram datadas as épocas das diversas culturas antigas da Europa e da América — uma realização que há algumas décadas ninguém julgava possível.
Além disso, a descoberta de uma nova lista de reis assírios (A Lista SDAS de Reis Assírios) por este autor em 1953 e a subseqüente publicação dessa lista bem como da Lista dos Reis de Khorsabad, encontrada vinte anos antes mas ainda não publicada, confirmou a cronologia mesopotâmica do segundo e primeiro milênios antes de Cristo, segundo fora estabelecida antes de 1948,«preenchendo lacunas que ainda existiam nos esquemas cronológicos.9 O resultado de tudo isso é que as incertezas no tocante às datas mesopotâmicas não importam em mais de 65 anos para o segundo milênio A.C., e que as datas para o primeiro milênio são praticamente certas.
Esse processo de consolidação também ocorreu com respeito à cronologia do antigo Egito. Em 1945 foi publicado um importante estudo por meu antecessor, Lynn H. Wood, o qual pela primeira vez estabeleceu uma data absolutamente fixa na cronologia egípcia do segundo milênio A.C. — o início da Duodécima Dinastia em 1991.10 Em 1950 Ricardo Parker publicou um abalizado estudo sobre os sistemas de calendário egípcio e sobre problemas cronológicos, no qual ele resolveu muitos pontos obscuros da cronologia egípcia e confirmou a data 1991 A.C. para o início da Duodécima Dinastia do Egito. 11 Desde então a cronologia dos reis dessa dinastia tem sido um esquema inatacável. Alguns outros períodos da cronologia egípcia não se acham tão bem estabelecidos. É agora virtualmente certo que a Primeira Dinastia começou no trigésimo primeiro século A.C. Importa afirmar, porém, que com exceção da Duodécima e da Vigésima Sexta Dinastias, todas as datas na antiga história egípcia são um tanto indefinidas. Para alguns reis a incerteza importa em algumas décadas, ao passo que para outros é de apenas alguns anos. De um modo geral, pode-se dizer que o esquema da cronologia egípcia em 1948 resistiu à prova dos últimos trinta anos.12
A publicação em 1953 de papiros aramaicos encontrados mais de meio século antes, em Elefantine, Egito, mas ocultados até 1947 num baú, em um armazém de Nova Iorque, contribuiu de maneira muito auspiciosa para solucionar enigmas cronológicos. Pela primeira vez eles proporcionaram clara informação sobre o calendário judaico do período posterior ao exílio babilônico, e forneceram provas de que estavam certos os eruditos que haviam asseverado, com base em determinados textos bíblicos, que os judeus datavam os anos do reinado dos monarcas babilônios ou persas de acordo com o seu próprio calendário, que começava no outono, em contraste com o calendário babilônico-persa, que começava na primavera.13
Outras descobertas, tais como a crônica de Babilônia que abrange diversos anos do reinado de Nabucodonosor, dirimiram dúvidas acerca de datas relacionadas com os últimos anos dos reis de Judá. Ao mesmo tempo, essa crônica também proveu pela primeira vez uma data exata para uma ocorrência da história bíblica — o dia, mês e ano da queda de Jerusalém no tempo do rei Joaquim: 15/16 de março de 597 A.C.14 Não mais se pode dizer que os últimos anos da história do reino de Judá estão envoltos em mistério, pelo que diz respeito a informações de fontes não bíblicas.
Concluindo esta parte sobre as realizações no tocante à cronologia antiga, durante o período considerado, podemos dizer que esse período foi deveras compensador para os que se interessam em assuntos cronológicos. No início desse período ouvia-se freqüentemente a pergunta: Quantas modificações radicais ainda haverá na cronologia antiga, antes que se atinja a estabilização? Muitos eruditos bem versados, incluindo W. F. Albright, estavam convictos em 1948 de que já se atingira a estabilização,15 e sua fé foi plenamente confirmada ao verem com satisfação como uma nova descoberta após a outra corroborou, em maior ou menor grau, os resultados obtidos no âmbito da cronologia antiga. Quase todas as descobertas pertinentes feitas depois de 1948 têm confirmado as datas estabelecidas antes desse ano, ou só as têm modificado um pouco para diante ou para trás. O resultado é que hoje a maioria das datas antigas estão estabelecidas, e onde ainda há incertezas, a margem de erro é tolerável. A não ser para o começo da história egípcia e mesopotâmica, onde ainda é necessário fazer uma “concessão” de um século a mais ou a menos, o limite da incerteza não é maior do que alguns anos, ou, em muitos casos, do que um ou dois anos. Esta é uma consecução muitíssimo gratificante que possibilitou reconstruir a história antiga de modo que seja atingido tal grau de exatidão como jamais no passado.16
2. História da Escrita
A história da escrita era bem conhecida trinta anos atrás. O século dezenove testemunhou a bem sucedida decifração dos hieróglifos egípcios e da escrita cuneiforme dos sumérios, que também foi adotada por outras nações, como os assírios, babilônios e hititas. Durante a primeira metade do século vinte foram decifradas duas escritas alfabéticas desconhecidas: primeiro a escrita proto-sinaítica hieroglífica, por Alan Gardiner, em 1915,17 e depois a escrita cuneiforme ugarítica, por Hans Bauer e Edouard Dhorme, em 1930.18 Essas realizações provaram o erro dos eruditos que haviam asseverado que não existira nenhum sistema de escrita alfabética antes do primeiro milênio A.C. — um ponto de vista partilhado amplamente até a Primeira Guerra Mundial, por eruditos bíblicos liberais.
Durante as três últimas décadas, prosseguiu a obra de decifrar escritas desconhecidas. Cumpre mencionar primeiro a decifração do sistema de escrita hieroglífica hitita, com a ajuda das inscrições bilíngues descobertas em Karatepe, no Sul da Turquia, em 1947;19 e da escrita Minoica Linear B, em 1952, pelo brilhante e jovem arquiteto Michael Ventris, que faleceu quatro anos mais tarde, num acidente automobilístico. 20 Conquanto esses triunfos no setor da escrita tenham apenas importância marginal para os estudos da Bíblia, eles abriram novas perspectivas em nossa compreensão do mundo antigo.
De muito maior importância em nosso setor de interesse é o progresso feito no âmbito da paleografia semítico-ocidental, a ciência de datar antigos documentos escritos em aramaico, fenício, hebraico e línguas correlatas, com base na forma da escrita usada. Embora a paleografia grega se houvesse tomado uma disciplina digna de confiança para avaliar acuradamente manuscritos gregos sem data, com uma margem de erro de apenas alguns anos, a datação de manuscritos hebraicos sem data era um tanto sujeita a conjeturas de sábios. (Continua no próximo número.)
Pode-se dizer verdadeiramente que as descobertas efetuadas durante as três últimas décadas superam com facilidade as que ocorreram durante o século precedente, em seu impacto total sobre a melhor compreensão da Bíblia.
Durante as três últimas décadas, não houve descobertas surpreendentes que nos obrigassem a reduzir ou a alongar o esquema cronológico que fora estabelecido por volta de 1948.
1. Publicado em Our Firm Foundation, vol. 1, págs. 61-116.
2. Estou bem ciente do fato de que muitos arqueólogos palestinos não apreciam que os trabalhos arqueológicos levados a efeito no Oriente Próximo, em geral, e na Terra Santa, em particular, recebam a designação de arqueologia bíblica. Entretanto, ninguém negará que grande parte das descobertas efetuadas em regiões relacionadas com a Bíblia têm muito que ver com esse Livro. Que os cristãos estão interessados nessa obra que lança luz sobre a Bíblia é demonstrado pelo êxito de tais periódicos como Biblical Archaeologist e Biblical Archaeology Review, bem como de muitos livros que contêm nomes semelhantes.
3. Isto é uma adaptação de uma declaração feita por W. F. Albright em 1952, no tocante ao progresso que houve no âmbito da arqueologia bíblica durante quase duas décadas que decorreram entre a publicação de seu livro The Archaeology of Palestine and the Bible e de seu artigo: “A Biblia Depois de Vinte Anos de Arqueologia”, inserido em Religion in Life 21 (1952): 537.
4. Ver os artigos de Albright: “Modificação Radical na Cronologia da Ásia Ocidental Antiga”, Bulletin of the American Schools of Oriental Research (doravante citado como BASOR) 69 (fev. de 1938): 18-21; “A Cronologia da Ásia Ocidental Antes de 1500 A.C.”, BASOR TI (fev. de 1940): 25-30; “Terceira Revisão da Cronologia Primitiva da Ásia Ocidental”, BASOR 88 (dez. de 1942): 28-36; cp. também com meus artigos: “Uma Modificação Radical na Cronologia Primitiva da Ásia Ocidental”, Ministry 30: 6 (junho de 1957): 4-8; “Uma Modificação Radical na Cronologia Primitiva do Egito”, Ministry 32:6 (junho de 1959): 29-33.
5. “A Cronologia dos Reis de Judá e Israel”, Journal of Near Eastern Studies (doravante citado como JNES) 3 (1944): 137-186. Este trabalho foi publicado posteriormente em forma ampliada, sob o título: The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings (Chicago, 1951; ed. rev., Grand Rapids, Mich., 1965), e A Chronology of the Hebrew Kings (Grand Rapids, Mich., 1977).
6. Ver por exemplo “A Cronologia da Monarquia Dividida de Israel”, Albright, em BASOR 100 (dez. de 1945): 16:22.
7. A literatura profissional sobre a fixação de datas pelo Carbono 14 é tão imensa que só um especialista pode orientar-se em seus meandros. Ver o artigo popular de L. J. Briggs e K Weaver: “Quão Velho É?”, National Geographic 114 (agosto de 1958): 234-255.
8. Ver o artigo de E. Schulmann: “Bristlecone Pine, Oldest Known Living Thing”, National Geographic 113 (março de 1958): 354-372; C. W. Ferguson: “Bristlecone Pine”, Science 159 (1968) 839-846; C. Renfrew “A Europa Antiga É Mais Velha do que Pensávamos”, National Geographic 152 (nov. de 1977): 614-623.
9. I. J. Gelb, “Duas Listas de Reis Assírios”, JNES 13 (1954): 209-230; Benno Landsberger, “Assyrische Königsliste und ‘Dunkles Zeitalter’”, Journal of Cuneiform Studies 8 (1954): 32-45, 47-73, 106-133.
10. “O Pairo Kahun e a Data da Duodécima Dinastia”. BASOR 99 (out. de 1945): 5-9.
Outras descobertas, tais como a crônica de Babilônia que abrange diversos anos do reinado de Nabucodonosor, dirimiram dúvidas acerca de datas relacionadas com os últimos anos dos reis de Judá.
11. The Calendars of Ancient Egypt (Chicago, 1950), pág. 69.
12. Para uma análise conveniente do grau de fidedignidade das datas egípcias, ver meus comentários sobre a obra de E. Homung: Untersuchungen zur Chronologie und Geschichte des Neuen Reiches (Wiesbaden, 1964), em JNES 25 (1966): 280-283.
13. Emil G. Kraelin, The Brooklyn Museum Aramaic Papyri (New Haven, Conn., 1953); Horn e Wood, The Chronology of Ezra 7 (Washington, 1953, ed. rev. em 1970); Horn e Wood, “O Calendário Judaico do Quinto Século em Elefantine”, JNES 13 (1954): 1-20.
14. D. J. Wiseman, Chronicles of Chaldaean Kings (Londres, 1956), pág. 33.
15. Albright, “A Biblia Depois de Vinte Anos”, pág. 538.
16. Ver as tabelas cronológicas publicadas recentemente na terceira edição dos volumes 1 e 2 de The Cambridge Ancient History (Cambridge, 1970-1975), vol. 1, parte 2, págs. 994-1003; vol. 2, parte 1, págs. 819-823, vol. 2 parte 2, págs. 1038-1045.
17. Alan H. Gardiner, “A Origem Egípcia do Alfabeto Semítico”, Journal of Egyptian Archaelogy 3 (1916): 1-16. Muitos eruditos tèm desde então trabalhado nas inscrições proto-sinaíticas, algumas das quais foram descobertas no Sinai, outras na Palestina.
18. Ver Maurice Pope, The Story of Archaeological Decipherment (Nova Iorque, 1975), págs. 117-122.
19. Idem, págs. 136-145.
20. Idem, págs. 159-179; ver também John Chadwick. The Decipherment of Linear B (Nova Iorque, 1958).
Dr. Siegfried H. Horn