“As pessoas precisam de um lugar onde possam ser amadas e cuidadas, onde possam ser abertas e vulneráveis”

Poucos meses atrás, visitei um pequeno grupo frequentado por servidores da Divisão Sul-Americana. No momento dedicado ao testemunho, ouvi um dos membros daquele grupo dizer, a propósito do aniversário que ele comemorava naquele dia: “Costumeiramente, o pessoal do meu coral sai para comemorar os aniversários e alguns me telefonaram para combinar a saída. Porém, eu disse a eles que já tinha compromisso com meu pequeno grupo. Quando eu mais precisei, vocês me sustentaram com suas orações e amizade. Agora, em um momento de alegria e bênçãos, fiz questão de vir aqui para comemorarmos juntos.”

Percebi que aquele pequeno grupo realmente estava cumprindo seu papel de acolher com carinho e amizade, e isso tinha feito diferença.

“Os seres humanos são basicamente sociáveis”, diz Russel Burrill, acrescentando que “não fomos feitos para viver sozinhos, mas em comunidade. Essa necessidade de viver em comunidade foi criada por Deus e é inerente ao nosso ser.”1 Na criação, Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2:18). E Jesus Cristo ressaltou: “Nisto conhecerão todos que sois Meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35).

Interação indispensável

A expressão “uns aos outros” é bastante utilizada por Paulo e é repetida 75 vezes na Bíblia,2 servindo para descrever a forma de relacionamento que Deus espera ser desenvolvido por Sua igreja. Por exemplo, os irmãos devem ser bondosos e compassivos uns para com os outros (Ef 4:32), encorajar os outros (Hb 3:13), ser benignos e aconselhar uns aos outros (Rm 15:14), orar uns pelos outros (Tg 5:16), levar as cargas uns dos outros (G16:2), amar uns aos outros (Jo 13:35), não falar mal uns dos outros (Tg 4:11).

Novamente citando Burril, “neste sentido, é impossível ser cristão e viver em isolamento… não há cristianismo fora da comunidade. Envolvimento na comunidade significa viver em mútua dependência de outros cristãos”3

Geralmente, não gostamos de ser dependentes; aliás, vivemos em uma sociedade egoísta, em que cada um deseja viver a vida a seu próprio modo. Contudo, ninguém é feliz vivendo dessa maneira. “Deus colocou no coração humano o desejo de conhecer e ser conhecido, amar e ser amado. A humanidade precisa desesperadamente de comunidade hoje. As pessoas precisam de um lugar onde possam ser amadas e cuidadas, onde possam ser abertas e vulneráveis, sem ser julgadas”.4

O ambiente mais propício para se viver satisfatoriamente esse tipo de relacionamento é o pequeno grupo. Embora as várias reuniões programadas pela igreja sejam essenciais para o crescimento cristão, elas não podem substituir a reunião de pequeno grupo.

Reuniões sociais

Por sua informalidade e natureza, o encontro do pequeno grupo provê condições adequadas para desenvolver amizade, cuidado mútuo e prestação de contas. João Wesley, o pai do metodismo, chegou a essa mesma conclusão. Ele descobriu que a melhor forma de cuidar e consolidar a fé das pessoas que eram atraídas às suas reuniões evangelísticas era através das chamadas classes, uma espécie de pequeno grupo que ele passou a desenvolver. Wesley levava tão a sério a importância da participação de seus conversos nessas classes, que não aceitava no metodismo quem recusasse tal prática.5

O adventismo primitivo também se desenvolveu colocando as chamadas “reuniões sociais”, pequenos grupos da época, no centro de suas atividades.6 Nossos pioneiros “viam que o adventismo não devia se preocupar apenas com o desenvolvimento mental do crente, mas também com a natureza emocional, ou social… Eles consideravam o desenvolvimento harmonioso das faculdades físicas, mentais, sociais e espirituais como a essência da verdadeira educação.”7 Portanto, por meio das reuniões sociais, eles cuidavam do desenvolvimento relacionai dos membros, e procuravam mantê-los espiritualmente responsáveis. Ali, as pessoas compartilhavam a vida cristã. Era o lugar em que os membros mais amadurecidos e os neófitos recebiam apoio e discipulado.

Descrevendo o conteúdo dessas reuniões, Ellen G. White escreveu: “Reunimo-nos para mutuamente nos edificarmos com o intercâmbio de ideias e sentimentos; para adquirirmos poder, luz e ânimo ao nos familiarizarmos com as esperanças e desejos uns dos outros; e ao orarmos com fé, sinceridade e fervor receberemos refrigério e vigor da Fonte de poder. Essas reuniões devem, pois, ser ocasiões sumamente preciosas e tornar-se atraentes a todos os que apreciem as coisas religiosas.”8

“Para os pioneiros do adventismo, as reuniões sociais eram consideradas parte regular da vida da igreja.”“Frequentá-las assiduamente era considerado dever para os crentes.”10 “Elas eram realizadas em nível de igreja local, nas reuniões campais e mesmo nas sessões da Associação Geral, como parte da agenda regular devocional e de negócios.”11 Ellen White chegou a dizer que o cristão é alguém ativo nas reuniões sociais: “O cristão é uma pessoa semelhante a Cristo, ativa nos serviços de Deus e presente nas reuniões sociais e cuja presença animará também a outros.”12 Ela ainda aconselhou que os pastores novos deviam ser ensinados a conduzir reuniões sociais.13

Treinamento necessário

Diante disso, não podemos deixar em segundo plano o movimento de pequenos grupos entre nós, hoje. Temos diante de Deus a responsabilidade de fortalecê-los e multiplicá-los, a fim de possibilitarmos aos membros de nossas igrejas o ambiente de amizade e acolhimento de que necessitam. Assim como os primeiros adventistas, devemos manter equilíbrio entre o racional (cognitivo) e o relacionai.

Todavia, não podemos nos esquecer de que o simples fato de reunirmos as pessoas em pequenos grupos não é suficiente para ter o ambiente pronto para desenvolver a amizade conforme necessitamos. Precisamos treinar líderes e investir na criação de grupos com essa ênfase.

Para que um pequeno grupo atenda as necessidades de amizade e companheirismo, são necessárias quatro coisas, conforme enumeramos em seguida:

  • 1. Disposição para aceitar as pessoas como são, sem julgamento nem condenação. As pessoas só irão se abrir, quando se sentirem seguras e aceitas.
  • 2. Os membros precisam ser confidentes. O que for falado no grupo não pode sair dali.
  • 3. O estudo da Bíblia deve ser aplicativo. O objetivo é atender as necessidades das pessoas com a mensagem bíblica. Discussão doutrinária é feita nas classes bíblicas, nos sermões, estudos bíblicos e lição da Escola Sabatina.
  • 4. Ação intencional de cuidado mútuo entre os membros do grupo. É a prática do princípio “uns aos outros”, visitação, oração intercessora, comemoração de datas especiais e atendimentos das necessidades dos membros.

No dia 16 de abril, comemoraremos no território da Divisão Sul-Americana o “Dia do Amigo”, com o lema “Amigos da Esperança”. Naquele sábado, cada adventista deve ser incentivado a levar um amigo à igreja, e convidá-lo para almoçar, tornando a casa um “lar de esperança”. O passo seguinte é convidar o amigo para as reuniões evangelísticas da Semana Santa, nos dias 17-14 de abril.

Oramos para que cada pequeno grupo na América do Sul seja, de fato, um lugar de refúgio, um ambiente em que cada pessoa se sinta amada e acolhida. O lugar por excelência, em que se cultiva a verdadeira amizade cristã. Burrill foi ao ponto, ao falar sobre os resultados desse trabalho: “Raramente perdemos uma pessoa que se une a um pequeno grupo, por causa das pontes relacionais que são construídas”.14

Referências:

  • 1 Russell Burrill, Como Reavivar a Igreja do Século 21, p. 25.
  • 2 Heron Santana, Pequens Grupos, Teoria e Prática, p. 161.
  • 3 Russell Burrill, Op. Cit., p. 30.
  • 4 Ibid., p. 43.
  • 5 Ibid., p. 108.
  • 6 Russell Burrill, Revolução na Igreja, p. 126-129.
  • 7 ______________, Como Reavivar a Igreja no Século

21, p. 126.

  • 8 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v.

2, p. 578.

  • 9 Russell Burrill, Como Reavivar a Igreja no Século

21, p. 118.

  • 10 Ibid., p. 123.
  • 11 Ibid., p. 127,131.
  • 12 Ellen G. White, Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 7, p. 935.
  • 13 ______________, Signs of the Times,

17/05/1883.

  • 14 Russell Burrill, Revolução na Igreja, p. 129.